Fabricio da Mata Corrêa
Recentemente o Uruguai se
tornou o mais novo país da América latina a regular e autorizar a questão do
aborto, descriminalizado a conduta da gestante que deseje fazê-lo até a décima
segunda semana de gestação. O projeto já foi aprovado pelo parlamento e carece apenas
de sanção presidencial, mas tudo indica que essa já é certa.
No entanto, existem alguns
aspectos que são específicos do projeto uruguaio, como por exemplo, mulheres
estrangeiras não poderão valer-se da vênia legislativa, e as nacionais que decidirem
fazer o procedimento deverão receber acompanhamento por uma junta médica
formada por especialistas.
A principal mudança que se
nota com a aprovação do projeto, é que a vontade da gestante passará a ser considerada
como suficiente para autorizar o procedimento, desde que o faça até a 12ª
semana de gestação. Até então os casos de aborto considerados legais naquele
país, eram os mesmos vistos no texto do artigo 128 do Código Penal brasileiro.
Com essa iniciativa o
legislativo uruguaio tem se demonstrado muito mais corajoso do que o brasileiro,
pois não tem recuado na tarefa analisar questões polemicas como o aborto, e
ainda estando por vim casos igualmente controvertidos como o uso de drogas e o casamento
de pessoas do mesmo sexo. Ao passo que no Brasil, o que temos visto é que o
judiciário de forma atípica tem se virado para compensar toda essa omissão do
legislativo, fazendo de decisões judiciais verdadeiros tampões para corrigir e
até suprir as muitas falhas das leis. Talvez seja isso, reflexo do despreparo
do nosso corpo legislativo.
Prova disso esta a questão do
aborto dos fetos anencéfalo, que precisou chegar ao Supremo Tribunal Federal
para ser regulada, sendo a decisão para nos casos específicos de anencefalia pudesse
a gestante ter o direito de escolher pela continuidade ou não da gestação.
Importe dizer que o Código
Penal brasileiro nos seus artigos 124, 125 e 126 mantém tipifica a conduta da
gestante que pratica o aborto por conta própria e sozinha, bem como do terceiro
que o faz sem o consentimento dela e também do terceiro que o faz com o seu
consentimento(teoria dualista). Entretanto, mesmo tendo proibido a prática do
aborto, essa proibição atualmente no Brasil comporta três exceções: i) quando o aborto for necessário para a
vida da gestante; ii) quando a
gestação for decorrente de crime de estupro; e mesmo não estando expresso na
lei, iii) no caso de gestação de feto
anencéfalo.
Pois bem, o que foi visto no
Uruguai diverge da realidade brasileira, pois se deixou a critério da gestante
a escolha de se interromper a gestação até a 12ª semana, independentemente de
como tenha ocorrido a concepção.
No Brasil, o tema aborto e
muitos outros têm tirado o sono do legislativo nacional, que reconhecendo a
necessidade de se dar uma nova roupagem ao trato penal, depois da proposta de
um projeto de lei que visava a elaboração de um novo e único diploma penal, foi
formada uma comissão integrada por grandes juristas da área, que cuidaram por analisar
todas as questões que careciam de tratamento, bem como fizeram um revisão completa
sobre muitas outras questões
Não vamos aqui adentrar o
mérito das mudanças ou mesmo se foram acertadas, mas o que se quer ressaltar
foi a coragem desse corpo de juristas em tratar de todos os temas complexos ou
não, à exemplo do que foi visto no Uruguai, temas tão polêmicos que comovem
toda a nação como é o caso do aborto, do uso de drogas etc.
Aproveitando o caso visto no
Uruguai, vale ressaltar que a proposta do novo Código Penal brasileiro, tem
trilhado por caminhos semelhantes, não propriamente numa linha abolicionista,
mas no tocante às causas de exclusão do crime de aborto, são significativas as
mudanças propostas, uma vez que em tal projeto aquelas que atualmente
resumem-se em três, passarão a serem quatro. Dispondo o projeto da seguinte
forma:
Exclusão
do crime
Art.
128. Não há crime de aborto:
I
– se houver risco à vida ou à saúde da gestante;
II
– se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não
consentido de técnica de reprodução assistida;
III
– se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis
anomalias que inviabilizem a vida extra-uterina, em ambos os casos atestado por
dois médicos; ou
IV
– se por vontade da gestante, até a décima segunda semana da gestação, quando o
médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas
de arcar com a maternidade.
Parágrafo
único. Nos casos dos incisos II e III e da segunda parte do inciso I deste
artigo, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou, quando
menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do
cônjuge ou de seu companheiro.
Impossível não mencionar a
semelhança da situação tratada no inciso IV, com aquela vista no Uruguai, vez
que ambas estabelecem até a 12ª semana como sendo o prazo limite para a
realização do procedimento. Contudo, não se pode deixar de dizer que, embora
semelhante no aspecto temporal, o tratamento para se excluir a responsabilidade
penal ainda é diferente. Para o projeto brasileiro não basta a gestante
demonstrar simplesmente interesse em fazê-lo, além disso, e até mais importante,
a possibilidade deverá ser precedida de constatação médica declarando que a
gestante não possui condições psicológicas de arcar com a gestação.
No que tange aos demais dispositivos,
verifica-se que se mantém os dois que hoje já estão na lei. Inovando-se apenas
no inciso II, que com o projeto deixará de fazer referência apenas ao crime de estupro
e passará a englobar todo o conjunto de crimes contra a dignidade sexual, bem
como se passará a considerar a situação de emprego
não consentido de técnica de reprodução assistida.
Também
se verifica no inciso III, a confirmação da decisão do Supremo Tribunal Federal,
passando ela a ter caráter de lei, que é a permissão de se interromper a
gestação quando tratar-se de feto anencéfalo.
Não
se nega que são mudanças relevantes e necessárias. Embora haja comoção
religiosa em sentido contrário, deve-se reconhecer nesse momento que nem sempre
se pode conciliar direito e religião, e no caso específico o sentimento
religioso torna a questão mais sentimental e pouco racional. Além do que, todas
as intervenções religiosas tem-se demonstrado impróprias e descabidas, posto
que em nenhum dos meios elencados no projeto se verifica qualquer forma de incentivo
ao aborto, pelo contrário, trata-se apenas de uma tentativa de se evitar que casos
sem regulamentação, como o visto na anencefalia, demorem tanto tempo para serem
resolvidos.
Antes
mesmo do projeto ser posto em votação, já se possível observar várias críticas
que são feitas, mas repita-se que não abordaremos suas razões, valendo ressaltar
apenas, que é o aborto um dos temas que mais repercussão e comoção tem fomentado
dentre os senadores. Infelizmente, não adianta reunir os melhores para se
elaborar uma lei, se sua aprovação continuar dependendo daqueles que por anos
não tem tido coragem suficiente para resolver a questão.
Ao
que parece, todo esse trabalho na formulação e organização do projeto do novo Código
Penal foi em vão, pois, a exemplo de muitos outros projetos que entraram no
Congresso Nacional e que acabaram se perdendo no tempo e que até hoje não se
tem notícia, tudo indica que esse projeto será mais um nessa infeliz contagem.
Não
se pode negar o avanço e a evolução, fazer isso é condenar o país a viver em um
ambiente de incerteza legislativa e insegurança jurídica. Pois se o judiciário
não pode deixar de apreciar os casos que lhes são levados (princípio da
inafastabilidade), melhor então, que assim o faça com base em leis completas e
capazes, que possibilitam uma pronta aplicação, e não como se tem visto
atualmente, onde o judiciário vem legislando nos casos concretos.
Fonte
de imagem – GOOGLE - http://www.hojeemdia.com.br/polopoly_fs/1.38262.1348673615!/image/image.JPG_gen/derivatives/landscape_315/image.JPG
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