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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

domingo, 11 de setembro de 2011

A LEI MARIA DA PENHA E A DECRETAÇÃO DE OFÍCIO DA PRISÃO PREVENTIVA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL, POSSÍVEL OU NÃO ?

  

Fabricio da Mata Corrêa

1 . INTRODUÇÃO
Atendendo aos critérios idealizadores de política criminal, afirma-se que é perfeitamente possível que a lei especial 11.340/06, denominada de “Maria da Pena” estabeleça regras próprias e até diferenciadas das demais legislações, visando sempre preservar aquilo que motivou sua criação, ou seja, resguardar o gênero feminino nas relações domésticas contra qualquer tipo de violência. Onde para tanto, faz-se necessário o uso de meios ou mecanismos que possibilitem tal alcance, figurando como um desses meios a própria prisão preventiva decretada de ofício pelo juiz durante o inquérito.

2. DESENVOLVIMENTO
Para se entender de fato o porquê dessa permissão e das muitas inovações que surgiram com a Lei Maria da Penha, deve-se saber que tudo consistiu em medida de política criminal, que pode-se dizer responsável por analisar os fatos sociais contrários à norma, buscando, após identificá-los, estabelecer políticas ou atividades que cessem ou previnam certas agressões.

Com a lei Maria da Penha foi justamente isso que aconteceu, depois de estudos realizados nesse sentido confirmou-se que muitas mulheres eram e ainda são constantemente vítimas de agressões domésticas, fato este que aos olhos da política criminal denomina-se de fenômeno criminológico. Constatou-se ainda que o motivo principal de toda essa violência se pauta principalmente na questão do gênero, vista por uma equivocada percepção do agressor em julgar o gênero feminino submisso.

No caso da referida lei, antes mesmo de sua elaboração, entretanto depois que a política criminal isolou o chamado fenômeno criminológico, que consistia na realidade das mulheres que constantemente eram agredidas em seu ambiente doméstico. E cumprindo o papel ao qual se destina fez esta ciência social, depois de conhecer e entender as mazelas que estavam acontecendo, por fomentar estratégias que possibilitariam a justiça prestar à essas vítimas uma melhor assistência, não só de cunho jurídico, mas sim, de caráter humanitário, que é justamente o que se vê pelas medidas materializadas na Lei 11.340/06.

Importa esclarecer, até para desfazer uma confusão que comumente se faz ao seu falar da lei Maria da penha, foi que ela não criou nenhum tipo penal, apenas determinou tratamento diferenciado para os crimes já existentes, quando estes fossem praticados contra a mulher no ambiente doméstico e motivados por questões de gênero.

Não obstante, tenha sido a lei responsável pela elevação da pena prevista para o crime de lesão corporal praticada no âmbito doméstico, artigo 129, §9º do Código Penal, ainda sim não fez ela por inovar nenhuma elementar típica. Mas note que o tipo penal em destaque aplica-se para toda lesão praticada no âmbito doméstico contra qualquer pessoa, invocando-se o manto protetivo da lei Maria da Penha somente quando a vítima for mulher, mas note que o crime será o mesmo.

É bem verdade que seu corpo de normas transpassadas pelos 46 artigos, são claros exemplos de métodos extra penais de solução do problema. E nesse sentido, bem diz a brilhante professora e Dra. Alice Bianchini que em suas aulas reforça tal idéia dizendo que apenas 4 de todos esses artigos possuem caráter penal propriamente dito, enquanto que os demais são mecanismos (extra penais) para se preservar a proteção lato senso das mulheres.

A referida lei demonstrando-se profundamente comprometida em resolver o problema da violência doméstica contra a mulher, instituiu várias medidas de natureza de cautelar a serem aplicadas de acordo com a necessidade verificada em cada caso, podendo ir desde uma simples ordem de afastamento até a uma medida mais extrema como o caso da decretação de medida de prisão. Todavia, o que deve-se ter em mente é que elas possuem a função precípua de uma maneira imediata garantir a segurança da vítima.

Nascendo daí a questão sobre a real necessidade de estar o juiz, tão logo seja comunicado da violência e verificada sua necessidade, autorizado a decretar de ofício da prisão preventiva, ainda que se trate de inquérito policial.

Deve-se compreender que justamente por serem medidas de urgência não podem estar condicionadas ao início da ação penal, justificando de certa forma até o porquê do nome “medidas protetivas de urgência”. Do contrário, estar-se-ia diante de um claro retrocesso legal, vez que se o objetivo primeiro da lei é proteger a vítima (mulher) das agressões oriundas de relação doméstica, essa proteção deve ser imediata. Qualquer limitação na atuação que vise proteger as vítimas, apresenta-se como um antagonismo ao próprio espírito da lei, vez que na prática, inibiria as vítimas de comunicarem às agressões, ao passo que depois de feitas, teriam elas de retornar para casa e continuar na presença do seu agressor, correndo um risco muito maior de serem novamente agredidas, mas agora por motivo de vingança que é muito pior.

Destarte, é interessante falar que toda essa confusão criada em volta da prisão preventiva, surgiu precisamente pela mudança vista no Código de Processo Penal, propiciada pela Lei 12.403/11, que em se tratando da possibilidade de decretação de oficio da prisão preventiva, alterou a redação do artigo 311, não permitindo mais que o magistrado adote tal medida de oficio durante o inquérito policial, só podendo fazê-lo durante o processo, como se verifica pela nova redação:
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. (Nova Redação)

O primeiro argumento que justifica a possibilidade de tal medida ser tomada de oficio pelo juiz, antes mesmo de se ter uma ação penal, possui lastro no princípio da especialidade onde determina que lei especial afasta lei geral naquilo que não forem compatíveis. Sendo assim, ficando evidente a discordância das leis, no nosso sentir não há dúvida de que às regras da lei 11340/06, devem preponderar justamente por exalar especialidade tendo em vista que a mesma fora criada exclusivamente para esse fim.

Por mais que se esteja diante de uma lei posterior (novatio legis) que em tese seria aplicada por revogar as disposições em contrário, deve-se ressaltar que neste caso tamanha é a especialidade da lei Maria da Penha, que a nova lei não consegue transpor essa barreira, não alterando em nada seus regramentos que dentre eles dispõe o seguinte sobre a prisão:
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Tornando a falar da Lei 12.403/11, viu-se que a mesma inovou no tratamento das prisões processuais, tanto que hoje a regra é que não se admite prisão preventiva para o não reincidente e cuja pena abstrata do tipo penal infringido não ultrapasse 04 (quatro). Todavia, ressaltando mais uma vez a especialidade da Lei Maria da Penha, mais uma vez ela faz exceção a esta regra, tendo em vista que não importa o crime praticado no âmbito doméstico, e sua pena abstrata, o que se aplica neste são as determinações da lei 11340/06, e sendo assim, é perfeitamente possível a prisão do agressor não importe o crime.
 
3. CONCLUSÃO
É por certo desmedido e contrário ao próprio espírito da lei, condicionar uma medida de urgência à existência de uma ação penal, isso não se coaduna nem com o termo “medida protetiva de urgência” que nada mais é do que uma cautelar, pois se uma vítima bate à porta do Estado, este deve estar preparado para agir de forma imediata e incondicionada, até porque muitas das deves o que esta em jogo são os bens tidos como indisponíveis à exemplo da vida, integridade física psicológica, dignidade sexual,  enfim, bens que merece uma atenção maior.

Desta forma não poderia ser outra a conclusão, senão pela perfeita possibilidade do magistrado aplicar de ofício e antes mesmo da ação penal, a prisão preventiva do agressor, quando esta for de fato a medida necessária e mais adequada a ser tomada, embasando sua decisão na Lei especial n° 11.340/06, denominada por Lei Maria da Penha.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIANCHINI, Alice; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Lei de violência doméstica e familiar contra mulher (Lei Maria da Penha): constitucionalidade e convencionalidade. In: Atualidades Jurídicas: Revista eletrônica do Conselho Federal da OAB, v. 5, p. 2-22, 2009. Material da 4ª aula da Disciplina Política Criminal, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Ciências Penais - Universidade Anhanguera-Uniderp - IPAN - REDE LFG.

COMARÚ, Heidy Spohn. A Prisão Preventiva Nos Crimes Cometidos Com Violência Contra A Mulher. Artigo científico. Disponível em: <http://tjsc25.tj.sc.gov.br/academia/arquivos/Artigo_-_Prisao_Preventiva_-_Maria_da_Penha.doc>. Acessado em: 22 ago. 2011

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