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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

domingo, 2 de setembro de 2012

POR QUE LIBERDADE PROVISÓRIA?




Fabricio da Mata Corrêa



Embora por diversas vezes se tenha tentado mascarar ou disfarçar todo o caráter inquisitivo do Código de Processo Penal (CPP), é tão forte sua presença nas normas procedimentais, que o tema sempre vem à tona. 

Atualmente, toda essa facilidade de se verificar e apontar quais normas possuem caráter inquisitorial, decorre dessa nova perspectiva constitucional que tem se fortalecido desde 1988, e principalmente o conhecimento e o estudo que desde então se tem desenvolvido sobre todas as garantias e direitos que ali seguiram protegidos. Isso na prática tem gerado uma maior sensibilidade de qualquer tipo de afronta ou desrespeito.

Em outras ocasiões (http://direitopenalemdia.blogspot.com.br/2012/06/o-art-156-i-do-cpp-permite-ao-juiz.html) já tratamos e apontamos características inquisitoriais do CPP, como por exemplo, o artigo 156 do referido Código, que autoriza o magistrado a “descer” do seu local de trabalho para fazendo as vias de acusação requerer provas. 

O que se questiona, na verdade nada mais é do que uma constatação que se faz frente ao cenário garantista constitucional, referente ao tratamento dispensado para aqueles que aguardam seus julgamentos em liberdade. Esta que é tratada como PROVISÓRIA.

Como todos sabem a Constituição Federal de 1988, apelidada de cidadã, recebeu esse adjetivo justamente por ter renovado todo um cenário jurídico nacional que até então só conhecia a amargura e o ódio de um Estado inquisitivo, ditatorial e fascista. Ocorre que por ter sido, o ainda vigente CPP, forjado em meio de todo esse caos, na completa ausência de todas as garantias pessoais e processuais que se tem hoje, é que explica o motivo de haver inúmeras incongruências dos seus regramentos para as disposições constitucionais. Mesmo tendo sido ele recepcionado em 1988.

Voltando para a discussão proposta, ou seja, a nomenclatura do instituto liberdade provisória como um indicio de todo o ranço inquisitivo do CPP, que vai de encontro a toda lógica estabelecida pelas garantias constitucionais que primeiramente estabeleceu que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, inciso LVII da CF/88). Esta disposição traduz o tão conhecido estado de inocência ou presunção de inocência, o que significa dizer que qualquer tratamento contrário, afrontará diretamente o texto constitucional.

Na mesma linha, mas agora cuidando especificamente da questão da prisão e liberdade, ficou também previsto:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;    
                                           
Aqui, vale um parêntese para explicar o porquê de tal denominação constar no próprio texto constitucional, se de fato defendemos que ela fere a lógica constitucional, e por certo não haveria razão dela esta ali prevista. 

Pois bem, é sabido que o CPP data de 1941, portanto, anterior a constituição de 1988, que quando de sua formulação recebeu muita influência das disposições que seriam recepcionadas. Logo, por já constar no CPP a figura da liberdade provisória, ela simplesmente foi incorporada pela carta máxima no sentido de dizer que tal regramento estava sendo recepcionado. 

Tanto que interpretando melhor o referido dispositivo, nota-se que a norma diz: “quando a lei admitir a liberdade provisória”, ficando claro, portanto, que ela simplesmente estava recepcionando aquilo que já existia.

O que deve ser enfatizado é que o simples fato de uma Constituição, democrática e humana, ter sido promulgada, não fez com que o Brasil passasse simplesmente a ser um país garantista ou ainda conhecedor dessas garantias, até porque, muitas delas sequer chegavam ao conhecimento daqueles que não possuíam acesso às informações, tal como ocorre hoje, mas claro de forma muito mais reduzida.

Isso demonstra a verdadeira compreensão do que é um movimento democrático, que na verdade não se faz apenas com o surgimento de um novo Estado. Ele se fortalece com os anos e principalmente com o conhecimento. Por isso que se afirma que o Brasil ainda esta em processo de evolução de democracia.

Foi dito no início, que por anos, várias foram as tentativas de se minimizar os efeitos do sistema inquisitivo. Provando a tese do conhecimento, o que se constata é que na mesma medida em o povo começou a se conscientizar de todos os direitos que possuía, igualmente passou a reivindicá-los com maior intensidade.

Prova mais recente, foi a Lei 12.403/11, que dentre muitos outros objetivos, preocupando-se também com a lotação máxima dos estabelecimentos prisionais, trouxe novas regras para se tratar a prisão dentro do Processo Penal.

Não discutiremos as mudanças da citada lei, até porque isso já fora feito noutro momento (http://direitopenalemdia.blogspot.com.br/2011/08/os-efeitos-praticos-da-nova-lei-1240311.html). O que se pretende por hora é utilizar tudo que já foi dito para se fazer o seguinte questionamento: se a regra é presunção de inocência e a preservação da liberdade, por que a liberdade daquele que responde um processo penal é dada em caráter provisório?

Se uma pessoa deve ser tratada como inocente e ter preservado seu direito à liberdade, por que dizer que ela será solta provisoriamente? 

Por um raciocínio lógico, o emprego do termo provisório, permite uma interpretação equivocada daquilo que deve de fato ocorrer, posto que se alguém é provisoriamente liberto, por não ser definitiva, significa que em certo momento essa liberdade sofrerá uma interrupção, ou seja, mais cedo ou mais tarde ela será presa novamente. Já que a liberdade é provisória, a prisão ao seu modo será certa, senão antes, mas certamente no fim do processo. E isso é errado!

Por que atribuir caráter provisório para aquilo que na verdade é a regra? 

Enquanto a condenação não se tornar definitiva e o juízo de culpabilidade for efetivamente comprovado, a liberdade é a regra, e até que se justifique o contrário ela não pode ser provisória.

Por outro lado quem merece o nome de PROVISÓRIA, é tão somente a prisão, que por sua vez será sempre provisória no Brasil já que a própria Constituição proibiu a prisão perpétua. Sendo assim, mesmo alguém sendo condenado e por consequência levado ao cárcere, importa dizer que mais cedo ou mais tarde ela terá sua liberdade restabelecida, por isso que não é correto dizer liberdade provisória, posto que a liberdade é duradoura, mas passível de certas interrupções, enquanto que a prisão sim, será sempre provisória.

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