.

“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

terça-feira, 26 de julho de 2011

Exercício Regular de um Direito? Dolo? ou Culpa?



“Esta segunda-feira, dia 25, quase ficou marcada como o dia que um jovem jogador brasileiro teve sua carreira abreviada por uma agressão dentro de campo.
Vasco e Sport jogavam pela terceira rodada da Taça BH de Juniores, na cidade de Barão de Cocais, em Minas Gerais, quando, aos 46 minutos do segundo tempo, o goleiro Gustavo acertou uma “voadora” nas costas do volante Elivélton. A agressão aconteceu quando os jogadores discutiam no gramado, após o vascaíno Romário sofrer falta e ficar no chão esperando atendimento. Longe do lance, o goleiro Gustavo correu a partir da área, saltou e acertou um forte chute nas costas de Elivélton.”




Fabricio da Mata Corrêa

Para que a questão proposta possa de fato ser respondida, é necessária a realização de uma análise justamente sobre a conduta assumida pelo então goleiro do time de Sport, confrontando-a com os institutos do exercício regular de um direito, da culpa, e por fim do dolo.

O Exercício regular do direito que no Código Penal (art. 23, inciso III ), apresenta-se como uma causa das excludentes de ilicitude, compreende na verdade a possibilidade de se praticar uma infração penal, sem contudo considerá-la como tal, justamente por retirar da mesma toda a ilicitude que lhe era normal. É basicamente uma autorização dada pelo Estado para que em determinadas situações tais fatos não sejam considerados ilícitos.

O exemplo dos esportistas que no desempenho das atividades praticam o que o Código Penal entende por lesão, é comumente utilizado nas faculdades justamente para se explicar o que de fato seria o exercício regular do direito, que data vênia ainda é feito com base em ensinamentos antigos que considera o mesmo uma simples excludente de ilicitude, quando na verdade o mesmo exclui a tipicidade do fato. Mas reserve-se tal análise para momento posterior. 

Importa dizer que esse instituto alcança aqueles que desempenham uma função onde o risco é inerente, e que acima de tudo constitui frente ao ordenamento vigente um risco considerado permitido. Sendo assim, pode-se dizer que a prática de futebol é um exemplo claro de atividade que compreende um risco permitido.
Ocorre que essa regra deve obedecer a um juízo de moderação frente à conduta que cada esportista deve adotar, independente do esporte que pratique. No caso em destaque verifica-se que a agressão praticada pelo jogador do Sport, foge e muito aos limites aceitáveis de um jogo de futebol, tendo em vista que a partir do instante que o mesmo adotou uma postura de agredir o outro jogador, nesse momento ele transformou um risco de lesão que era permitido em algo totalmente proibido.

Sendo assim, é impossível se entender que tenha o goleiro agido sobre esta causa verificadora de atipicidade, principalmente porque não respeitou os limites da razoabilidade, e por ser sua intenção totalmente alheia à pratica esportiva.

Agora, no que tange a questão da culpa é importante dizer que juntamente com o dolo, ocupam lugar de destaque na teoria do crime, em especial dentro da tipicidade que integra o fato típico. O que por força do princípio da culpabilidade inviabilizam qualquer possibilidade da responsabilidade penal objetiva ou pelo resultado, tendo em vista que somente é imputável que pratica uma conduta típica, quando verificado dolo ou culposa.

A culpa no direito penal tem caráter subsidiário em relação ao dolo, e só ocorrerá quando o tipo penal em questão fizer sua expressa previsão. Outrossim, sabe-se ainda que para sua verificação o agente deve ter uma previsibilidade objetiva do resultado, e deve ainda agir em desacordo com as regras de cuidado. Para depois de verificados, se buscar a exteriorização da culpa por meio da imperícia, imprudência ou negligência.

Apenas a título de informação, atualmente, considerando os crimes que fazem previsão de culpa no Código Penal, sabe-se que somam 21 tipos penais, estando inseridos neste cálculo o homicídio, e a lesão corporal.

Considerando as imagens do jogo, num primeiro momento não há que se falar em culpa, pelo contrário a conduta do goleiro de correr em direção ao jogador do Vasco, pulando com sua perna para frente (fazendo movimento comumente chamado de “voadora”), não teria outro propósito senão o que realmente se viu nas imagens (agressão). Isso em muito se difere da culpa, forçando que tal análise seja feita numa primeira vista sobre o dolo.

Essa nos parece a modalidade que melhor se aplica ao caso. Justamente por ser ela a análise da real intenção do agressor. Responsável por gerar discussão sobre qual teria sido seu objetivo, ou a intenção do goleiro ?? Lesionar, ou visava a morte???

Após o socorro médico que foi prestado, verificou-se que o jogador do Vasco não sofreu mais do que uma luxação na altura do pescoço. Ocorre que para se determinar qual teria sido a infração penal praticada pelo goleiro, essa análise não deve estar restrita apenas ao resultado, mas principalmente sobre a conduta dolosa por ele assumida e o seu dês valor frente ao direito. 

Claro que não se deve ignorar todo o dês valor atribuído resultado, entretanto não se considerará apenas o que efetivamente aconteceu, como de maneira potencializada pelo perigo concreto, verificado na conduta do goleiro, deve-se considerar se a mesma poderia ter produzido resultado mais grave? E se quanto a isso houve dolo ou culpa?

Por ser no presente caso indissociável a análise do dolo, e com isso abrangendo suas várias espécies. É que já fez o delegado responsável pelo caso, por manifestar seu entendimento pautando-se nas imagens vistas no vídeo, no sentido de que o goleiro do Sport será indiciado por tentativa de homicídio pois ainda que não desejasse a morte, acabou assumindo o risco de tal resultado, considerando ainda que a área do corpo atingida é tida como vital.

É justamente nesse ponto que repousa o ponto chave da questão, vez que é preciso se tipificar a conduta do goleiro do Sport, e analisando-a de maneira mais retida e considerando tudo que se viu até agora, verifica-se duas hipóteses:

1º)  por ter agido com dolo eventual, e assim, assumido a produção do resultado morte, ainda que sua intenção não fosse essa, deve responder pelo crime de homicídio tentado (art.121 c/c art.14, II todos do CP). Possuindo na modalidade simples, pena máxima de vinte anos, que teria uma redução por trata-se de tentativa (art. 14, II do CP). E o mais importante, que seria o jogador submetido ao tribunal popular do júri. (posição do delegado); ou

2º) responde o agente, por ter agido com dolo direto com a clara intenção de lesionar, incorrendo assim no crime de lesão corporal (dolo), que seguirá qualificado (culpa), por conta do perigo de vida (morte) que sua conduta representou, na forma que dispõe o art. 129, § 1º, inciso II do CP, que possui pena de reclusão, de um a cinco anos

Essa análise deve ser vista em dois momentos. Primeiro levando em consideração o dolo direito verificado que era de simplesmente causar lesão corporal, isso para que se tipifique a conduta dele como sendo à prevista no artigo 129 do CP. 

Já num segundo momento, fazendo uma análise das circunstâncias em que se deu o evento e suas potenciais consequências, se invoca novamente o conceito de culpa, que neste caso pode ser verificada pela imprudência na conduta do goleiro, para que desse modo a tipificação não fique adstrita ao caput e alcance forma qualificada vista no inciso II do §1º do artigo 129 do CP, que faz previsão do perigo de vida, que na verdade é perigo de morte.

Esse desmembramento é necessário para que fique claro que ele não teve o dolo de causar o perigo de vida, essa qualificadora ocorre a título de culpa, vez que se comprovado que o perigo foi provocado de maneira intencional, nesse caso realmente o correto seria ele responder por homicídio tentado, ignorando neste caso o dolo eventual, e passando a se considerar o dolo direito, tendo em vista o claro propósito de causar perigo de vida. 

Por fim, e considerando o que foi apresentado, a opção nos parece à mais adequada ao caso. Data vênia, a imputação pretendida pelo delegado é forçosa, e por si só não abrange todas as questões que puderam ser trabalhadas na segunda posição.

Até porque o riso culposo verificado pela conduta do goleiro, possui adequação típica perfeita no art. 129, § 1º, inciso II do CP, que se refere a uma conduta dolosa e culposa, capaz de gerar riso de morte.

OBS – Apenas a título de informação, o goleiro foi dispensado pelo time do Sport!

Um comentário:

  1. Há muito tempo que os limites da razoabilidade tem sido ultrapassados nos campos, o esporte em sí, tem ficado em 2º plano, nesse caso diante das imagens, a 2ª opção de penalidade deveria ser aplicada. O fato do goleiro ser dispensado do time, não ameniza o dolo.

    ResponderExcluir

Arquivo do blog

Pesquisar este blog

Postagens populares

BLOG ATUALIDADES DO DIREITO

FOCO NO DIREITO