I – INTRODUÇÃO
Antes de se responder diretamente tal questão dizendo
simplesmente sim ou não, deve-se entender toda complexidade que esta à permear
tal questionamento, posto que se vista pelo aspecto constitucional a resposta
será uma, de outro modo, se vista pelo diploma processual penal a resposta será
outra.
II – DESENVOLVIMENTO
Claro, que em um Estado dito democrático de direito, que
tem na sua Lei Maior o norte de sua existência, seria impensável o fato de uma
lei menor confrontá-la diretamente. Ocorre que a problemática surge justamente
por que tanto o sistema acusatório como o inquisitório foram, guardadas as
devidas proporções, legitimados pela Magna Carta.
É sabido que o Código de Processo Penal, instituído pelo
Decreto Lei nº3.689 de 1941, foi recepcionado pela Constituição de 1988, motivo
pelo qual encontra-se em vigor até a presente data. Ocorre que o referido
diploma legal, fora forjado aos moldes do sistema dito como inquisitivo
conhecido na época justamente por não ser reconhecedor e garantidor de
garantias processuais. Enquanto que a Constituição, de modo diverso, quando de
sua constituinte, visando corrigir todas as barbáries que foram praticadas, optou
claramente pelo sistema acusatório primando assim justamente pela transparência
de suas decisões e pela forma reta que deve o processo penal caminhar.
O cerne da questão é que ao recepcionar o referido diploma
legal, não fez a constituição vedação expressa aos artigos que traziam consigo
o modelo inquisitório, e tampouco os revogou. Desta forma, considerando que
ainda se encontram em vigor, e para se evitar um conflito entre o CPP e a
Constituição, fez a melhor doutrina por dizer que no Brasil o modelo de sistema
jurídico penal é misto, ou seja, ora inquisitivo ora acusatório.
Agora, voltando a atenção para o artigo 156, inciso I do
CPP, que em sua redação totalmente inquisitiva, possibilitou que o magistrado
pudesse de ofício requerer a produção de provas. Deve-se questionar antes mesmo
da possibilidade do magistrado realizar tal ato, é que se o jus puniendi estatal lastreia-se no
princípio do in dubio pro reu, onde,
havendo dúvida sobre a acusação feita, deverá o julgador absolver o acusado, o
fato de um magistrado ignorar tal premissa e requerer provas, já não seria isso,
prova da violação ao modelo acusatório?
Isso, considerando que cada um dos “atores” que integram
uma ação penal, possuem cada um deles um papel. Ao Ministério Público foi dada
a tarefa de ser o dono da persecução criminal. Logo, quando se coloca à acusar é
seu dever produzir todas as provas que sustente sua pretensão. Quanto ao réu,
esse não deve provar sua inocência, mas tão somente refutar aquilo que a
acusação lhe apresenta.
E por fim, ao magistrado foi dada a tarefa de decidir,
julgar o caso real com aquilo que lhe é apresentado.Todavia, se tudo que lhe
foi posto ainda sim não lhe der certeza para uma condenação, não há outro
caminho senão o da absolvição justamente por força da dúvida. Não pode ele caso
haja dúvida se valer da mesma como desculpa para auxiliar a acusação,
requerendo provas que servirão tão somente para justificar sua decisão
condenatória, posto que para absolver já seria suficiente a dúvida.
Doravante, por não haver dúvida que o sistema acusatório
fora indubitavelmente amparado pela constituição de 1988, o fato do magistrado
deixar de lado seu papel de julgador e passar a ser mais um “instrumento” de
acusação, isso demonstra claramente uma violação direita ao modelo de justiça
criminal adotado pela constituição, que preza pela paridade de armas, muito
embora já seja a acusação muito mais forte, do ponto de vista da
instrumentalidade, do que propriamente a defesa.
Outrossim, quando um magistrado “desce” do seu lugar de
julgador, ele altera o equilíbrio normal de um processo, caracterizando assim o
sistema inquisitivo, fazendo com que a figura do acusador e do julgador se
confundam. Fato este que desencadeia um desrespeito em cascata de todas as
premissas constitucionais.
O que deve haver de fato é uma mudança na forma de se ver o
processo, posto que uma condenação não é resultado da obtenção da verdade real,
não é isso, mas sim, de um trabalho feito pela acusação onde não se deixou
dúvida ao julgador da necessidade de uma condenação, posto que do contrário, ao
invés de requerer mais provas, imediatamente deveria o juiz absolver o réu.
E pensando no
mesmo sentido, disse o professor Aury Lopes Junior:
(...)
dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutórios (como o famigerado art.
156 do CPP) devem ser expurgados do ordenamento ou, ao menos, objeto de leitura
restritiva e cautelosa, pois é patente a quebra da igualdade, do contraditório
e da própria estrutura dialética do processo.
Devido a essas incongruências é que o modelo garantista tem
ganhado tanta força e relevância. Daí a importância que a doutrina do ilustre
Luigi Ferrajoli tem para o direito processual penal constitucional, vez que o garantismo
cuida principalmente por manter firme todas as diretrizes tuteladas pela
constituição. Significa dizer, até para se desmistificar aquilo que se entende
por doutrina garantista, ou seja, que seria um prêmio à impunidade, é imperioso
dizer que ela simplesmente busca preservar que todas as garantias já previstas
sejam realmente respeitadas. Por exemplo, se a lei maior diz que o indivíduo
quando preso, tem o direito de ser informado de todos os seus direitos[1],
não pode o Estado não cumprir com essa premissa.
III - CONCLUSÃO
Logo, retomando a questão proposta, impossível conceber,
que num Estado dito democrático sob o manto de uma Constituição dita cidadã, cujas
normas fazem previsão de várias garantias e direito individuais, absurdos como
o visto no artigo 156, inciso I do CPP, ainda ocorra. Dar ao julgador a
possibilidade de produzir provas, já é dizer ao réu que será condenado, posto
que só essa iniciativa já é um claro sinal de que o julgador não esta atrás não
de razões absolutórias, mas sim de motivos condenatórios.
IV – REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
GRECO,
Rogério. Curso de Direito Penal – 14. Ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2012
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamento da Existência
do Processo Penal: Instrumentalidade Constitucional. Material da 2ª aula da
Disciplina Teoria do Garantismo Penal, ministrada no Curso de Especialização
TeleVirtual em Ciências Penais – Universidade Anhanguera-Uniderp|REDE LFG.
[1] Art. 5, inciso LXIII - o preso
será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,
sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
Excelente explanação Prof. Fabricio da M. Correa. Recomendo a submissão do brilhante artigo para outros periódicos jurídicos eletrônicos, para publicação. Parábens !!!
ResponderExcluirMeu estimado mestre e amigo Dr. Ricardo de S. Fortes, é com muita alegria que recebo essas palavras de Vossa Excelência, como sempre é uma grande honra.
ResponderExcluirTodavia, é imperiosos destacar, que muito, do pouco que sei e escrevo, só é possível graças a amigos iguais ao senhor, que tanto me ensina por meio de simples, porém, valorosas conversas.
Muito obrigado pela consideração
Parabéns pela postagem Doutor! Gostaria de aproveitar o ensejo e deixar registrado o meu blog, para que possamos trocar informações sobre o direito criminal: www.criminalistanato.blogspot.com
ResponderExcluirMeu Prezado Júlio Medeiros, fico muito feliz pelas palavras.
ExcluirAproveito para dizer que já conheço o portal do amigo, e relamente é uma ótima fonte de atualização de direito penal e processual penal.
Meu nobre, agradeço o contato, e certamente conversaremos sobre muitas situações, posto que casos polêmicos e interessantes são comuns à essa área que tanto gostamos!
Grande Abraço!