CUIDADO! PENSE BEM, VOCÊ PODE ESTAR
ASSUMINDO UM RISCO!
Fabricio da Mata Corrêa
É possível notar sem
dificuldade que nunca se falou e se ouviu falar tanto em dolo eventual como tem
acontecido ultimamente. Atualmente qualquer tipo de infração penal, onde a
autoridade policial não se consiga por uma análise preliminar verificar a
existência de um dolo direito, fatalmente ela será classificada a título de
dolo eventual, seguida da já conhecida frase “ele assumiu o risco do
resultado”.
Pois bem, ocorre que essa
verificação de dolo direito e dolo eventual, não pode circundar no campo da
simplicidade como se tem feito. A escolha, ou melhor, a identificação de existência
de qualquer desses institutos não deve ser feita por questão de conveniência,
mas sim de justiça e adequação. Deve na verdade ser de uma análise
pormenorizada feita em especial sobre a intenção do agente e as circunstancias
do crime.
Normalmente a controvérsia, ou
o cerni da questão, não estar em definir se um fato ocorreu com dolo direito ou
dolo eventual, na verdade sendo a conduta dolosa a imputação será a mesma.
Todavia, o problema ocorre quando a situação apresentada não possibilita uma
fácil distinção de dolo e culpa, e é justamente nesse momento que surge toda a
problemática. Ressalvando que o Código Penal no seu artigo 18 define que os tipos
penais serão previstos a título de dolo, salvo nos casos específicos onde a lei
prever modalidade culposa.
Sendo mais específico, numa
primeira análise não haveria motivo aparente que justifique tal confusão posto
que são institutos que ocupam lugares distintos dentro da dogmática penal.
Sobre o dolo é sabido que ele consiste na intenção clara e desimpedida do
indivíduo em fazer algo. Enquanto que a culpa por sua vez baseia-se em dois
pilares: i) falta de um dever
de cuidado; ii) e previsibilidade
objetiva do resultado. O problema citado surge e passa a ter relevância
jurídica a partir do momento que se passa a considerar as muitas ramificações e
ou distorções que se extraem de tais institutos, em especial dos que são classificados
pelo doutrina como sendo dolo eventual e a culpa consciente.
Pois bem, para fins de melhor
compreensão vale ressaltar os ensinamentos dos Prof. Rogério Greco, que ao
explicar dolo eventual disse: “quando o
agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se
abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele
já havia sido previsto e aceito” enquanto que a culpa consciente “o agente, embora prevendo o resultado,
acredita sinceramente na sua não ocorrência; o resultado previsto não é querido
ou mesmo assumido pelo agente”.
A principal distinção entre
eles repousa no fato de que agindo com dolo eventual o agente faz previsão do resultado e embora não o
deseje, também não se importa com sua ocorrência, enquanto que na culpa
consciente ele faz previsão do resultado
e se importando para que ele não
ocorra acredita que poderá evitá-lo.
Portanto, não se pode por meio de mera presunção de intenção atribuir dolo em alguém
que efetivamente não queria o resultado, mas não conseguiu evitá-lo, ou então
atribuir culpa a quem não se preocupou com a ocorrência do mesmo, e mais,
aceitou sua ocorrência.
Para se ter uma idéia do
perigo que é “brincar” com esses institutos, é preciso que se faça uma
verdadeira demonstração das reais consequências que seu emprego equivocado tem
acarretado, e com isso gerando precedentes perigosos. Isso porque, conforme já
dito, se a análise estivesse apenas no campo do dolo, independentemente da modalidade,
o resultado para fins de imputação seria o mesmo, mas como a questão envolve a
culpa, mais especificamente a culpa consciente, o liame que os diferencia já
não mais pode ser encontrado com tanta facilidade, como na prática tem parecido
ser.
A propósito, toda essa
banalização na invocação do dolo eventual é vista com facilidade nos crimes de
trânsito, em especial o homicídio e principalmente quando o agente assim o faz
sob a influência de álcool. Nesses casos, é quase que certa a imputação por meio
de dolo eventual, sendo na verdade quase que automático.
Outrossim, aproveitando o exemplo
dos crimes de trânsito é possível notar como que é perigosa, além de desmedida,
a prática de apenas com uma analise superficial ser presumir dolo eventual. Pegue-se
como exemplo o caso do homicídio, um crime grave e quanto a isso ninguém
questiona, mas quando ele é praticado na direção de veículo automotor, aqui
tipificado a título de culpa (art.302 do CTB), o mesmo possui pena de detenção,
de dois a quatro anos;
enquanto
que o homicídio previsto no Código Penal (art. 121 do CP), seja no dolo direto
ou eventual, prevê no seu caput pena
de reclusão de seis a vinte anos.
Ora, não é por meio de uma
simples invocação de um instituto que você conseguirá suprir a ausência de uma
análise sobre a intenção do agente, caso contrário se estaria ensaiando uma
perigosa responsabilidade penal objetiva. No caso, por exemplo, do indivíduo que
ingere bebida alcoólica e pratica um homicídio, ressalvado os casos de
embriagues preordenada, mesmo que ele assim o faça não se pode dizer,
prematuramente, que ele assumiu o risco, sem que antes verdadeiramente se
constate isso por meio de sua intenção. Será que ele repudiava a ocorrência de
um resultado? ou será que não se importava com sua ocorrência?
Mas claro que se hoje a
verificação do dolo eventual tornou-se algo fútil e quase que automático, isso
se deve a toda pressão que a mídia tem feito. Infelizmente no Brasil a força
vista nos meios de comunicação, tem feito com que o poder legislativo em muitos
casos se torne “refém” do clamor popular, no fito de que se faça ou se promulgue
determinada lei. Clamor público, que diga-se de passagem é fruto de todo esse estardalhaço
que a mídia tem feito para prender a atenção das pessoas e com isso ganhar
audiência no ibope.
Retornando ao exemplo do crime
de homicídio, praticado na direção de veículo automotor, atualmente quando se
vê uma notícia como essa, em seguida é possível ouvir do jornalista que: o
responsável pelo acidente será indiciado por homicídio doloso por dolo
eventual, vez que assumiu o risco de produzir o resultado e por isso será
submetido a júri popular. Essas palavras de tão ditas já se tornam melodia nos
telejornais, posto que diariamente podem ser ouvidas. Agora, será que de fato
todos agem com dolo eventual?
Fato é que Submeter uma pessoa
ao Tribunal Popular do Júri, por um crime que em seu nascedouro não foi doloso,
é por certo uma clara violação de preceitos constitucionais. Claro, que há
casos onde não se poderá aplicar o disposto no artigo 302 do CTB, porque não há
duvida de que o agente realmente assumiu o risco do resultado, tudo bem, se tal
conclusão é resultado de um estudo feito sobre o caso e suas circunstancias, e
não simplesmente por conveniência.
O que parece é que há um temor
por parte da justiça em se fazer o direito como realmente deve ser. Talvez, por
que já sabe e imagina como que será a repercussão nos meios de comunicação que
por certo desagradará toda população que tomada pelo dogma do direito penal
máximo, espera a todo custo a condenação de alguém que simplesmente figura como
suspeito.
Se fosse preciso apontar um
responsável por toda essa banalização que se tem visto na aplicação do dolo
eventual, não há duvida que a grande responsável por tal tendência é a mídia,
vista em todos os meios e forma de vinculação, posto que aproveitando-se do seu
forte poder de comunicação e de induzimento, tem movido a sociedade com
verdadeira massa de manobra, incitando-a e provocando-a para que se rebela
contra algo que desconhece totalmente.
No seu magistério, o professor Rogério Greco, ao descrever essa infeliz participação da mídia disse:
“O movimento da mídia, exigindo punições mais rígidas, fez com que juízes e promotores passassem a enxergar o delito de trânsito cometido nessas circunstancias, ou seja, quando houvesse a conjugação da velocidade excessiva com a embriagues do motorista atropelador, como de dolo eventual, tudo por causa da frase contida na segunda parte do inciso I do art. 8 do Código Penal, que diz ser dolosa a conduta quando o agente assume o risco de produzir o resultado.” (GRECO – 2012)
Seguindo em entendimento semelhante, fez o Ministro Luiz Fux que ao votar um caso de homicídio praticado na direção de veículo automotor, que justamente chegou até o STF por terem considerado que o agente agira com dolo eventual, e não com culpa como prevê a legislação, ele assim o disse em seu voto:
“Outrossim, observa-se atualmente, de um
modo geral, seja nas acusações seja nas decisões judiciais, certa banalização
no sentido de atribuir-se aos delitos de trânsito o dolo eventual, o que se
refletiu no caso em exame.”
(http://direitopenalemdia.blogspot.com/2011/09/voto-do-ministro-luiz-fux-dispondo.html)
É inegável o fato de que acontecimentos dessa natureza prendem a atenção do público, o que consequentemente aumenta a audiência e por óbvio a arrecadação. Como dizer o contrário, depois do que se viu recentemente em São Paulo no “caso Eloá” onde as várias emissoras de TVs e rádio, literalmente acamparam na frente do fórum e lá permaneciam transmitindo as notícias do julgamento, ou então, no caso dos “Nardones” onde a leitura da sentença foi transmita ao vivo para todo o Brasil.
A pergunta que fica é: será que a mídia fez isso por que os crimes eram graves? Ou por que era notícia? Quantos crimes até mais graves que esses, que quando não são engolidos pela ação do tempo e conseguem chegar à 2ª fase do júri, sequer são mencionados pela mídia, e toda essa morosidade se deve ao simples fato de não terem recebido a mesma repercussão e tratamento. Existem crimes que foram praticados há muitos anos antes desses, e que até hoje não se sabe sequer o dia do julgamento. Como que se explica isso?
Vários meios de comunicação, e
até apresentadores de TV sem conhecerem o assunto fazem uma pressão tamanha que
acabam por comover de tal forma a sociedade, que como resultado ocorre
justamente o que se explica por meio da expressão “inflação legislativa” que é justamente esse aumento na criação de
leis penais. Isso porque a mídia faz a sociedade a acreditar que somente por
meio da neocriminalização de condutas e pelo endurecimento das penas já
existentes é que se conseguirá alcançar a paz social. Ledo engano, posto que na
verdade o direito penal não é nem nunca será a solução para os problemas
sociais.
Notem que a mídia causa ou faz
surgir na população todo esse sentimento que acostumou-se chamar de impunidade,
e depois o utiliza para que por meio dele se façam contorcionismos
legislativos, como por exemplo, a banalização desmedida do dolo eventual.
Deve ser propagado o
entendimento de que não é por meio do direito penal que a sociedade verá seus
problemas serem resolvidos, e que na verdade, se houver de fato a necessidade
de se invocar o direito penal é porque o Estado, em momento anterior à criação
do tipo penal, falhou em algumas de suas obrigações (saúde, educação, segurança
etc..), onde como resultado por tal omissão viu-se uma crescente na
criminalidade
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