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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

CASO MENSALÃO – o que é direito o que é benefício?




A situação do sistema carcerário brasileiro tem ganhado verdadeiros contrastes com o caso mensalão. A ida dos figurões ali condenados para os presídios, para cumprimento de suas respectivas penas, tem provocado algumas discussões sobre como é a execução penal no Brasil, e como deve ser cada um dos regimes.

Figuras emblemáticas não só no processo, mas também na fase de execução das penas, o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do partido dos trabalhadores José Genuíno, continuam chamando a atenção também na fase de execução das penas. Agora, contudo, por causa de alguns requerimentos e privilégios concedidos quem têm deixado a sociedade com um enorme sentimento de frustração diante das condenações.

O caso mensalão desde o seu início tem servindo de base para muitas discussões, tanto no campo jurídico como também político e tem se mantido assim até hoje. Atualmente, por já se encontrar na fase de cumprimento de pena, a questão que se levanta é: Por que será que a execução penal não é a mesma para todos os condenados?

Assim que chegou ao presídio José Genuíno, condenado a 6 anos e 11 meses de prisão, que cumpre no regime semiaberto, começou a apresentar problemas de saúde que determinaram sua ida para um hospital. Nesse meio tempo, sua defesa pleiteou a junto ao STF pedido de prisão domiciliar.

Em relação ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado a 10 anos e 10 meses de prisão em regime de semiliberdade, depois de dar início à execução de sua pena, pleiteou direito de sair do presídio para trabalhar. O trabalho mencionando seria o de gerente administrativo em um hotel de luxo de Brasília, com salário mensal de 20 mil reais.

Mesmo sendo vários os condenados no processo mensalão, os dois casos mencionados acima propiciam uma discussão sobre o funcionamento da execução penal e principalmente a situação do sistema penitenciário brasileiro.
A afirmação feita pelo ministro da justiça José Eduardo Cardoso há pouco mais de um ano, de que é melhor estar morto do que cumprir pena no Brasil, parece cada vez mais acertada principalmente se considerarmos a situação geral do país, e a parcela mais pobre da sociedade. De igual forma, reforçando esse pensamento esta a afirmação do professor Rogério Greco, que disse que o direito penal “tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Direito Penal do Equilíbrio).

Por que será que outros reeducandos não gozam de tratamento semelhante aos que estão tendo os condenados no caso mensalão? Será que isso é um direito previsto em lei ou algo criado com base em costume político?

Responder essas indagações exige um estudo específico sobre a lei de execuções penais (LEP – Lei nº7. 210/84), e sobre os institutos que ela determina, especialmente os regimes prisionais.

A saber, são três os regimes de cumprimento de pena, sendo eles: fechado, semiaberto e o aberto. Cada um possui suas próprias regras, estando todas previstas no Código Penal e também na LEP.

De forma rápida, passando os olhos sobre cada um desses regimes, podemos dizer que:

REGIME FECHADO
  • É possível nas condenações cujas penas sejam inferiores a 8 anos, e obrigatório quando as penas forem superiores. (art.33 do Código Penal);
  • A pena deve ser cumprida em penitenciária conforme disposto no artigo 87 da LEP;
  • O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno, trabalho este que poderá levar em conta suas aptidões, desde que compatíveis com a execução da pena, devendo no período noturno se isolar em sua cela. (art. 34, §§ 1º e 2º do Código Penal);
  • O trabalho externo é possível desde que em obras públicas e sob vigilância (art. 34, § 3º do Código Penal).
REGIME SEMIABERTO
  • É possível nas condenações cujas penas sejam maiores de 4, e menores de 8 anos. (art.33, § 2º, aliena “b” do Código Penal)
  • A pena deve ser cumprida em Colônia Agrícola ou Industrial, conforme disposto no artigo 91 da LEP;
  • Neste regime, assim como no anterior, o condenado fica sujeito a trabalho no período diurno, mas a noite deve se recolher na Colônia Agrícola, Industrial ou estabelecimento similar. (art. 35, § 1º do Código Penal);
  • O trabalho externo é possível, bem como o ingresso em cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior. (art. 35, § 2º do Código Penal).
REGIME ABERTO
  • Primeiramente deve-se comprovar o merecimento para ao regime aberto (art.114, inciso II da LEP);
  • A condenação não pode ser superior a 4 anos; (art.33, § 2º, aliena “c” do Código Penal);
  • O reeducando deve possuir trabalho certo ou comprovar sua possibilidade de fazê-lo assim que ingressar no regime (art.114, inciso I da LEP);
  • A pena deve ser cumprida em casa de albergado ou estabelecimento adequado (art.33, § 1º, aliena “c” do Código Penal)
Essas circunstâncias são necessárias apenas para o ingresso no regime aberto. Depois disso, ficará a critério do magistrado especificar outras condições que deverão ser cumpridas. Todas previstas no artigo 115 da LEP.

É apenas no regime aberto que o reeducando poderá trabalhar sem supervisão direta, uma vez que esse regime pauta-se na autodisciplina e no senso de responsabilidade. Devendo o preso desse modo, demonstrar que verdadeiramente não só merece a permanência no regime aberto, como ainda, demonstrar estar cada vez mais próximo de um convívio pleno com a sociedade.

Ainda que nesse regime ele possa trabalhar fora do presídio e sem vigilância, é importante que se diga que essa liberdade não é plena, pois deverá se recolher em estabelecimento adequado todas as noites, bem como nos dias de folga e finais de semana (artigo 36, §1º do Código Penal).


Voltando os olhos para o caso mensalão, depois de uma noção bem singela de como são os regimes prisionais no país, analisando especificamente os exemplos anteriormente mencionados, podemos concluir que:

Sobre o deputado federal licenciado José Genuíno, condenado a 6 anos e 11 meses de prisão no regime semiaberto, verifica-se não haver qualquer erro no tocante a determinação do regime prisional. Ademais, é prudente que se diga que tal regime ainda poderá passar para o aberto caso seja provido o recurso que visa diminuir 4 anos e 8 meses de sua condenação. Caso isso ocorra, o regime deverá ser o aberto com a possibilidade de haver a substituição dessa pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito.

Sobre esse condenado, o que tem chamado a atenção é o seu estado e saúde, mais do que isso, são os pedidos feitos pautados no seu estado de saúde é que tem deixado a sociedade revoltada.

Não vamos aqui entrar no mérito dos laudos que estão sendo apresentados. Mas a indignação que a população aponta é porque nem bem chegou ao presídio ele já foi internado em hospital e atualmente encontra-se em regime de prisão domiciliar. Isso é legal?

A LEP é muito clara nesse sentido. Primeiro sobre a questão do tratamento, todo o preso tem direito a saúde e a assistência médica condizente com a gravidade do problema. Em todo estabelecimento prisional deve haver um corpo médico capaz de atender os casos de urgência. Caso a questão demande maiores cuidados e materiais outros além daqueles vistos na unidade, o preso poderá ser levado até uma unidade hospitalar, onde receberá tratamento e ficará sob escolta.

Portanto, o que foi feito com o José Genuíno não pode ser tido como uma regalia nem nada do gênero. Ele apenas teve assegurado seu direito a saúde. Mas a questão que fica é: como fazer para que os mais de QUINHENTOS MIL presos que cumprem pena no país tenham o mesmo direito?

Ainda sobre esse condenado, outro ponto que tem causado indignação na sociedade é o fato de hoje ele estar cumprindo pena em regime domiciliar. Pois bem, deve-se dizer que esse é outro direito consagrado na LEP, mais especificamente no seu artigo 117 onde diz:

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
 I – condenado maior de 70 (setenta) anos;
II – condenado acometido de doença grave;
III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV – condenada gestante.

Portanto, verifica-se que não se trata propriamente de uma regalia, mas sim de outro direito previsto. Mas novamente se pergunta, por que isso não é garantido para todos que fazem jus?

O caso mensalão não esta inovando em nada no que tange a execução das penas, mas de forma muito particular esta cumprindo a risca o que diz a legislação pertinente. É tão difícil ver a aplicação desses direitos na prática, para não dizer impossível em certos casos, que parece até ser algo novo.

Fato é que milhares de pessoas morrem em prisões por falta de assistência médica, milhares fazem jus a prisão domiciliar, mas nem assim a recebem, milhares já deveriam estar soltos e ainda estão presos. Por que o Brasil trata de maneira tão diferenciada até os seus condenados?

A única distinção que a LEP determina que seja feita é aquela sobre a classificação dos presos, de forma que eles fiquem com outros presos de características semelhantes e de periculosidade condizentes com a sua. Essa é única distinção que a lei manda fazer.

Cumpre ressaltar que não se estar aqui pregando ou defendo a impunidade, muito pelo contrário. O que se questiona é por que pessoas idênticas em situações semelhantes recebem tratamento diferenciado.

Noutro quadro, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, foi condenado a 10 anos e 10 meses de prisão. Primeiramente se poderia questionar o porquê da fixação do regime semiaberto para ele, uma vez que a pena é superior a 8 anos. Ocorre que assim como o visto no caso do José Genuíno, José Dirceu ainda possui recursos a serem analisados que caso sejam deferidos poderão diminuir e muito sua pena, por isso, com base na presunção de não culpabilidade, foi ele agraciado com um regime mais brando.

Ocorre que em relação a este condenado, o sentimento de frustração que toma conta da população é porque mesmo condenado, ele esta pleiteando direito de trabalhar fora da prisão. Sua defesa firmou pedido junto ao STF, que por meio de documentos comprovou que o ex-ministro da Casa Civil foi contratado por um hotel para ser gerente administrativo, com remuneração mensal de R$20.000,00 (vinte mil reais), a fim de demonstrar que possui trabalho e que por isso poderá sair da penitenciária pela manhã.

O cuidado que deve ser tomado nesse momento é justamente para não confundir os regimes. O ex-ministro esta no regime semiaberto que conforme já falamos é possível a realização de trabalho externo. Contudo, o recolhimento noturno na penitenciária, bem como nos fins de semana é obrigatório. E frise que deve ser recolhido na penitenciária e não em casa de albergado que é lugar para quem esta no regime aberto, e muito menos permanecer no hotel.

Não nos cabe agora questionar a sorte que cada um deles tiveram. Certo é que essa situação se apresenta de forma completamente divorciada da dura realidade do país. Quantas pessoas não têm sequer assistência médica, quantas pessoas não conseguem progredir de regime porque não conseguem demonstrar a expectativa laborativa, ainda que seja para receber um salário.

A indignação social que surge nesse momento é justamente porque acredita-se que os mensaleiros estejam sendo bem tratados, mas não sabe a sociedade que esses direitos são para todos que se acharem presos. Claro que não são todos que possuem a mesma influência e até oportunidades de empregos tão boas como as que estão sendo veiculadas, mas o direito é sim para todos.

A indignação do povo se deve ainda ao fato que a grande maioria da população que tem contato com o sistema penitenciário, é de origem pobre e não esta acostumada com a concessão de certos direitos. Na verdade, principalmente as famílias que agonizam do lado de fora dos presídios, muitas das vezes não conseguem entender o motivo da dificuldade de atingir certos direitos. E ao verem que nesse caso a situação é diferente, impossível pedir a elas que não se choquem ou não se sintam discriminadas.

Por isso que a fala do ministro da justiça serve apenas aos pobres dessa nação, posto que aos ricos e poderosos, sabe-se que o tratamento é outro. Não se diz tratamento privilegiado, mas sim tratamento justo. É conceder aquilo que é direito, é tratar com dignidade quem precisa de uma nova possibilidade de vida.

É inacreditável, enquanto o mundo caminha rumo à diminuição de suas prisões, o Brasil anda em sentido completamente oposto. E o pior é que além de não conseguir diminuir sua população carcerária, dados indicam que ela só tem aumentado. Fato esse que torna a situação ainda mais grave e precária, o caos do sistema carcerário já atingiu níveis tais que hoje já não se pode considerar o Regime Disciplinar diferenciado (RDD) como sendo algo mais gravoso ao preso, posto que nele, pelo menos, a cela é individual é o reeducando não precisa brigar por centímetros cúbicos. Além de não correm o risco de outros presos comerem sua comida ou mesmo violentá-los.

A sociedade muito embora não concorde com o tratamento que esta sendo dado aos condenados no caso mensalão, e isso é um direito legítimo dela, deve de outro modo compreender que isso é na verdade uma determinação legal. A já referendada LEP prevê inúmeras medidas de cunho ressocializador, mas que por uma plena e absoluta hipertrofia do Estado acabam não sendo efetivadas na prática. Pelo menos não para todos!

Com dito, a sociedade tem todo o direito de não concordar com as penas aplicadas aos mensaleiros. Outrossim, é importante ainda que a sociedade aproveite o movimento de indignação e passe também a questionar qual a razão de se dar tratamento diferenciado para presos em situações semelhantes?
Sem fazer apontamento, é certo que se forem verificadas as unidades prisionais da nação, certamente serão encontrados vários presos que já poderiam até estar livres, mas que por outras razões ainda estão presos, lutando para conseguirem sequer uma saída temporária. Isso deve ser questionado, se isso realmente é um direito então que se aplique à todos.

Para um país que adora dizer que é o lugar onde todos os povos e raças se encontram, pode continuar dizendo que aqui também é o lugar onde todos se encontram: sem saúde, sem segurança, sem transporte, sem trabalho, sem lazer, sem educação, sem expectativa de melhora etc. E se a pessoa ainda estiver presa, e não for personagem política, ela também estará sem dignidade. A não ser é claro, que no momento da prisão erga seu braço par alto e feche a mão, quem sabe assim sua execução não se torne mais fácil?!

3 comentários:

  1. Notícias sobre o caso:

    VARA DE EXECUÇÕES DETERMINA TRATAMENTO IGUALITÁRIO AOS PRESOS DA PAPUDA

    André Richter
    Repórter da Agência Brasil

    A Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal (DF) determinou que seja dado tratamento igualitário a todos os presos da Penitenciária da Papuda, no DF. A decisão foi tomada após inspeção feita pelos juízes da VEP no presídio onde estão presos 11 condenados na Ação Penal nº 470, o processo do mensalão. Aos juízes, detentos e servidores do presídio afirmaram que os condenados estão recebendo tratamento diferenciado principalmente em relação a visitas e alimentação.

    Uma inspeção foi conduzida pelos juízes da VEP, na Papuda, nos dias 25 e 26 de novembro, constatou um “clima de instabilidade e insatisfação”. As conclusões foram obtidas por meio de entrevistas informais com servidores e detentos da penitenciária.

    No despacho, três juízes, entre eles Bruno André Silva Ribeiro, determinam que a Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) deve dar tratamento igualitário a todos dos presos. Se a determinação não for cumprida, os juízes relataram que vão estender as regalias a todos os detentos. “Esta VEP estenderá a todos os presos do sistema prisional local eventuais direitos, garantias ou regalias concedidas por ato administrativo, formal ou não, determinado sentenciado ou grupo de apenados, especialmente no que se refere a regalias de visitação e alimentação”.

    Onze réus que tiveram a prisão decretada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, na sexta-feira (28.11), estão na Papuda, em Brasília: O ex-Ministro da Casa Civil da Presidência da República José Dirceu, o ex-Presidente do PT e Deputado Federal (SP) José Genoino, o ex-Tesoureiro do PT Delúbio Soares, o ex-Tesoureiro do PL (atual PR) Jacinto Lamas, o ex-Vice-Presidente do Banco Rural José Roberto Salgado, o publicitário Marcos Valério, a ex-Presidenta do Banco Rural Kátia Rabello, o ex-Deputado federal Romeu Queiroz, os ex-sócios de Marco Valélio: Ramon Hollerbach e Cristiano Paz e a ex-funcionária do publicitário, Simone Vasconcelos.

    Fonte: Agência Brasil

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  2. Caro Professor Fabrício, sua análise sobre o regime de penas no Brasil foi brilhante. Este artigo veio corrigir uma lacuna que existe nos meios acadêmicos sobre a interpretação do correto cumprimento das penas no Brasil. Constantemente é visto nos meios de comunicação informação equivocada sobre o tema, sendo que o presente artigo deve ser lido por Juízes de Direito, Promotores de Justiça, Advogados, Jornalistas e sociedade em geral. Concordo plenamente que todos os presos devem ter os mesmo direitos dos mensaleiros, afinal sob a ótica do Direito Constitucional vigora o princípio da igualdade como postulado que deve ser respeitado. Parabéns. Genésio Bragança-Promotor de Justiça

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    1. Meu nobre mestre,

      Depois de tal comentário não poderia permanecer silente. Muito embora
      considere que não seja merecedor de tais elogios, tenho que dizer que
      são sempre bem vidas as palavras que vêm para enaltecer nosso
      trabalho, por mais simples que ele seja.

      Quando somos elogiados por pessoas próximas ou mesmo por desconhecidos
      isso já representa uma grande satisfação. Agora, quando tais palavras
      vêm daquele que, antes de qualquer coisa, é um PROFESSOR por natureza
      e excelência, sempre disposto a contribuir e a passar valorosos
      ensinamentos, símbolo de conhecimento e proficiência no cenário
      jurídico, ai sim, posso dizer me faltam palavras equivalentes para
      agradecer toda essa consideração.

      Muito obrigado por todo apoio e incentivo!

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