Fabricio
da Mata Corrêa
Embora por
diversas vezes se tenha tentado mascarar ou disfarçar todo o caráter
inquisitivo do Código de Processo Penal (CPP), é tão forte sua presença nas
normas procedimentais, que o tema sempre vem à tona.
Atualmente,
toda essa facilidade de se verificar e apontar quais normas
possuem caráter inquisitorial, decorre dessa nova perspectiva
constitucional que tem se fortalecido desde 1988, e principalmente o conhecimento e o
estudo que desde então se tem desenvolvido sobre todas as garantias e
direitos que ali seguiram protegidos. Isso na prática tem gerado uma maior
sensibilidade de qualquer tipo de afronta ou desrespeito.
Em outras
ocasiões (http://direitopenalemdia.blogspot.com.br/2012/06/o-art-156-i-do-cpp-permite-ao-juiz.html)
já tratamos e apontamos características inquisitoriais do CPP, como por
exemplo, o artigo 156 do referido Código, que autoriza o magistrado a “descer”
do seu local de trabalho para fazendo as vias de acusação requerer
provas.
O que se
questiona, na verdade nada mais é do que uma constatação que se faz frente ao
cenário garantista constitucional, referente ao tratamento dispensado para
aqueles que aguardam seus julgamentos em liberdade. Esta que é tratada como
PROVISÓRIA.
Como todos
sabem a Constituição Federal de 1988, apelidada de cidadã, recebeu esse
adjetivo justamente por ter renovado todo um cenário jurídico nacional que até
então só conhecia a amargura e o ódio de um Estado inquisitivo, ditatorial e
fascista. Ocorre que por ter sido, o ainda vigente CPP, forjado em meio de todo
esse caos, na completa ausência de todas as garantias pessoais e processuais
que se tem hoje, é que explica o motivo de haver inúmeras incongruências dos
seus regramentos para as disposições constitucionais. Mesmo tendo sido ele
recepcionado em 1988.
Voltando
para a discussão proposta, ou seja, a nomenclatura do instituto liberdade
provisória como um indicio de todo o ranço inquisitivo do CPP, que vai de
encontro a toda lógica estabelecida pelas garantias constitucionais que
primeiramente estabeleceu que “ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória” (art. 5º, inciso LVII da CF/88). Esta disposição traduz o tão conhecido
estado de inocência ou presunção de inocência, o que significa dizer que qualquer
tratamento contrário, afrontará diretamente o texto constitucional.
Na mesma
linha, mas agora cuidando especificamente da questão da prisão e liberdade,
ficou também previsto:
Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLI - a lei
punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
LIV -
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LXVI -
ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou
sem fiança;
Aqui, vale
um parêntese para explicar o porquê de tal denominação constar no próprio texto
constitucional, se de fato defendemos que ela fere a lógica constitucional, e
por certo não haveria razão dela esta ali prevista.
Pois bem, é
sabido que o CPP data de 1941, portanto, anterior a constituição de 1988, que
quando de sua formulação recebeu muita influência das disposições que seriam
recepcionadas. Logo, por já constar no CPP a figura da liberdade provisória,
ela simplesmente foi incorporada pela carta máxima no sentido de dizer que tal
regramento estava sendo recepcionado.
Tanto que
interpretando melhor o referido dispositivo, nota-se que a norma diz: “quando a lei admitir a liberdade
provisória”, ficando claro, portanto, que ela simplesmente estava
recepcionando aquilo que já existia.
O que deve
ser enfatizado é que o simples fato de uma Constituição, democrática e humana,
ter sido promulgada, não fez com que o Brasil passasse simplesmente a ser um
país garantista ou ainda conhecedor dessas garantias, até porque, muitas delas
sequer chegavam ao conhecimento daqueles que não possuíam acesso às
informações, tal como ocorre hoje, mas claro de forma muito mais reduzida.
Isso
demonstra a verdadeira compreensão do que é um movimento democrático, que na
verdade não se faz apenas com o surgimento de um novo Estado. Ele se fortalece
com os anos e principalmente com o conhecimento. Por isso que se afirma que o
Brasil ainda esta em processo de evolução de democracia.
Foi dito no
início, que por anos, várias foram as tentativas de se minimizar os efeitos do
sistema inquisitivo. Provando a tese do conhecimento, o que se constata é que
na mesma medida em o povo começou a se conscientizar de
todos os direitos que possuía, igualmente passou a reivindicá-los com
maior intensidade.
Prova mais
recente, foi a Lei 12.403/11, que dentre muitos outros objetivos,
preocupando-se também com a lotação máxima dos estabelecimentos prisionais,
trouxe novas regras para se tratar a prisão dentro do Processo Penal.
Não
discutiremos as mudanças da citada lei, até porque isso já fora feito noutro
momento (http://direitopenalemdia.blogspot.com.br/2011/08/os-efeitos-praticos-da-nova-lei-1240311.html).
O que se pretende por hora é utilizar tudo que já foi dito para se fazer o
seguinte questionamento: se a
regra é presunção de inocência e a preservação da liberdade, por que a liberdade
daquele que responde um processo penal é dada em caráter provisório?
Se uma
pessoa deve ser tratada como inocente e ter preservado seu direito à liberdade,
por que dizer que ela será solta provisoriamente?
Por um
raciocínio lógico, o emprego do termo provisório, permite uma interpretação
equivocada daquilo que deve de fato ocorrer, posto que se alguém é
provisoriamente liberto, por não ser definitiva, significa que em certo momento
essa liberdade sofrerá uma interrupção, ou seja, mais cedo ou mais tarde ela
será presa novamente. Já que a liberdade é provisória, a prisão ao seu modo
será certa, senão antes, mas certamente no fim do processo. E isso é errado!
Por que atribuir caráter provisório
para aquilo que na verdade é a regra?
Enquanto a
condenação não se tornar definitiva e o juízo de culpabilidade for efetivamente
comprovado, a liberdade é a regra, e até que se justifique o contrário ela não
pode ser provisória.
Por outro
lado quem merece o nome de PROVISÓRIA, é tão somente a prisão, que por sua vez
será sempre provisória no Brasil já que a própria Constituição proibiu a prisão
perpétua. Sendo assim, mesmo alguém sendo condenado e por consequência levado
ao cárcere, importa dizer que mais cedo ou mais tarde ela terá sua liberdade
restabelecida, por isso que não é correto dizer liberdade provisória, posto que
a liberdade é duradoura, mas passível de certas interrupções, enquanto que a
prisão sim, será sempre provisória.
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