Fabricio da Mata Corrêa
No
dia em que o mundo iria acabar, mas não acabou, entrou em vigor a Lei nº 12.760/12,
que trouxe novas diretrizes relacionadas com o Código de Trânsito Brasileiro,
principalmente no tratamento daquele que é flagrado dirigindo sob influência de
álcool e ou outras substâncias.
Dentre
as mudanças promovidas pela nova lei, vale destacar aquela que chega como
promessa de pôr um fim em toda questão envolvendo o crime do artigo 306 do CTB,
que até a última quinta feira só se configuraria se o infrator estivesse dirigindo
com concentração de álcool, igual ou superior, a 0,6 decigramas por litro de
sangue.
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública,
estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior
a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância
psicoativa que determine dependência:
Esse
sempre foi o maior dos problemas encontrados pelas autoridades no sentido de
comprovar o cometimento do crime em questão, posto que por imposição de norma o
crime só estaria consumado se ficasse comprovada concentração exata de álcool, o
que dependia na prática da contribuição do próprio infrator, aceitando a se
submeter à exames que indicassem a concentração do álcool.
Ocorre
que justamente por depender de um ato volitivo do infrator, e por ser forte a idéia
no Brasil que: “ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo”, o numero
de recusas que impossibilitavam a comprovação de tal índice normativo sempre
foi grande. Motivado por esse fato e impulsionado pela pressão feita principalmente
pela mídia, se criou no país um verdadeiro sentimento de inconformismo com toda
essa questão, fazendo surgir vários movimentos, mas todos direcionados ao
legislativo nacional, para que essa questão fosse revista.
Até
que no dia 21 de dezembro de 2012, com a entrada em vigor da Lei nº12.760/12, além
das modificações de cunho administrativo, cuidou também por alterar a redação
do antigo artigo 306, essa questão foi revistas. Estando o referido artigo da
seguinte forma:
“Art.
306. Conduzir veículo automotor com
capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de
outra substância psicoativa que determine dependência: (grifo nosso)
Com a nova redação vista apenas no caput, a mudança legislativa retirou do seu conteúdo normativo qualquer
tipo de referência há um mínimo legal que precise estar verificando para que o
crime possa enfim ser considerado consumado. A nova redação do caput diz apenas em dirigir com a
capacidade psicomotora alterada, não fazendo, pelo menos aqui, qualquer menção
a quantidade.
Ocorre que isso que na verdade fora retirado do caput, ou seja a indicação de quantidade
de álcool ou outra substância, não foi ao certo suprimida da lei, o que houve
de fato foi apenas uma reformulação daquilo que já existia. A nova lei cuidou
por organizar o artigo 306, acrescentado parágrafos que antes não existiam, estando
o primeiro por dizer que:
§ 1o
As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool
por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de
ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo
Contran, alteração da capacidade psicomotora.
No parágrafo primeiro,
onde restam estabelecidas as maneiras de se verificar a ocorrência do crime,
verifica-se no inciso I a manutenção, bem como a permanência do critério dos 0,6
decigramas de álcool por litro de sangue, acrescentando, porém, no texto da lei
a medição de 0,33 miligramas de álcool por litro de ar
alveolar, este que já existia por força de resolução.
Ocorre
que as maneiras de se comprovar a ingestão de álcool, não ficaram restritas apenas
às formas vistas no inciso I do §1º do artigo 306, que na verdade já eram as
que na prática vinham sendo utilizadas, mas inovando nesse tratamento fez o legislador
por alternar essa comprovação aumentando as possibilidades de fazê-lo. Fazendo
consta assim no inciso II do §1º do artigo 306:
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo
Contran, alteração da capacidade psicomotora.
Com base na redação do referido inciso, não se tem dúvida
que se poderá comprovar o estado de embriaguez por outros meios que não apenas
o exame de sangue ou o bafômetro, mas ficando a cargo do próprio CONTRAN a
responsabilidade de criar novos meios de se comprovar o comprometimento da capacidade psicomotora do motorista.
No nosso entender esse inciso, da forma que se apresenta,
gerará grande confusão e comprometerá a prefeita interpretação e aplicação da norma,
posto que partindo do princípio que o legislador manteve inalterado a quantidade
de 0,6 decigramas, bem como seu correspondente 0,33 miligramas, é porque considera
que só com tais níveis é que a capacidade psicomotora do motorista estaria
comprometida.
Caso fosse a intenção do legislador tornar a lei realmente SECA,
teria ele, até porque essa era a oportunidade, retirado do seu conteúdo qualquer
tipo de limitação, ou seja, se retiraria da lei qualquer alusão a quantidade, limite
ou concentração necessária para a configuração do crime.
Como não fez ele por suprimir tais referências, mas
simplesmente deu uma nova organização no artigo 306, deixando aquilo que já existia
e possibilitando novos tratamentos, não se verifica por hora, qualquer mudança
no sentido de se ignorar a quantidade que já existia de 0,6 decigramas de álcool
no sangue ou 0,33 miligramas de álcool por litro de ar.
Portanto, para a verificação do crime do artigo 306, §1º,
inciso I, permanece a necessidade de se verificar a existência de tais limites.
Agora, caso não seja possível por esse meio, a lei passa a permitir que a
capacidade psicomotora, e não propriamente a concentração de álcool, seja testada
por outros meios que deve ser definidos pelo CONTRAN.
Seguindo com a análise do “novo” artigo 306, vale destacar
agora seus parágrafos §§1º e 2º, que dispõe da seguinte forma:
§ 2o A verificação do disposto neste
artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia,
vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos,
observado o direito à contraprova.
§ 3o O Contran disporá sobre a
equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de
caracterização do crime tipificado neste artigo.”(NR)
No parágrafo segundo segue prevista a possibilidade de se utilizar
outros meios de prova, a fim de se comprovar o estado de embriaguez do indivíduo,
inovando principalmente com a questão do vídeo e de testemunhas. Entretanto, não
se deve esquecer, ainda que se utilizem de tais meios de provas, não se deve
ignorar as disposições dos incisos I e II do §1º, bem como não deve essa
permissão legislativa ser lida como convém o aplicador.
Ora, se o legislador manteve os índices de 0,6 d. e 0,33 m.,
é porque eles são necessários para a comprovação do estado de embriaguez. Por outro
lado, no que tange ao comprometimento da capacidade de condução do veículo, ai
sim verifica como perfeitamente possível a utilização desses outros meios de
prova.
Todavia, algo que deve ser ressaltado na nova lei, que verdadeiramente
deve ser visto como um avanço na tratativa constitucional e penal, é o fato de se
ter retirado do artigo 306, todo aspecto de abstração que sempre impregnou tal
figura típica, pois antes bastava verificar a quantidade de álcool vista na lei
para que o crime estivesse comprovado, pois era tido como crime de perigo
abstrato.
Agora, doravante toda essa mudança, fica evidente que não basta a
simples influência do álcool ou outra substância, agora é necessário que se
veja comprovado que o indivíduo realmente tenha gerado com sua conduta um
perigo concreto de dano, ou seja, sua direção deve estar claramente comprometida.
Antes bastava a comprovação dos indicies de 0,6 decigramas ou 0,33
miligramas, que o crime já estaria configurado, não importando o fato que o indivíduo,
mesmo bêbado, conduzia com cutela redobrada, ainda sim seria responsabilizado tanto
administrativamente como penalmente. Agora, além de se comprovar o estado de
embriaguez deve-se verificar se esse foi suficiente por comprometer a condução
do veículo, caso contrário não se pode dizer que o crime ocorreu.
Até por isso que não se devem ignorar os limites que já existiam e foram
ratificados pelo legislador, posto que se ele assim o fez é porque verificou
que justamente a partir de tais níveis que a condução do veículo estará
comprometida, e por consequência a segurança viária.
Mas essas são apenas as primeiras impressões com base em direito que se
pode extrair do aspecto criminal da lei, pois muito do que esta sendo dito,
principalmente na TV, não possuem qualquer base sobre direito. A propósito o
que se verifica é que muitos erros poderão vir em decorrência de toda essa
mudança, e principalmente das dúvidas que ela gerará, posto que para a
autoridade que esta nas ruas, certamente a interpretação que será feita, com
certeza será diferente dessa que se coloca.
O legislativo tentou, inserindo possibilidades no texto de lei, resolver
todo o problema que se assentava sobre a questão.