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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

sexta-feira, 30 de março de 2012

O NEXO CAUSAL NO CASO DA MENINA GRAZIELLY LAMES





Fabricio da Mata Corrêa

Assunto do direito penal que sempre provocou polêmica, e hoje não é diferente é a questão do nexo causal. Nexo de causalidade, pode ser entendido como sendo a “ponte” entre a conduta do agente e a efetiva produção de um resultado típico, é de fato a materialização da intenção do agente com o seu êxito em produzir um resultado.

A polêmica sobre o tema surge quando a visualização dessa contribuição para a produção do resultado típico não se da de forma clara e direta, e mais, quando o resultado que se busca imputar possui mais de um agente, tendo aqui que identificar qual teria sido a participação de cada um.

Toda essa questão relacionada ao nexo de causalidade voltou a ser debatida, quando o delegado Rony Oliveira, responsável pela Delegacia Seccional da cidade de Santos, que estava apurando o crime em que se teve como vítima a pequena  Grazielly Lames, de 3 anos de idade, verificou haver nexo de causalidade suficiente para se imputar o resultado morte não só ao menor que pilotava o jet ski, mas a quatro outras pessoas. Sendo elas:
·        O padrinho do menor;
·        O caseiro;
·        Alguém que dizem ser o responsável pela embarcação;
·        E o mecânico

A decisão do Delegado de indiciar outras pessoas que a princípio não participaram diretamente para o evento morte, se justifica no fato que o Brasil adotou, para fins de nexo causal, a teoria da Equivalência Dos Antecedentes, que em síntese considera-se como causa de um resultado “tudo”, que de certa forma, tenha contribuído para sua produção.

Todavia, e é justamente por isso que esse assunto sempre gera discussão. Talvez, não teria o delegado exagerado no seu critério de verificação das causas que efetivamente teriam contribuído? Será que todas essas pessoas concorreram para a produção do resultado?, e outra questão: é possível concurso de agente em crime culposo???

Sobre isso vale explicar que pelo fato da referida teoria elencar várias causas responsáveis para o evento típico, ela acabou por ser muito criticada, uma vez que por não possuir limite poderia levar à imputação até o infinito, onde por exemplo, também seriam iniciados os pais dos agentes criminosos, considerando que sem eles o mesmo não teria vida, e assim por diante.

 Justamente por isso é que pretendendo fazer uma espécie de “filtro” se criou um critério hipotético de eliminação, que visa justamente tirar da linha de verificação causal, todo o evento que embora esteja ligado ao fato, não mereça ser tido como causa responsável.

Pautando-se nesse filtro hipotético, é que, num primeiro momento, nos parece ter sido equivocada a decisão do ilustre delegado, posto que antes de se imputar alguém com base nessa teoria deve-se fazer a seguinte indagação: sem essa participação teria o evento ocorrido da mesma forma?

Em síntese, deve-se ter em mente que quando por meio dessa verificação, ou melhor, se quando da eliminação hipotética ficar evidenciado que a causa em questão é considerada dependente, ou seja, que o evento típico dependia dessa causa para ocorrer, nesse caso não se tem como eliminar o nexo.

Todavia, seguindo o mesmo critério, é possível verificar aquela causa dita independente, ou seja, são as causas que não se encontram na linha causal de desdobramento da conduta praticada. Elas podem ser:

Relativamente independe: quando se precisa da associação da conduta para que venham a gerar resultado. Aqui é preciso se fazer uma breve explanação no sentido que ainda que relativamente independente, fato é que sem a conduta o resultado não teria se produzido. 

O que por força da citada teoria, o nexo nunca poderia ser excluído. Ocorre que o diferencial das causas relativamente independentes, e assim representando exceção à regra, é que o motivo pela qual ainda que associada ao resultado irá excluir o nexo causal, é que todas elas são supervenientes ao resultado, e isso se verifica na redação do §1º do artigo 13 do CP, que diz:
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
 Superveniência de causa independente (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. 

É o velho e clássico exemplo da vítima da arma de fogo que não morre em virtude dos disparos, mas no trajeto para o hospital logo após ter sido socorrido. Nesse caso o agente que desferiu os tiros responderá por tentativa, e não pelo homicídio consumando. Até porque aos olhos da teoria da imputação objetiva, muito bem apadrinhada pelos professores Claus Roxin e Günther Jakobs, que diferenciando os riscos como permitidos e proibidos, dizem que o risco proibido criado pelo atirador, não pode ser suficiente para imputar ao mesmo o homicídio consumando, mas tão somente o tentado.

Retomando o caso que ora nos colocamos à comentar. Observando a contribuição que cada um dos indiciados teoricamente tiveram pode-se dizer que:
  • ·        Se de fato o padrinho do menor, consentiu que o mesmo pilotasse o jet ski, teria sido essa conduta permissiva preponderante para a morte da pequena Grazielly? ou melhor pode-se verificar dependência entre a ocorrência da morte e o ato permissivo de autorizar o menor?
  • ·        Considerando o outro indiciado, qual seja o caseiro, qual teria sido a contribuição causal que este teria dado, ao ponto de também ser responsabilizado pela morte da menor? Lembrando que entre este e o dono da embarcação (primeiro indiciado) havia uma relação hierárquica de dependência e subordinação.
  • ·       Em relação ao possível responsável pela embarcação. Assim como o outro qual teria sido sua contribuição?
  • ·        E por fim o mecânico, como que este chegou a integrar o caminho de desdobramento causal que originou na morte da menor? Teria ele consertado o jet ski?
Claro que se essas pessoas foram indiciadas é porque durante a investigação, as respostas para essas questões foram todas obtidas. Posto que, analisando friamente o caso, o único que aparentemente teria contribuído para o evento teria sido o dono da embarcação, que autorizou o menor. Isso sim é uma causa que pode ser tida com dependente.

Mas claro que até por não termos acesso aos elementos probatórios que foram levantados no inquérito policial, e que levaram o delegado à conclusão de indiciar todas essas pessoas, o que se faz aqui é apenas uma exposição meramente argumentativa sem dados concretos, que possui o fito muito mais didático, ou seja, entender um pouco sobre a abrangência da teoria da equivalência dos antecedentes do que propriamente investigativo.

Deixo aqui um convite para quem tiver o interesse de debater mais sobre o assunto. E como sempre, qualquer dúvida estamos a disposição!

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