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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

sábado, 9 de novembro de 2013

AS MAZELAS DO PROCESSO PENAL - #3ª PARTE


mazelas do Processo Penal 3


O Lugar Dos Sujeitos Processuais

Seguindo com o estudo sobre as mazelas do processo penal, vale mencionar outro ponto que normalmente não é confrontado, pelo menos não como deveria. Na verdade acaba se passando como algo normal no dia a dia dos fóruns.

O assunto em questão refere-se ao lugar que cada sujeito processual ocupa dentro do ambiente jurídico, mais especificamente em uma audiência. Por que juiz e promotor ficam um do lado do outro, enquanto que advogado e acusado ficam numa espécie de sub-nível?

A forma com que hoje ainda se mantém a disposição de cada lugar dentro de uma sala de audiência nos remete na verdade à época onde se tinha como regra o modelo inquisitório, onde não se fazia distinção de quem acusava e de quem julgava, pois tais funções eram exercidas por uma única pessoa. Ocorre que graças à implantação do modelo acusatório, acusador e julgador passaram a ser pessoas diferentes, cada qual com sua função específica.

Analisando o Código de Processo Penal, verifica-se que primando pelo modelo acusatório fez ele por deixar certa a função que cada um dos sujeitos desempenharia no processo penal, o juiz nos artigos 251/256, já a função do Ministério Público nos artigos 257/258, e ainda a função e o papel do advogado e do acusado nos artigos 259/267. Verifica-se inclusive o cuidado do legislador em se especificar quais atos bem como sua respectiva ordem de realização nas audiências e isso em todos os seus procedimentos.

Mas de outro modo, contrastando com todo esse zelo do legislador, que na verdade é uma garantida do acusado, mesmo diante de toda essa especificação, ainda sim, não encontramos na lei a resposta para a pergunta feita: Por que juiz e promotor ficam um do lado do outro, enquanto que advogado e acusado ficam numa espécie de sub-nível?
Já chamando a atenção para um fato, antes que isso seja interpretando como uma forma de se traduz hierarquia ou mesmo grau de importância, vale desde logo referendar o que diz o artigo 6ª do EOAB, que estabelece não haver hierárquia entre juiz, promotor e advogado. Portanto, já sabemos com isso que os lugares referendados não guardam qualquer relação com hierarquias. Mas ainda assim, por que seus lugares dizem o contrário?

Sobre isso, o saudoso Jurista Francesco Carnelutti, ao descrever: As Misérias do Processo Penal, focando em especial a função do advogado criminal, disse:

“Deixemos claro: a experiência do advogado está sob o signo da humilhação. Ele veste, porém, a toga; ele colabora, entretanto, para a administração da justiça; mas o seu lugar é embaixo; não no alto. Ele divide com o acusado a necessidade de pedir e de ser julgado. Ela está sujeito ao juiz, como está sujeito o acusado.
Mas justamente por isso a advocacia é um exercício espiritualmente salutar. Pesa a obrigação de pedir, mas recompensa. Habitua-se a suplicar. O que é mais senão um pedir a suplica? A soberba é o verdadeiro obstáculo à suplicação; e a soberba é uma ilusão de poder. Não há nada melhor que advocacia para sanar tal ilusão de potência. O maior dos advogados sabe não poder nada frente ao menor dos juízes; entretanto, o menor dos juízes é aquele que o humilha mais”.

Não há na lei nada que determine que o ministério público deva ficar à direito do Juiz, e tampouco que acusado e defesa devam ficar em nível inferior. O que há, conforme já foi dito, é a perpetuação de velhos dogmas, dogmas esses são passados desde a época onde reinava o modelo inquisitório.

Importante dizer que por mais que se tenha implementado, pelo menos em teoria, o modelo acusatório, para o acusado que se senta em audiência para ver-se defendido, para ele, o sistema que vige é de fato o inquisitório, posto que ainda que sejam pessoas diferentes o fato de sentarem-se lado a lado em uma audiência, é para ele com se uma única pessoa estivesse ali, até porque em muitos momentos de uma audiência tanto a fala como a postura, tanto do parquet como a do juiz acabam se confundido.

Para os que possuem certo nível de conhecimento sobre a questão conseguem entender e distinguir as funções exercidas tanto pelo juiz como pelo promotor. Mas para o acusado, não há diferença, e resultado dessa confusão muitas vezes posse ser traduzido por certos gestos comportamentais e que para o juiz pode até indicar culpabilidade. Isso tudo por conta de um processo de marginalização que ocorre com o simples fato de se entrar em uma audiência.

Separou-se os personagens do acusado e julgador, mas mantiveram o lugar que originalmente ocupavam.

Certamente, mais adequado seria se a acusação e a defesa estivessem igualados, pelo menos sob o ponto de vista do lugar que ocupam em audiência, uma vez que de outro modo isso não é possível. Deixar o acusador ao lado de quem irá julgar justamente a denúncia feita pelo Estado, é por certo dar vantagem a quem já esta na frente, é beneficiar o beneficiado, ou seja, a contrário senso e tornar ainda mais difícil a vida daquele que já tem sua vida revirada por um processo penal.

Costuma se falar em paridade de armas no processo penal, acusação e defesa devem dispor dos mesmos meios para provarem aquilo que sustentam em juízo. Ocorre que essa máxima não existe e a bem da verdade ela não passa de uma falácia. A começar pelo fato de que não se pode medir a acusação com a mesma régua da defesa, dada a desproporção entre elas.

Por mais competente que seja a defesa técnica de um acusado, dizer que ela se iguala à acusação é por certo um equívoco, pois a força do acusador é sempre maior, e isso porque ele tem como suporte o próprio Estado. Logo, como querer equilibrar uma relação que já é desequilibrada na sua essência, para se chegar a essa conclusão basta buscar no processo penal aquele que dispõe de recursos infindáveis para provar aquilo que se alega, a resposta é obvia, claro que o Estado, ou melhor, a acusação.

Vale citar ainda a instituição do júri que traz o formato clássico onde cada qual já possui sua posição determinada, diga-se, posições pautadas unicamente em costumes e não na lei. Note que também no júri o acusador senta-se ao lado do juiz, mas importante dizer que ali não é o juiz de direito que irá julgar, mas sim os juízes de fato que formam o conselho de sentença.

Diferente do que foi visto até agora, aos olhos dos jurados, acusação e defesa estão mais equilibrados, ainda que o manto da marginalidade esteja sobre o acusado nesse momento, comparado com os demais procedimentos que estamos falando, no júri acusação e defesa dispõe de tempo igual, onde cada qual aproveitará da melhor forma possível. Outrossim, como regra, são os jurados que ficam em nível superior e enxergam acusador e defesa na mesma trincheira que é o plenário, possibilitando assim que tomem como iguais as razões ali apresentadas, mesmo que uma das vozes seja do Estado.

E é por isso que concluímos com muita tranquilidade que permitir que acusador fique ao lado do julgador é por certo prejudicial para a defesa. Pensemos da seguinte forma, vejamos a questão sobre o seguinte prisma: sentado ao lado do juiz, o acusador é para ele como um igual diferenciando-o do acusado, isto é, ambos são superiores ao acusado que esta marginalizado em nível inferior. Por esse motivo, tudo aquilo que é dito pelo acusador durante a audiência é tomado pelo julgador com um peso completamente diferente de tudo aquilo que é dito pela defesa.

Agora, se acusador e defesa figurassem aos olhos do julgador em um mesmo plano de visão, com certeza a imagem do acusado no processo penal seria outra. Principalmente porque as vozes tanto da acusação como da defesa soariam de um mesmo lugar e atingiram o juiz com a mesma força. Isto é, vozes que por estarem no mesmo nível soariam com a mesma força e intensidade nos ouvidos do julgador, possibilitando assim com que ele possa receber e processar com maior imparcialidade e desprendimento tudo que é dito.

Feito isso, superamos mais essa mazela. Muito importante que continuemos firmes nos estudos. O principal objetivo de chamarmos a atenção para esses pontos que estamos chamado de “mazelas” é principalmente para que aprendamos a ver o processo penal com outros olhos, ou melhor, que passemos a enxergá-lo com nossos próprio olhos. Aprendendo a identificar aquilo que de fato não funciona, e não simplesmente aceitando o modelo posto pelo simples fato de já esta pronto.

Aquilo que não é criticado não é mudado, temos sim que criticar aquilo que não esta bom, para que assim, um dia quem sabe, ele passe a ser como deveria.

Sendo assim, vamos continuar firmes nos estudos das mazelas. Como nosso mestre o professor Luiz Flávio Gomes sempre nos diz: AVANTE!

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CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Tradução de José Antônio Cardinalli. Campinas: Bookseller, 2002.

2 comentários:

  1. Muito legal seu blog. Veja essa matéria sobre a mulher que roubou a própria sócia. http://viverembrasilia.com.br/roubei-minha-socia/ . Se estiver interessado em parceria entre em contato, estamos interessados.

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    1. Prezados, entre em contato por email.

      fabricio.jus@gmail.com

      Abraço

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