A
situação do sistema carcerário brasileiro tem ganhado verdadeiros contrastes
com o caso mensalão. A ida dos figurões ali condenados para os presídios, para
cumprimento de suas respectivas penas, tem provocado algumas discussões sobre
como é a execução penal no Brasil, e como deve ser cada um dos regimes.
Figuras
emblemáticas não só no processo, mas também na fase de execução das penas, o
ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do partido dos trabalhadores José
Genuíno, continuam chamando a atenção também na fase de execução das penas.
Agora, contudo, por causa de alguns requerimentos e privilégios concedidos quem
têm deixado a sociedade com um enorme sentimento de frustração diante das
condenações.
O
caso mensalão desde o seu início tem servindo de base para muitas discussões,
tanto no campo jurídico como também político e tem se mantido assim até hoje.
Atualmente, por já se encontrar na fase de cumprimento de pena, a questão que
se levanta é: Por que será que a execução penal não é a mesma para todos os
condenados?
Assim
que chegou ao presídio José Genuíno, condenado a 6 anos e 11 meses de prisão,
que cumpre no regime semiaberto, começou a apresentar problemas de saúde que
determinaram sua ida para um hospital. Nesse meio tempo, sua defesa pleiteou a
junto ao STF pedido de prisão domiciliar.
Em
relação ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado a 10 anos e 10
meses de prisão em regime de semiliberdade, depois de dar início à execução de
sua pena, pleiteou direito de sair do presídio para trabalhar. O trabalho
mencionando seria o de gerente administrativo em um hotel de luxo de Brasília,
com salário mensal de 20 mil reais.
Mesmo
sendo vários os condenados no processo mensalão, os dois casos mencionados
acima propiciam uma discussão sobre o funcionamento da execução penal e
principalmente a situação do sistema penitenciário brasileiro.
A
afirmação feita pelo ministro da justiça José Eduardo Cardoso há pouco mais de
um ano, de que é melhor estar morto do que cumprir pena no Brasil,
parece cada vez mais acertada principalmente se considerarmos a situação geral
do país, e a parcela mais pobre da sociedade. De igual forma, reforçando esse
pensamento esta a afirmação do professor Rogério Greco, que disse que o direito
penal “tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de
escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Direito
Penal do Equilíbrio).
Por
que será que outros reeducandos não gozam de tratamento semelhante aos que
estão tendo os condenados no caso mensalão? Será que isso é um direito previsto
em lei ou algo criado com base em costume político?
Responder
essas indagações exige um estudo específico sobre a lei de execuções penais
(LEP – Lei nº7. 210/84), e sobre os institutos que ela determina, especialmente
os regimes prisionais.
A
saber, são três os regimes de cumprimento de pena, sendo eles: fechado,
semiaberto e o aberto. Cada um possui suas próprias regras, estando todas
previstas no Código Penal e também na LEP.
De
forma rápida, passando os olhos sobre cada um desses regimes, podemos dizer
que:
REGIME FECHADO
- É possível nas condenações cujas penas sejam inferiores a 8 anos, e obrigatório quando as penas forem superiores. (art.33 do Código Penal);
- A pena deve ser cumprida em penitenciária conforme disposto no artigo 87 da LEP;
- O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno, trabalho este que poderá levar em conta suas aptidões, desde que compatíveis com a execução da pena, devendo no período noturno se isolar em sua cela. (art. 34, §§ 1º e 2º do Código Penal);
- O trabalho externo é possível desde que em obras públicas e sob vigilância (art. 34, § 3º do Código Penal).
REGIME SEMIABERTO
- É possível nas condenações cujas penas sejam maiores de 4, e menores de 8 anos. (art.33, § 2º, aliena “b” do Código Penal)
- A pena deve ser cumprida em Colônia Agrícola ou Industrial, conforme disposto no artigo 91 da LEP;
- Neste regime, assim como no anterior, o condenado fica sujeito a trabalho no período diurno, mas a noite deve se recolher na Colônia Agrícola, Industrial ou estabelecimento similar. (art. 35, § 1º do Código Penal);
- O trabalho externo é possível, bem como o ingresso em cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior. (art. 35, § 2º do Código Penal).
REGIME ABERTO
- Primeiramente deve-se comprovar o merecimento para ao regime aberto (art.114, inciso II da LEP);
- A condenação não pode ser superior a 4 anos; (art.33, § 2º, aliena “c” do Código Penal);
- O reeducando deve possuir trabalho certo ou comprovar sua possibilidade de fazê-lo assim que ingressar no regime (art.114, inciso I da LEP);
- A pena deve ser cumprida em casa de albergado ou estabelecimento adequado (art.33, § 1º, aliena “c” do Código Penal)
Essas
circunstâncias são necessárias apenas para o ingresso no regime aberto. Depois
disso, ficará a critério do magistrado especificar outras condições que deverão
ser cumpridas. Todas previstas no artigo 115 da LEP.
É
apenas no regime aberto que o reeducando poderá trabalhar sem supervisão
direta, uma vez que esse regime pauta-se na autodisciplina e no senso de
responsabilidade. Devendo o preso desse modo, demonstrar que verdadeiramente
não só merece a permanência no regime aberto, como ainda, demonstrar estar cada
vez mais próximo de um convívio pleno com a sociedade.
Ainda
que nesse regime ele possa trabalhar fora do presídio e sem vigilância, é
importante que se diga que essa liberdade não é plena, pois deverá se recolher
em estabelecimento adequado todas as noites, bem como nos dias de folga e
finais de semana (artigo 36, §1º do Código Penal).
Voltando
os olhos para o caso mensalão, depois de uma noção bem singela de como são os
regimes prisionais no país, analisando especificamente os exemplos
anteriormente mencionados, podemos concluir que:
Sobre
o deputado federal licenciado José Genuíno, condenado a 6 anos e 11 meses de
prisão no regime semiaberto, verifica-se não haver qualquer erro no tocante a
determinação do regime prisional. Ademais, é prudente que se diga que tal
regime ainda poderá passar para o aberto caso seja provido o recurso que visa
diminuir 4 anos e 8 meses de sua condenação. Caso isso ocorra, o regime deverá
ser o aberto com a possibilidade de haver a substituição dessa pena privativa
de liberdade por uma restritiva de direito.
Sobre
esse condenado, o que tem chamado a atenção é o seu estado e saúde, mais do que
isso, são os pedidos feitos pautados no seu estado de saúde é que tem deixado a
sociedade revoltada.
Não
vamos aqui entrar no mérito dos laudos que estão sendo apresentados. Mas a
indignação que a população aponta é porque nem bem chegou ao presídio ele já
foi internado em hospital e atualmente encontra-se em regime de prisão
domiciliar. Isso é legal?
A
LEP é muito clara nesse sentido. Primeiro sobre a questão do tratamento, todo o
preso tem direito a saúde e a assistência médica condizente com a gravidade do
problema. Em todo estabelecimento prisional deve haver um corpo médico capaz de
atender os casos de urgência. Caso a questão demande maiores cuidados e
materiais outros além daqueles vistos na unidade, o preso poderá ser levado até
uma unidade hospitalar, onde receberá tratamento e ficará sob escolta.
Portanto,
o que foi feito com o José Genuíno não pode ser tido como uma regalia nem nada
do gênero. Ele apenas teve assegurado seu direito a saúde. Mas a questão que
fica é: como fazer para que os mais de QUINHENTOS MIL presos que cumprem
pena no país tenham o mesmo direito?
Ainda
sobre esse condenado, outro ponto que tem causado indignação na sociedade é o
fato de hoje ele estar cumprindo pena em regime domiciliar. Pois bem, deve-se
dizer que esse é outro direito consagrado na LEP, mais especificamente no seu
artigo 117 onde diz:
Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do
beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
I – condenado maior de 70 (setenta) anos;
II – condenado acometido de doença grave;
III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou
mental;
IV – condenada gestante.
Portanto,
verifica-se que não se trata propriamente de uma regalia, mas sim de outro
direito previsto. Mas novamente se pergunta, por que isso não é garantido
para todos que fazem jus?
O
caso mensalão não esta inovando em nada no que tange a execução das penas, mas
de forma muito particular esta cumprindo a risca o que diz a legislação
pertinente. É tão difícil ver a aplicação desses direitos na prática, para não
dizer impossível em certos casos, que parece até ser algo novo.
Fato
é que milhares de pessoas morrem em prisões por falta de assistência médica,
milhares fazem jus a prisão domiciliar, mas nem assim a recebem, milhares já
deveriam estar soltos e ainda estão presos. Por que o Brasil trata de
maneira tão diferenciada até os seus condenados?
A
única distinção que a LEP determina que seja feita é aquela sobre a
classificação dos presos, de forma que eles fiquem com outros presos de
características semelhantes e de periculosidade condizentes com a sua. Essa é
única distinção que a lei manda fazer.
Cumpre
ressaltar que não se estar aqui pregando ou defendo a impunidade, muito pelo
contrário. O que se questiona é por que pessoas idênticas em situações
semelhantes recebem tratamento diferenciado.
Noutro
quadro, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, foi condenado a 10 anos
e 10 meses de prisão. Primeiramente se poderia questionar o porquê da fixação
do regime semiaberto para ele, uma vez que a pena é superior a 8 anos. Ocorre
que assim como o visto no caso do José Genuíno, José Dirceu ainda possui
recursos a serem analisados que caso sejam deferidos poderão diminuir e muito
sua pena, por isso, com base na presunção de não culpabilidade, foi ele
agraciado com um regime mais brando.
Ocorre
que em relação a este condenado, o sentimento de frustração que toma conta da
população é porque mesmo condenado, ele esta pleiteando direito de trabalhar
fora da prisão. Sua defesa firmou pedido junto ao STF, que por meio de
documentos comprovou que o ex-ministro da Casa Civil foi contratado por
um hotel para ser gerente administrativo, com remuneração mensal de R$20.000,00
(vinte mil reais), a fim de demonstrar que possui trabalho e que por isso
poderá sair da penitenciária pela manhã.
O
cuidado que deve ser tomado nesse momento é justamente para não confundir os
regimes. O ex-ministro esta no regime semiaberto que conforme já falamos é
possível a realização de trabalho externo. Contudo, o recolhimento noturno na
penitenciária, bem como nos fins de semana é obrigatório. E frise que deve ser
recolhido na penitenciária e não em casa de albergado que é lugar para quem esta
no regime aberto, e muito menos permanecer no hotel.
Não
nos cabe agora questionar a sorte que cada um deles tiveram. Certo é que essa
situação se apresenta de forma completamente divorciada da dura realidade do
país. Quantas pessoas não têm sequer assistência médica, quantas pessoas não
conseguem progredir de regime porque não conseguem demonstrar a expectativa
laborativa, ainda que seja para receber um salário.
A
indignação social que surge nesse momento é justamente porque acredita-se que
os mensaleiros estejam sendo bem tratados, mas não sabe a sociedade que esses
direitos são para todos que se acharem presos. Claro que não são todos que
possuem a mesma influência e até oportunidades de empregos tão boas como as que
estão sendo veiculadas, mas o direito é sim para todos.
A
indignação do povo se deve ainda ao fato que a grande maioria da população que
tem contato com o sistema penitenciário, é de origem pobre e não esta
acostumada com a concessão de certos direitos. Na verdade, principalmente as
famílias que agonizam do lado de fora dos presídios, muitas das vezes não
conseguem entender o motivo da dificuldade de atingir certos direitos. E ao
verem que nesse caso a situação é diferente, impossível pedir a elas que não se
choquem ou não se sintam discriminadas.
Por
isso que a fala do ministro da justiça serve apenas aos pobres dessa nação,
posto que aos ricos e poderosos, sabe-se que o tratamento é outro. Não se diz
tratamento privilegiado, mas sim tratamento justo. É conceder aquilo que é
direito, é tratar com dignidade quem precisa de uma nova possibilidade de vida.
É
inacreditável, enquanto o mundo caminha rumo à diminuição de suas prisões, o
Brasil anda em sentido completamente oposto. E o pior é que além de não
conseguir diminuir sua população carcerária, dados indicam que ela só tem
aumentado. Fato esse que torna a situação ainda mais grave e precária, o caos
do sistema carcerário já atingiu níveis tais que hoje já não se pode considerar
o Regime Disciplinar diferenciado (RDD) como sendo algo mais gravoso ao
preso, posto que nele, pelo menos, a cela é individual é o reeducando não
precisa brigar por centímetros cúbicos. Além de não correm o risco de outros
presos comerem sua comida ou mesmo violentá-los.
A
sociedade muito embora não concorde com o tratamento que esta sendo dado aos
condenados no caso mensalão, e isso é um direito legítimo dela, deve de outro
modo compreender que isso é na verdade uma determinação legal. A já referendada
LEP prevê inúmeras medidas de cunho ressocializador, mas que por uma plena e
absoluta hipertrofia do Estado acabam não sendo efetivadas na prática. Pelo
menos não para todos!
Com
dito, a sociedade tem todo o direito de não concordar com as penas aplicadas
aos mensaleiros. Outrossim, é importante ainda que a sociedade aproveite o
movimento de indignação e passe também a questionar qual a razão de se dar
tratamento diferenciado para presos em situações semelhantes?
Sem
fazer apontamento, é certo que se forem verificadas as unidades prisionais da
nação, certamente serão encontrados vários presos que já poderiam até estar
livres, mas que por outras razões ainda estão presos, lutando para conseguirem
sequer uma saída temporária. Isso deve ser questionado, se isso realmente é um
direito então que se aplique à todos.
Para
um país que adora dizer que é o lugar onde todos os povos e raças se encontram,
pode continuar dizendo que aqui também é o lugar onde todos se encontram: sem
saúde, sem segurança, sem transporte, sem trabalho, sem lazer, sem educação,
sem expectativa de melhora etc. E se a pessoa ainda estiver presa, e não for
personagem política, ela também estará sem dignidade. A não ser é claro, que no
momento da prisão erga seu braço par alto e feche a mão, quem sabe assim sua
execução não se torne mais fácil?!