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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

terça-feira, 6 de março de 2012

A BANALIZAÇÃO DO DOLO EVENTUAL

CUIDADO! PENSE BEM, VOCÊ PODE ESTAR ASSUMINDO UM RISCO!




Fabricio da Mata Corrêa

É possível notar sem dificuldade que nunca se falou e se ouviu falar tanto em dolo eventual como tem acontecido ultimamente. Atualmente qualquer tipo de infração penal, onde a autoridade policial não se consiga por uma análise preliminar verificar a existência de um dolo direito, fatalmente ela será classificada a título de dolo eventual, seguida da já conhecida frase “ele assumiu o risco do resultado”.

Pois bem, ocorre que essa verificação de dolo direito e dolo eventual, não pode circundar no campo da simplicidade como se tem feito. A escolha, ou melhor, a identificação de existência de qualquer desses institutos não deve ser feita por questão de conveniência, mas sim de justiça e adequação. Deve na verdade ser de uma análise pormenorizada feita em especial sobre a intenção do agente e as circunstancias do crime. 

Normalmente a controvérsia, ou o cerni da questão, não estar em definir se um fato ocorreu com dolo direito ou dolo eventual, na verdade sendo a conduta dolosa a imputação será a mesma. Todavia, o problema ocorre quando a situação apresentada não possibilita uma fácil distinção de dolo e culpa, e é justamente nesse momento que surge toda a problemática. Ressalvando que o Código Penal no seu artigo 18 define que os tipos penais serão previstos a título de dolo, salvo nos casos específicos onde a lei prever modalidade culposa.

Sendo mais específico, numa primeira análise não haveria motivo aparente que justifique tal confusão posto que são institutos que ocupam lugares distintos dentro da dogmática penal. Sobre o dolo é sabido que ele consiste na intenção clara e desimpedida do indivíduo em fazer algo. Enquanto que a culpa por sua vez baseia-se em dois pilares: i) falta de um dever de cuidado; ii) e previsibilidade objetiva do resultado. O problema citado surge e passa a ter relevância jurídica a partir do momento que se passa a considerar as muitas ramificações e ou distorções que se extraem de tais institutos, em especial dos que são classificados pelo doutrina como sendo dolo eventual e a culpa consciente.
 

 Pois bem, para fins de melhor compreensão vale ressaltar os ensinamentos dos Prof. Rogério Greco, que ao explicar dolo eventual disse: “quando o agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito” enquanto que a culpa consciente “o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não ocorrência; o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente”.

A principal distinção entre eles repousa no fato de que agindo com dolo eventual o agente faz previsão do resultado e embora não o deseje, também não se importa com sua ocorrência, enquanto que na culpa consciente ele faz previsão do resultado e se importando para que ele não ocorra acredita que poderá evitá-lo. Portanto, não se pode por meio de mera presunção de intenção atribuir dolo em alguém que efetivamente não queria o resultado, mas não conseguiu evitá-lo, ou então atribuir culpa a quem não se preocupou com a ocorrência do mesmo, e mais, aceitou sua ocorrência.

Para se ter uma idéia do perigo que é “brincar” com esses institutos, é preciso que se faça uma verdadeira demonstração das reais consequências que seu emprego equivocado tem acarretado, e com isso gerando precedentes perigosos. Isso porque, conforme já dito, se a análise estivesse apenas no campo do dolo, independentemente da modalidade, o resultado para fins de imputação seria o mesmo, mas como a questão envolve a culpa, mais especificamente a culpa consciente, o liame que os diferencia já não mais pode ser encontrado com tanta facilidade, como na prática tem parecido ser.

A propósito, toda essa banalização na invocação do dolo eventual é vista com facilidade nos crimes de trânsito, em especial o homicídio e principalmente quando o agente assim o faz sob a influência de álcool. Nesses casos, é quase que certa a imputação por meio de dolo eventual, sendo na verdade quase que automático.

Outrossim, aproveitando o exemplo dos crimes de trânsito é possível notar como que é perigosa, além de desmedida, a prática de apenas com uma analise superficial ser presumir dolo eventual. Pegue-se como exemplo o caso do homicídio, um crime grave e quanto a isso ninguém questiona, mas quando ele é praticado na direção de veículo automotor, aqui tipificado a título de culpa (art.302 do CTB), o mesmo possui pena de detenção, de dois a quatro anos; enquanto que o homicídio previsto no Código Penal (art. 121 do CP), seja no dolo direto ou eventual, prevê no seu caput pena de reclusão de seis a vinte anos.

Ora, não é por meio de uma simples invocação de um instituto que você conseguirá suprir a ausência de uma análise sobre a intenção do agente, caso contrário se estaria ensaiando uma perigosa responsabilidade penal objetiva. No caso, por exemplo, do indivíduo que ingere bebida alcoólica e pratica um homicídio, ressalvado os casos de embriagues preordenada, mesmo que ele assim o faça não se pode dizer, prematuramente, que ele assumiu o risco, sem que antes verdadeiramente se constate isso por meio de sua intenção. Será que ele repudiava a ocorrência de um resultado? ou será que não se importava com sua ocorrência?

Mas claro que se hoje a verificação do dolo eventual tornou-se algo fútil e quase que automático, isso se deve a toda pressão que a mídia tem feito. Infelizmente no Brasil a força vista nos meios de comunicação, tem feito com que o poder legislativo em muitos casos se torne “refém” do clamor popular, no fito de que se faça ou se promulgue determinada lei. Clamor público, que diga-se de passagem é fruto de todo esse estardalhaço que a mídia tem feito para prender a atenção das pessoas e com isso ganhar audiência no ibope.

Retornando ao exemplo do crime de homicídio, praticado na direção de veículo automotor, atualmente quando se vê uma notícia como essa, em seguida é possível ouvir do jornalista que: o responsável pelo acidente será indiciado por homicídio doloso por dolo eventual, vez que assumiu o risco de produzir o resultado e por isso será submetido a júri popular. Essas palavras de tão ditas já se tornam melodia nos telejornais, posto que diariamente podem ser ouvidas. Agora, será que de fato todos agem com dolo eventual? 

Fato é que Submeter uma pessoa ao Tribunal Popular do Júri, por um crime que em seu nascedouro não foi doloso, é por certo uma clara violação de preceitos constitucionais. Claro, que há casos onde não se poderá aplicar o disposto no artigo 302 do CTB, porque não há duvida de que o agente realmente assumiu o risco do resultado, tudo bem, se tal conclusão é resultado de um estudo feito sobre o caso e suas circunstancias, e não simplesmente por conveniência.

O que parece é que há um temor por parte da justiça em se fazer o direito como realmente deve ser. Talvez, por que já sabe e imagina como que será a repercussão nos meios de comunicação que por certo desagradará toda população que tomada pelo dogma do direito penal máximo, espera a todo custo a condenação de alguém que simplesmente figura como suspeito.

Se fosse preciso apontar um responsável por toda essa banalização que se tem visto na aplicação do dolo eventual, não há duvida que a grande responsável por tal tendência é a mídia, vista em todos os meios e forma de vinculação, posto que aproveitando-se do seu forte poder de comunicação e de induzimento, tem movido a sociedade com verdadeira massa de manobra, incitando-a e provocando-a para que se rebela contra algo que desconhece totalmente.

No seu magistério, o professor Rogério Greco, ao descrever essa infeliz participação da mídia disse:

“O movimento da mídia, exigindo punições mais rígidas, fez com que juízes e promotores passassem a enxergar o delito de trânsito cometido nessas circunstancias, ou seja, quando houvesse a conjugação da velocidade excessiva com a embriagues do motorista atropelador, como de dolo eventual, tudo por causa da frase contida na segunda parte do inciso I do art. 8 do Código Penal, que diz ser dolosa a conduta quando o agente assume o risco de produzir o resultado.” (GRECO – 2012)

Seguindo em entendimento semelhante, fez o Ministro Luiz Fux que ao votar um caso de homicídio praticado na direção de veículo automotor, que justamente chegou até o STF por terem considerado que o agente agira com dolo eventual, e não com culpa como prevê a legislação, ele assim o disse em seu voto:

“Outrossim, observa-se atualmente, de um modo geral, seja nas acusações seja nas decisões judiciais, certa banalização no sentido de atribuir-se aos delitos de trânsito o dolo eventual, o que se refletiu no caso em exame.” (http://direitopenalemdia.blogspot.com/2011/09/voto-do-ministro-luiz-fux-dispondo.html)

É inegável o fato de que acontecimentos dessa natureza prendem a atenção do público, o que consequentemente aumenta a audiência e por óbvio a arrecadação. Como dizer o contrário, depois do que se viu recentemente em São Paulo no “caso Eloá” onde as várias emissoras de TVs e rádio, literalmente acamparam na frente do fórum e lá permaneciam transmitindo as notícias do julgamento, ou então, no caso dos “Nardones” onde a leitura da sentença foi transmita ao vivo para todo o Brasil.

A pergunta que fica é: será que a mídia fez isso por que os crimes eram graves? Ou por que era notícia? Quantos crimes até mais graves que esses, que quando não são engolidos pela ação do tempo e conseguem chegar à 2ª fase do júri, sequer são mencionados pela mídia, e toda essa morosidade se deve ao simples fato de não terem recebido a mesma repercussão e tratamento. Existem crimes que foram praticados há muitos anos antes desses, e que até hoje não se sabe sequer o dia do julgamento. Como que se explica isso?

Vários meios de comunicação, e até apresentadores de TV sem conhecerem o assunto fazem uma pressão tamanha que acabam por comover de tal forma a sociedade, que como resultado ocorre justamente o que se explica por meio da expressão “inflação legislativa” que é justamente esse aumento na criação de leis penais. Isso porque a mídia faz a sociedade a acreditar que somente por meio da neocriminalização de condutas e pelo endurecimento das penas já existentes é que se conseguirá alcançar a paz social. Ledo engano, posto que na verdade o direito penal não é nem nunca será a solução para os problemas sociais.

Notem que a mídia causa ou faz surgir na população todo esse sentimento que acostumou-se chamar de impunidade, e depois o utiliza para que por meio dele se façam contorcionismos legislativos, como por exemplo, a banalização desmedida do dolo eventual.

Deve ser propagado o entendimento de que não é por meio do direito penal que a sociedade verá seus problemas serem resolvidos, e que na verdade, se houver de fato a necessidade de se invocar o direito penal é porque o Estado, em momento anterior à criação do tipo penal, falhou em algumas de suas obrigações (saúde, educação, segurança etc..), onde como resultado por tal omissão viu-se uma crescente na criminalidade

É importante que se diga que não esta se pregando a supressão do instituo do dolo eventual, muito embora exista quem defenda a tese de que o mesmo sequer existe, e que de fato só existiria dolo e culpa, sendo suas ramificações meras ficções criadas para preencher as lacunas entre eles e dar uma “resposta” para a sociedade. Mas ocorre que não é nossa intenção repudiar completamente a visualização do dolo eventual, até porque ele se faz necessário e presente em muitos casos.

O que se prega é que sua verificação, e posterior aplicação ocorra de forma mais criteriosa e cautelosa, de maneira que não se saia atribuindo dolo eventual a qualquer pessoa com base apenas em mera presunção de culpabilidade, mas sim que isso seja feito porque ficou certo e comprovado que o agente assim o agiu.

Bem, mas enquanto isso não muda, é bom tomar cuidado!





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