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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

domingo, 21 de outubro de 2012

PARLAMENTO DO URUGUAI AUTORIZA O ABORTO


Fabricio da Mata Corrêa


Recentemente o Uruguai se tornou o mais novo país da América latina a regular e autorizar a questão do aborto, descriminalizado a conduta da gestante que deseje fazê-lo até a décima segunda semana de gestação. O projeto já foi aprovado pelo parlamento e carece apenas de sanção presidencial, mas tudo indica que essa já é certa.
No entanto, existem alguns aspectos que são específicos do projeto uruguaio, como por exemplo, mulheres estrangeiras não poderão valer-se da vênia legislativa, e as nacionais que decidirem fazer o procedimento deverão receber acompanhamento por uma junta médica formada por especialistas.

A principal mudança que se nota com a aprovação do projeto, é que a vontade da gestante passará a ser considerada como suficiente para autorizar o procedimento, desde que o faça até a 12ª semana de gestação. Até então os casos de aborto considerados legais naquele país, eram os mesmos vistos no texto do artigo 128 do Código Penal brasileiro.

Com essa iniciativa o legislativo uruguaio tem se demonstrado muito mais corajoso do que o brasileiro, pois não tem recuado na tarefa analisar questões polemicas como o aborto, e ainda estando por vim casos igualmente controvertidos como o uso de drogas e o casamento de pessoas do mesmo sexo. Ao passo que no Brasil, o que temos visto é que o judiciário de forma atípica tem se virado para compensar toda essa omissão do legislativo, fazendo de decisões judiciais verdadeiros tampões para corrigir e até suprir as muitas falhas das leis. Talvez seja isso, reflexo do despreparo do nosso corpo legislativo.

Prova disso esta a questão do aborto dos fetos anencéfalo, que precisou chegar ao Supremo Tribunal Federal para ser regulada, sendo a decisão para nos casos específicos de anencefalia pudesse a gestante ter o direito de escolher pela continuidade ou não da gestação.

Importe dizer que o Código Penal brasileiro nos seus artigos 124, 125 e 126 mantém tipifica a conduta da gestante que pratica o aborto por conta própria e sozinha, bem como do terceiro que o faz sem o consentimento dela e também do terceiro que o faz com o seu consentimento(teoria dualista). Entretanto, mesmo tendo proibido a prática do aborto, essa proibição atualmente no Brasil comporta três exceções: i) quando o aborto for necessário para a vida da gestante; ii) quando a gestação for decorrente de crime de estupro; e mesmo não estando expresso na lei, iii) no caso de gestação de feto anencéfalo.

Pois bem, o que foi visto no Uruguai diverge da realidade brasileira, pois se deixou a critério da gestante a escolha de se interromper a gestação até a 12ª semana, independentemente de como tenha ocorrido a concepção.

No Brasil, o tema aborto e muitos outros têm tirado o sono do legislativo nacional, que reconhecendo a necessidade de se dar uma nova roupagem ao trato penal, depois da proposta de um projeto de lei que visava a elaboração de um novo e único diploma penal, foi formada uma comissão integrada por grandes juristas da área, que cuidaram por analisar todas as questões que careciam de tratamento, bem como fizeram um revisão completa sobre muitas outras questões

Não vamos aqui adentrar o mérito das mudanças ou mesmo se foram acertadas, mas o que se quer ressaltar foi a coragem desse corpo de juristas em tratar de todos os temas complexos ou não, à exemplo do que foi visto no Uruguai, temas tão polêmicos que comovem toda a nação como é o caso do aborto, do uso de drogas etc.

Aproveitando o caso visto no Uruguai, vale ressaltar que a proposta do novo Código Penal brasileiro, tem trilhado por caminhos semelhantes, não propriamente numa linha abolicionista, mas no tocante às causas de exclusão do crime de aborto, são significativas as mudanças propostas, uma vez que em tal projeto aquelas que atualmente resumem-se em três, passarão a serem quatro. Dispondo o projeto da seguinte forma:
Exclusão do crime
Art. 128. Não há crime de aborto:
I – se houver risco à vida ou à saúde da gestante;
II – se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida;
III – se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extra-uterina, em ambos os casos atestado por dois médicos; ou
IV – se por vontade da gestante, até a décima segunda semana da gestação, quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.
Parágrafo único. Nos casos dos incisos II e III e da segunda parte do inciso I deste artigo, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou, quando menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro.

Impossível não mencionar a semelhança da situação tratada no inciso IV, com aquela vista no Uruguai, vez que ambas estabelecem até a 12ª semana como sendo o prazo limite para a realização do procedimento. Contudo, não se pode deixar de dizer que, embora semelhante no aspecto temporal, o tratamento para se excluir a responsabilidade penal ainda é diferente. Para o projeto brasileiro não basta a gestante demonstrar simplesmente interesse em fazê-lo, além disso, e até mais importante, a possibilidade deverá ser precedida de constatação médica declarando que a gestante não possui condições psicológicas de arcar com a gestação.

No que tange aos demais dispositivos, verifica-se que se mantém os dois que hoje já estão na lei. Inovando-se apenas no inciso II, que com o projeto deixará de fazer referência apenas ao crime de estupro e passará a englobar todo o conjunto de crimes contra a dignidade sexual, bem como se passará a considerar a situação de emprego não consentido de técnica de reprodução assistida.

Também se verifica no inciso III, a confirmação da decisão do Supremo Tribunal Federal, passando ela a ter caráter de lei, que é a permissão de se interromper a gestação quando tratar-se de feto anencéfalo.

Não se nega que são mudanças relevantes e necessárias. Embora haja comoção religiosa em sentido contrário, deve-se reconhecer nesse momento que nem sempre se pode conciliar direito e religião, e no caso específico o sentimento religioso torna a questão mais sentimental e pouco racional. Além do que, todas as intervenções religiosas tem-se demonstrado impróprias e descabidas, posto que em nenhum dos meios elencados no projeto se verifica qualquer forma de incentivo ao aborto, pelo contrário, trata-se apenas de uma tentativa de se evitar que casos sem regulamentação, como o visto na anencefalia, demorem tanto tempo para serem resolvidos.

Antes mesmo do projeto ser posto em votação, já se possível observar várias críticas que são feitas, mas repita-se que não abordaremos suas razões, valendo ressaltar apenas, que é o aborto um dos temas que mais repercussão e comoção tem fomentado dentre os senadores. Infelizmente, não adianta reunir os melhores para se elaborar uma lei, se sua aprovação continuar dependendo daqueles que por anos não tem tido coragem suficiente para resolver a questão.

Ao que parece, todo esse trabalho na formulação e organização do projeto do novo Código Penal foi em vão, pois, a exemplo de muitos outros projetos que entraram no Congresso Nacional e que acabaram se perdendo no tempo e que até hoje não se tem notícia, tudo indica que esse projeto será mais um nessa infeliz contagem.

Não se pode negar o avanço e a evolução, fazer isso é condenar o país a viver em um ambiente de incerteza legislativa e insegurança jurídica. Pois se o judiciário não pode deixar de apreciar os casos que lhes são levados (princípio da inafastabilidade), melhor então, que assim o faça com base em leis completas e capazes, que possibilitam uma pronta aplicação, e não como se tem visto atualmente, onde o judiciário vem legislando nos casos concretos.


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