Fabricio
da Mata Corrêa
Assunto do direito penal que
sempre provocou polêmica, e hoje não é diferente é a questão do nexo causal. Nexo
de causalidade, pode ser entendido como sendo a “ponte” entre a conduta do
agente e a efetiva produção de um resultado típico, é de fato a materialização
da intenção do agente com o seu êxito em produzir um resultado.
A polêmica sobre o tema surge quando
a visualização dessa contribuição para a produção do resultado típico não se da
de forma clara e direta, e mais, quando o resultado que se busca imputar possui
mais de um agente, tendo aqui que identificar qual teria sido a participação de
cada um.
Toda essa questão relacionada
ao nexo de causalidade voltou a ser debatida, quando o delegado Rony Oliveira,
responsável pela Delegacia Seccional da cidade de Santos, que estava apurando o
crime em que se teve como vítima a pequena Grazielly
Lames, de 3 anos de idade, verificou haver nexo de causalidade
suficiente para se imputar o resultado morte não só ao menor que pilotava o jet
ski, mas a quatro outras pessoas. Sendo elas:
·
O
padrinho do menor;
·
O
caseiro;
·
Alguém
que dizem ser o responsável pela embarcação;
·
E
o mecânico
A decisão do Delegado de indiciar
outras pessoas que a princípio não participaram diretamente para o evento morte,
se justifica no fato que o Brasil adotou, para fins de nexo causal, a teoria da
Equivalência Dos Antecedentes, que em
síntese considera-se como causa de um resultado “tudo”, que de certa forma,
tenha contribuído para sua produção.
Todavia, e é justamente por
isso que esse assunto sempre gera discussão. Talvez, não teria o delegado
exagerado no seu critério de verificação das causas que efetivamente teriam contribuído?
Será que todas essas pessoas concorreram para a produção do resultado?, e outra
questão: é possível concurso de agente em crime culposo???
Sobre isso vale explicar que
pelo fato da referida teoria elencar várias causas responsáveis para o evento
típico, ela acabou por ser muito criticada, uma vez que por não possuir limite
poderia levar à imputação até o infinito, onde por exemplo, também seriam iniciados
os pais dos agentes criminosos, considerando que sem eles o mesmo não teria
vida, e assim por diante.
Justamente por isso é que pretendendo fazer
uma espécie de “filtro” se criou um critério
hipotético de eliminação, que visa justamente tirar da linha de verificação
causal, todo o evento que embora esteja ligado ao fato, não mereça ser tido
como causa responsável.
Pautando-se nesse filtro
hipotético, é que, num primeiro momento, nos parece ter sido equivocada a
decisão do ilustre delegado, posto que antes de se imputar alguém com base
nessa teoria deve-se fazer a seguinte indagação: sem essa participação teria o evento
ocorrido da mesma forma?
Em síntese, deve-se ter em
mente que quando por meio dessa verificação, ou melhor, se quando da eliminação
hipotética ficar evidenciado que a causa em questão é considerada dependente, ou seja, que o evento típico
dependia dessa causa para ocorrer, nesse
caso não se tem como eliminar o nexo.
Todavia, seguindo o mesmo critério,
é possível verificar aquela causa dita independente,
ou seja, são as causas que não se encontram na linha causal de desdobramento da
conduta praticada. Elas podem ser:
Relativamente
independe: quando se precisa da associação da conduta para que
venham a gerar resultado. Aqui é preciso se fazer uma breve explanação no sentido
que ainda que relativamente independente, fato é que sem a conduta o resultado
não teria se produzido.
O que por força da citada
teoria, o nexo nunca poderia ser excluído. Ocorre que o diferencial das causas relativamente independentes, e assim
representando exceção à regra, é que o motivo pela qual ainda que associada ao
resultado irá excluir o nexo causal, é que todas elas são supervenientes ao
resultado, e isso se verifica na redação do §1º do artigo 13 do CP, que diz:
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é
imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual
o resultado não teria ocorrido. (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º -
A superveniência de causa
relativamente independente exclui a imputação quando, por si só,
produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os
praticou.
É
o velho e clássico exemplo da vítima da arma de fogo que não morre em virtude
dos disparos, mas no trajeto para o hospital logo após ter sido socorrido.
Nesse caso o agente que desferiu os tiros responderá por tentativa, e não pelo homicídio
consumando. Até porque aos olhos da teoria da imputação objetiva, muito bem
apadrinhada pelos professores Claus Roxin e Günther
Jakobs, que diferenciando os riscos como permitidos e proibidos, dizem que
o risco proibido criado pelo atirador, não pode ser suficiente para imputar ao mesmo
o homicídio consumando, mas tão somente o tentado.
Retomando o caso que ora nos
colocamos à comentar. Observando a contribuição que cada um dos indiciados teoricamente
tiveram pode-se dizer que:
- · Se de fato o padrinho do menor, consentiu que o mesmo pilotasse o jet ski, teria sido essa conduta permissiva preponderante para a morte da pequena Grazielly? ou melhor pode-se verificar dependência entre a ocorrência da morte e o ato permissivo de autorizar o menor?
- · Considerando o outro indiciado, qual seja o caseiro, qual teria sido a contribuição causal que este teria dado, ao ponto de também ser responsabilizado pela morte da menor? Lembrando que entre este e o dono da embarcação (primeiro indiciado) havia uma relação hierárquica de dependência e subordinação.
- · Em relação ao possível responsável pela embarcação. Assim como o outro qual teria sido sua contribuição?
- · E por fim o mecânico, como que este chegou a integrar o caminho de desdobramento causal que originou na morte da menor? Teria ele consertado o jet ski?
Claro que se essas pessoas
foram indiciadas é porque durante a investigação, as respostas para essas questões
foram todas obtidas. Posto que, analisando friamente o caso, o único que aparentemente
teria contribuído para o evento teria sido o dono da embarcação, que autorizou o
menor. Isso sim é uma causa que pode ser tida com dependente.
Mas claro que até por não
termos acesso aos elementos probatórios que foram levantados no inquérito
policial, e que levaram o delegado à conclusão de indiciar todas essas pessoas,
o que se faz aqui é apenas uma exposição meramente argumentativa sem dados
concretos, que possui o fito muito mais didático, ou seja, entender um pouco sobre
a abrangência da teoria da equivalência dos antecedentes do que propriamente investigativo.
Deixo aqui um convite para quem
tiver o interesse de debater mais sobre o assunto. E como sempre, qualquer
dúvida estamos a disposição!