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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Considerações sobre o novo crime do artigo 306 do Código e Trânsito Brasileiro.




Fabricio da Mata Corrêa
Depois de pensar sobre o assunto e estudar melhor a nova estrutura típica e suas implicações práticas, mudando posição anteriormente apresentada sobre as alterações promovidas pela lei 12.760/12, cujas razões, parafraseando o imortal Machado de Assis “É o que vais entender, lendo.” 


Passados alguns meses desde que entrou em vigor a lei 12.760/12, responsável por alterar dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), e superado principalmente o período crítico do carnaval, época em que sabidamente abusos envolvendo o uso de bebidas e outras substâncias no trânsito são constantes, já se é possível verificar como que as novas regras estão sendo aplicadas, e principalmente qual a eficácia prática e jurídica que se pode extrair de tais medidas.

Antes, porém, até para se estabelecer um comparativo envolvendo a questão específica do álcool na direção de veículo automotor, vale lembrar a antiga redação do artigo 306 do CTB, que assim dizia:

Art. 306.  Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: 

Da antiga redação já se era possível notar que o legislador, preocupando-se em tutelar a segurança viária (crime de perigo abstrato) especificou num único tipo penal duas espécies de elementares, uma descritiva que é o caso do álcool e outra normativa valorativa quando se referia a outras substâncias. 

Pois bem, considerando a distinção entre as elementares, fez o legislador por estabelecer que em se tratando de álcool o método de constatação e dosagem seria pela perícia técnica, ou seja, pela aferição exata da concentração no organismo do indivíduo, enquanto que de outro modo, em se tratando de outras de substâncias psicoativas que pudessem determinar dependência, e claro, comprometer a condução do veículo, bastaria nesse caso a simples identificação da influência dessas substâncias no comportamento do individuo. 

Entretanto, problema que sempre se enfrentou na prática, e que na verdade foi o principal motivador para a recente mudança, refere-se à questão do álcool, que conforme dito exigia prova pericial, ou seja, para se imputar a prática do crime do artigo 306 do CTB, não bastava a simples influência ou sua constatação pela autoridade, no caso do álcool exigiu-se mais, além da influência que já era subentendida, exigiu-se ainda a necessária constatação da concentração de 6 (seis) decigramas por litro de sangue para que só assim o crime estivesse configurado.

Consequentemente, a norma do artigo 306 do CTB, no que se refere ao trato do álcool, só possuía eficácia prática quando o agente infrator, voluntariamente, se submetia aos exames a fim de verificar qual a real concentração de álcool no seu organismo. Tratava-se, portanto, de uma norma penal incriminadora cuja aplicação estava condicionada à vontade do próprio agente infrator, haja vista que pelo princípio do nemo tenetur se detegere, ninguém é obrigado a se autoincriminar. Portanto, a recusa na realização da prova técnica passou a ser verdadeiro “escudo” para os infratores e obstáculo para a aplicação da lei, pois impedia que a norma penal alcançasse àqueles que não a respeitavam.

Toda essa situação gerou grande instabilidade e revolta por parte da sociedade, que diariamente passou conviver com cenas de condutores visivelmente embriagados, livrando-se da imputação da prática do crime do art.306 do CTB, simplesmente por se recusarem a fazerem os exames. Tamanha foi a indignação com tal situação, que a partir daí viu-se surgir, principalmente nos meios de comunicação, movimentos dos mais variados possíveis visando tão somente pressionar o legislativo brasileiro, a fim de que fosse providenciada uma reforma legislativa.

Em apertada síntese, esse foi o motivo que levou o legislativo brasileiro a criar a já referida lei 12.760/12. De pronto, verifica-se que visando atender os anseios sociais o legislador, a seu modo, reformulou o teor do artigo 306 do CTB, o deixando da seguinte forma:

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

§ 1o As condutas previstas no caput serão constatadas por:

I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

§ 2o A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

§ 3o O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.


Doravante, complementando a lei e visando padronizar esses novos meios de prova, o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) editou e publicou no dia 23 de janeiro de 2013 a RESOLUÇÃO Nº 432, que especificamente sobre o crime do art. 306 disse:

DO CRIME
Art. 7º O crime previsto no art. 306 do CTB será caracterizado por qualquer um dos procedimentos abaixo:
I – exame de sangue que apresente resultado igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue (6 dg/L);
II - teste de etilômetro com medição realizada igual ou superior a 0,34 miligrama de álcool por litro de ar alveolar expirado (0,34 mg/L), descontado o erro máximo admissível nos termos da “Tabela de Valores Referenciais para Etilômetro” constante no Anexo I;
III – exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de consumo de outras substâncias psicoativas que determinem dependência;
IV – sinais de alteração da capacidade psicomotora obtido na forma do art. 5º.
§ 1º A ocorrência do crime de que trata o caput não elide a aplicação do disposto no art. 165 do CTB.
§ 2º Configurado o crime de que trata este artigo, o condutor e testemunhas, se houver, serão encaminhados à Polícia Judiciária, devendo ser acompanhados dos elementos probatórios.

Complementando o inciso IV do artigo 7º da resolução, tem-se, no mesmo expediente, a redação do artigo 5º, que diz:

DOS SINAIS DE ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA
Art. 5º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora poderão ser verificados por:
I – exame clínico com laudo conclusivo e firmado por médico perito; ou
II – constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito, dos sinais de alteração da capacidade psicomotora nos termos do Anexo II.
§ 1º Para confirmação da alteração da capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito, deverá ser considerado não somente um sinal, mas um conjunto de sinais que comprovem a situação do condutor.
§ 2º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora de que trata o inciso II deverão ser descritos no auto de infração ou em termo específico que contenha as informações mínimas indicadas no Anexo II, o qual deverá acompanhar o auto de infração.


Não se nega, e de fato salta aos olhos sem dificuldade, que o legislador no ânsia de se tentar resolver o problema, fez constar na lei e na referida resolução várias formas de se constatar a alteração da capacidade psicomotora do agente de forma a não ser mais o exame pericial o único meio. Pois bem, diante de todo esse trabalho do legislativo, primeiro com a lei depois com a resolução, não há como negar que para resolver o problema, bastaria a lei 12.760/12, ter suprimido a elementar descritiva dos seis decigramas.

Entretanto, tendo seguido por outro caminho, em prima análise, o que se extrai do “caput” do novo artigo 306 do CTB é que a verificação da alteração da capacidade psicomotora continuou a ser feita de duas maneiras, uma oriunda do uso de álcool e outra por meio de outras substâncias. 

Tanto foi assim, que tornou o legislador a repetir no seu inciso I que em se tratando de álcool a constatação continua a ser por meio de exame pericial, ou seja, “concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou”. Além de não retirar do texto de lei a elementar descritiva dos seis decigramas à complementou com o exame feito pelo conhecido bafômetro. Perdendo assim a real oportunidade de sanar o problema.

Enquanto que no inciso II, visando possibilitar a verificação da alteração da capacidade psicomotora, sem fazer menção ao álcool, o legislador deixou a cargo do CONTRAN a tarefa de estabelecer outras formas, que não às vistas no inciso I, vez que estas são específicas para o álcool, estabelecendo assim outros meios e procedimentos de se constatar a presença de substâncias no organismo do condutor. 

Conclui-se, portanto, considerando a nova redação do artigo 306, que o agente só responderá pelo crime com base no inciso I, se optar e concordar em fazer o exame pericial ali previsto, do contrário, se recusando a fazer tal teste ainda que esteja sob os efeitos do álcool, por não possuir exame pericial capaz de afirmar a natureza e quantidade da substância, continuará a responder pelo crime do art. 306, porém, com fundamento no inciso II, ou seja, que esta sob a influência de alguma substância (que não se sabe ser álcool), e que a mesma estaria comprometendo sua capacidade psicomotora.

A bem da verdade, nota-se que o inciso II do artigo 306 do CTB possui caráter subsidiário, ou seja, só cuida daquilo que não for possível de ser tratado pelo inciso I, ficando então com caráter residual. O que é perfeitamente compreensível, posto que se diante de uma situação real de perigo, representada pela alteração psicomotora do condutor, pouco importa saber qual a real substância que esta agindo em seu organismo, basta para a configuração do crime que fique evidenciado por todos os sinais possíveis que o agente não possuía reais condições de conduzir veículo de modo seguro.

Sobrevém que, por depender dessa constatação fática de que o agente não possuía reais condições de conduzir seu veículo com segurança, há, portanto, a necessidade de que tais sinais e características sejam irrefutáveis, fazendo desse modo, a nosso ver, com que o crime do artigo 306, inciso II do CTB, passe a ser de perigo concreto, ou seja, diante da impossibilidade de se realizar o procedimento do inciso I (que continua sendo de perigo abstrato), de forma subsidiária passa-se a aceitar os métodos do inciso II, desde que por eles se prove de forma verossímil que houve risco concreto de dano. 

Em resumo, o crime do artigo 306, inciso I do CTB, assim como já era, continua sendo de perigo abstrato. De forma contrária e inovando o assunto, para a configuração do inciso II do mesmo artigo, por depender da constatação feita por meio do maior numero de sinais possíveis da alteração psicomotora do agente, impossível dissociar tal alteração da efetiva necessidade de se demonstrar a representação de um risco concreto de dano.

Em idêntico sentido, e na verdade até mais simples, tem-se o crime do artigo 309 do CTB, que considera crime de perigo concreto o fato de dirigir sem ser habilitado. Ora, se não ser habilitado constitui crime de perigo concreto, a contrário senso, ser habilitado e conduzir o veículo de forma anormal por conta da alteração psicomotora, por medida de proporcionalidade, deve receber o mesmo tratamento.

Outrossim, reforçando o aspecto material do inciso II do artigo 306 CTB, vale a comparação feita com o também crime de trânsito visto porém no artigo 308, que consiste na participação de corrida, disputa ou competição em via pública,  sem autorização da autoridade competente, revelando-se também como crime de perigo concreto. O raciocínio é simples, aquele que conduz veículo com sua capacidade psicomotora alterada, gera o mesmo perigo daquele que participa de corrida, disputa ou competição em via pública, ou seja, trata-se de perigo concreto de dano.

Analisando as situações suso exemplificadas, nota-se que a natureza das infrações são semelhantes, e por isso, representam, ou melhor, traduzem por suas normas a necessidade de comprovação de um perigo concreto de ano, ou seja, o perigo de dano traduzido pela conduta alterada passa a ser elementar do inciso II do artigo 306 do CTB, fazendo com que o crime nessa caso seja de perigo concreto. 

O tema por si só não é novo, mas a forma de vê-lo é que mudou e justamente por isso ainda não se é possível verificar mudança nos posicionamentos já conhecidos dos tribunais superiores. Sendo assim, vale dizer que atualmente o crime do artigo 306 do CTB, continua a ser visto como crime de perigo abstrato.

Como já foi dito, não se nega que tanto a alteração vista na lei como por todas as possibilidades também apresentadas pela resolução 432 do CONTRAN, tornaram bem mais fácil a constatação do comprometimento da capacidade psicomotora do agente, seja em razão de álcool ou de outras substâncias. E motivado por toda essa “facilidade”, faz-se imperioso questionar se tais meios subjetivos de verificação, se revestem, na prática, da legalidade necessária para serem considerados instrumentos informadores válidos de um processo penal, bem como se são suficientes para auxiliar e sustentar uma imputação criminal.

Comentando o assunto o brilhante professor Luiz Flávio Gomes disse que:

“(...) Agora o nova lei seca corre o risco de também “não pegar” porque a interpretação está sendo malfeita. Se o critério é quantitativo, basta que o condutor se recuse a fazer o etilômetro ou o exame de sangue. Restarão os sinais. Ocorre que os sinais são de valoração subjetiva. O policial pára o condutor e nota sinais de embriaguez. Onde vai enquadrá-lo? Na infração administrativa ou no crime? Aqui não existe base para o critério quantitativo. Tudo depende da valoração do policial e, depois, do juiz.”


A inovação, portanto, só possui aplicação prática quando o agente se recusa a fazer o referido exame, momento este que nasce para o Estado o direito de lançar mão de desses vários sinais e características, que servem à autoridade com o fim de auxiliá-la na constatação da efetiva alteração psicomotora do agente. Ocorre que tal verificação na prática, ainda que subsidiária, não deve ser vista como um substituto do bafômetro, pois não é, deve ser vista como um meio de prova qualquer, que assim como todas as outras previstas em lei devem guardar respeito com a Constituição.

A necessidade de se distinguir o exame pericial do inciso I do art. 306, dos outros meios de prova vistos no inciso II e complementados pela resolução, faz-se necessário posto que, embora presentes no mesmo tipo penal, se prestam à finalidades distintas até com valoração diferenciada. 

E por ser assim é que certamente tal situação desafiará na prática muitas questões, como por exemplo: imagine o individuo que faz o bafômetro e não atinge a marca da lei, mas em contra partida reúne algumas das características vistas na resolução como agressividade, arrogância, exaltação, ironia, falante, dispersão (conforme Anexo II, inciso VI, letra B, itens I ao V Da Resolução 432). Nesse caso o que se levará em conta, o resultado obtido pela perícia ou o instrumento informativo confeccionando pela autoridade fiscalizante? Qual teria maior peso? E mais, se consideraria nesse momento o in dubio pro societate ou pro réu?

Ao que parece, diante das mudanças promovidas, o fato do legislador ter mantido os exames periciais no inciso I do artigo 306, isso certamente servirá para auxiliar não só o Estado como também o próprio agente possibilitando que o mesmo demonstre não ter feito uso de bebida alcoólica, ou ainda, no caso de ter feito, demonstrar que não atingiu o limite previsto na lei. Neste caso, a alteração estaria lhe servindo como uma espécie de “excludente”, posto que ainda que o agente apresente no momento da abordagem sinais como: sonolência, olhos vermelhos, odor de álcool no hálito (conforme Anexo II, inciso VI, letra A, itens I, II e VI Da Resolução 432), ainda assim, caso o resultado do bafômetro indique que ele não atingiu a concentração vista na lei, e considerando que sua direção não apresentava risco, nada lhe poderia ser imputado.

Toma-se essa posição, pois a identificação do uso do álcool feita por meio de exames clínicos, ainda que sujeitas ao contraditório e a ampla defesa, tamanha é a objetividade e clareza que fornecem ao processo que, geralmente, poucas são as saídas para a defesa. Ao passo que de forma completamente distinta, a tentativa de se identificar presença de substâncias no organismo do agente com base apenas nas suas características pessoais, até por depender exclusivamente da análise subjetiva da autoridade no local, não se pode, em hipótese nenhuma, ser equiparada em nível de eficácia e certeza com os resultados de um bafômetro ou exame clínico.

É importante a distinção entra a prova pericial vista no inciso I do artigo 306 do CTB, que por possuir critério objetivo traz no seu resultado grande possibilidade de certeza, diferente daquela obtida pela mera compreensão do agente público para aquilo que poderia ou não indicar uma alteração da capacidade psicomotora. Esta, que conforme já dito não possui o condão de indicar a presença de álcool, na verdade ela se presta apenas como um indicativo de que o condutor não estava em condições normais. 

Daí surge outra pergunta: o que seria condição normal? Pois muitas pessoas mesmo sob o efeito do álcool, ou justamente por tê-lo feito a ingestão, acabam dirigindo com muito mais cuidado e zelo do que se não tivessem feito uso de tal substância, enquanto que outras, mesmo sóbrias já fazem barbáries nas vias. E ai, nesse caso o que seria normal? 

Doravante, visando atribuir maior grau de credibilidade nas constatações, observa-se no artigo 5º, §1º da Resolução 432 do CONTRAM, a necessidade de haver um conjunto formado por várias características:

§ 1º Para confirmação da alteração da capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito, deverá ser considerado não somente um sinal, mas um conjunto de sinais que comprovem a situação do condutor.

Diante dessa situação, questionamento que surge como natural, é se haverá na prática pessoal capacitado tecnicamente ao ponto de saber distinguir os sinais e até mesmo identificar se eles são provenientes do uso de álcool ou outras substâncias, como por exemplo, uso de entorpecente. Como poderá neste caso a autoridade afirmar, apenas com base naquilo que se vê, qual o tipo de substância que teria sido feito uso?

Todavia, ainda que essa exigência possa querer trazer maior segurança contra abusos e erros, o que se projeta para a realidade futura é justamente o contrário, haja vista que exigir da autoridade que espelhe em um simples relatório o máximo possível das informações sobre o condutor, revela-se como uma atribuição temerária e por deveras arriscada dada impossibilidade de se auferir certeza daquilo que é lançado. Até porque, por ser a autoridade suscetível à vários eventos que podem influenciar no seu “julgamento”, como garantir que efetivamente ela possuirá o discernimento necessário para se fazer tais constatações. Enfim, são questões levantadas no campo da abstração, mas que devem ser consideradas na prática.

Até porque, não se pode esquecer que toda essa perigosa facilidade de se imputar a prática de um crime a alguém, crime este que não é de menor potencial ofensivo, além de elevar o numero de processos, acarreta ainda em questões mais emergenciais como aumento no numero de prisões. Apenas confirmando tal questão, vale dizer que desde que entrou em vigor, a nova lei já é responsável por um aumento de 125% do numero de prisões em flagrante por violação do artigo 306 do CTB, conforme dados divulgados pela Policia Rodoviária Federal (http://blog.justica.gov.br/inicio/tag/lei-seca/).

Por mais que essa questão possa parecer desconexa ao assunto, importante que se diga que não é, na verdade ela não deve ser deixada de lado em nenhum tipo de debate dessa natureza, posto que é de conhecimento púbico e notório que um dos maiores problemas da nação é o déficit de vagas no sistema prisional, portanto, não se pode deixar de analisar as consequências das mudanças do artigo 306 do CTB também por esse prisma. Por essa razão, deve-se asseverar a necessidade de se criteriorizar e tratar com o máximo de retidão possível toda essa questão envolvendo a análise subjetiva feita sobre as características do condutor.

Concluindo, o que já se toma como certo, infelizmente, é que muitos serão os processos criminais iniciados apenas com base na verificação preliminar realizada pelo agente público. De modo que essa nova situação exigirá do julgador uma racionalidade muito maior para, analisando a totalidade do corpo de “provas”, poder identificar aquilo que verdadeiramente ocorria no momento da autuação, ou seja, se aquilo que foi apontado no relatório, muito provavelmente com um “X”, se realmente indicava a elementar do crime.

Os resultados dessa análise subjetiva feita pelo agente público, deverão receber do processo penal a mesma importância e ou tratamento que teria qualquer outro elemento informativo colhido na fase inquisitiva. Veja, que nesse caso ainda nem se fala em inquérito, mas já se esta produzindo “prova”. Até por isso, que tal resultado deverá ser medido por baixo, ou seja, por possuir um contraditório diferido (futuro), e por não haver nenhuma forma de controle sobre o que foi posto no relatório, deve ser tratado apenas como mais um elemento informativo que será incluído no processo a criminal.
Por fim, é possível concluir ainda, que para atender aquilo que a lei buscava atingir na prática, bastava o legislador ter alterado a redação do artigo 306 do CTB, suprimindo dele qualquer menção a limite e ou indicador de alcoolemia, fazendo dela efetivamente uma lei “SECA”, intolerante a abusos e ou irresponsabilidades.




 


















REFERÊNCIAS

ARAUJO JR, Marco Antônio (coordenador da obra). Leis Penais Especiais. Volume 18, Editora Revistas dos Tribunais (coleção elementos do direito, São Paulo – 2013



GOMES, Luiz Flávio. Criminologia midiática e os exageros da nova lei seca, disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/iab/artigos-do-prof-lfg/19681/





NUCCI, Guilherme de Souza. Lei Penais e Processuais Penais Comentadas; 4ªed., Editora Revistas dos Tribunais, São Paulo – 2009;

8 comentários:

  1. Caro amigo Dr. Fabrício, como sempre uma análise técnica e brilhante do tema "novíssimo" que vem afligindo os operadores do direito. Concordo plenamente com a posição adotada e espero que seja fonte de consulta para promotores, juízes de advogados. Abraço.
    Genésio Bragança

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    1. Meu grande amigo Dr Genésio, muito obrigado pelas palavras. É de fato uma alegria muito grande saber que não o desapontei com minha análise e posição, mas realmente creio que esta seria a mais acertada.

      Todavia, é mais que válido ouvir posições contrárias, penso até que seria interessante montar um debate sobre o tema, dada sua relevância e midiática necessidade.

      Agradeço enormemente todo apoio e incentivo que o senhor sempre me deu. Muito Obrigado!

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  2. DR.Fabrício, é com grande satisfação que venho aqui parabenizá-lo pela brilhante interpretação que fizeste sobre o tema. Melhor ainda, é saber que penso da mesma forma, porém, tenho absoluta certeza que não teria melhores palavras para expressar minha opinião a não ser as suas. Realmente o legislador deixou os critérios do inciso II muito subjetivos. Como você mesmo disse, para solucionar o conflito, bastaria o legislador ter retirado do texto legal a menção a limites. Ora, se posso fazer o teste e não incorrer em crime, porque alguém (muitas vezes despreparado) teria a capacidade de me incriminar apenas por notórios sinais de alteração? Espero ansiosamente por decisões superiores a respeito do tema, determinando a inaplicabilidade do inciso II, visto que o critério subjetivo não tem como ser valorado. Quem sabe só assim teremos a tão sonhada mudança legislativa no que diz respeito aos limites do teste do etilômetro (inciso I), fazendo com que a lei seja definitivamente SECA. Aproveitando a oportunidade, gostaria de dizer também que seu posicionamento foi de grande valia para a continuidade da elaboração de minha monografia, reforça ainda mais a ideia de que precisamos de reformas legais efetivas e não leis de trânsito vagas, incompreensíveis e muitas vezes inconstitucionais. Nos informe, por gentileza, de qualquer novidade. Grande Abraço, Pedro Henrique.

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    1. Meu prezado colega Dr. Pedro, agradeço enormemente suas palavras. Fico mais feliz ainda em saber que de alguma forma pude contribuir para sua monografia. Eu é que sou grato pela atenção!

      Sobre a questão do artigo, vamos sim, aguardar que nossos tribunais superiores se posicionem sobre o caso.

      Meu nobre, recentemente ministrei uma palestra sobre o tema e para tal evento preparei uma apresentação em slides. Caso não tenhas ainda apresentado seu trabalho e tenhas o interesse em ter tal material posso estar te passando.

      Do mais, grande abraço!

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    2. Dr, eu não estaria incomodando demais caso fizesse isso para mim? Seria de grande utilidade esse conteúdo. Pretendo abordar a Obrigatoriedade do Teste do Etilômetro e me acrescentaria muito ter a oportunidade de ler seu material. Existe algum email que possa entrar em contato? Agradeço!

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    3. Prezado Pedro,

      o material esta disponível neste link:

      http://rapidshare.com/files/792707857/Aspectos%20pr%C3%A1ticos%20das%20mudan%C3%A7as%20no%20C%C3%B3digo%20de%20Tr%C3%A2nsito.ppsx

      Sucesso!

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    4. Obrigado Dr. Digo o mesmo a você. Sucesso. Sempre que puder poste novas idéias. Agradecido, Pedro Henrique.

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