A Inconstitucionalidade do § 2º, do Artigo 477 do Código de Processo Penal.
Uma questão que não recebe a
devida atenção é o tempo dispensado para a defesa no tribunal do júri quando se
esta diante de um caso de concurso de agentes.
O Código de Processo Penal,
mais especificamente o rito do júri, após as alterações promovidas pela Lei
nº11.689/08, no que tange aos debates passou a contar com a seguinte
regulamentação:
Art.
477. O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada,
e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica.
§ 1o
Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a
distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz
presidente, de forma a não exceder o determinado neste artigo.
§ 2o Havendo mais de 1 (um)
acusado, o tempo para a acusação e a defesa será acrescido de 1 (uma) hora e
elevado ao dobro o da réplica e da tréplica, observado o disposto no § 1o deste
artigo.
Quando tratamos de um único
acusado, não há questionamentos, uma vez que a defesa poderá usar todo o tempo,
isto é, uma hora e meia da forma que quiser. Agora, quando se tem mais de um
acusado sendo levado a júri, verifica-se que a atenção que o legislador deu no
caso foi pífia, isto é, não só não resolveu o problema como também afrontou a
Constituição.
O legislador ordinário julgou
por bem acrescer ao tempo normal apenas mais uma hora, ou seja, havendo dois ou
mais acusados, a defesa de uma forma geral contará apenas com mais uma hora para
apresentações dos debates.
A inconstitucionalidade que se
extrai da referida disposição é porque afronta diretamente disposição Constitucional
constante no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “a”, que na verdade é um dos
princípios fundantes do tribunal do júri que é a plenitude de defesa, que por
sua vez tem status de garantia individual, e por isso figura-se como cláusula
pétrea.
Logo, estamos diante de uma
situação que se apresenta como garantia individual, que é cláusula pétrea, e
que esta sendo mitigada por disposição de lei ordinária, tal disposição assim
não só desrespeita o direito material envolvido como ainda ignora o processo
legislativo. Lei nenhuma pode dispor de modo contrário à regulamentação
prevista na Constituição da República.
É sabido que nos demais
procedimentos penais, fala-se apenas em ampla defesa, mas no caso do júri,
cuidou a Constituição por fortalecer ainda mais a defesa transformando aquela
que já era ampla em defesa plena. E é importante que se diga que essa plenitude
de defesa não se restringe apenas ao que poderá ou não ser dito, isto é,
questões ligadas ou não ao mundo do direito. Essa plenitude de defesa passa
pelo campo meta jurídico das alegações e também pelo tempo que a defesa disporá
para suas considerações.
A atual disposição afronta a
plenitude de defesa posto que obriga que uma defesa faça a apresentação de suas
teses em tempo inferior ao que seria conferido caso houve um só acusado.
Essa questão perpassa ainda
por outro principio constitucional que é o da igualdade. Imaginemos o seguinte
caso: suponhamos que em um processo do rito do júri, hajam três acusados, mas
por algum motivo acaba ocorrendo o desmembramento em relação a um deles. Quando
enfim ocorrer o julgamento o acusado que foi retirado do processo principal
terá em sua defesa a possibilidade de usufruir de uma hora e meia em plenário,
enquanto que os dois que restaram no processo originário terão que dividir duas
horas e meia.
Dai, por que um terá direito
há mais tempo enquanto que os outros não? Onde esta a igualdade?
Talvez por esse exemplo a
gravidade da questão não fique bem aparente, posto que se poderia dizer que
seria apenas um decréscimo de 15 minutos, mas na verdade ainda que fosse um
minuto já se poderia reivindicar o cerceamento. Em uma análise mais aparente,
imaginemos outra situação onde agora são cinco os acusados levados a júri.
Nesse caso, mesmo sendo cinco o numero de acusados, o tempo a ser acrescido à
defesa será o mesmo, isto é, mais uma hora apenas, significa que as cinco
defesas, por exemplo, com defensores distintos, deverão ser feitas dentro do
prazo de duas horas e meia.
Notem que nem estamos falando
da tréplica, que no caso de haver mais de um acusado, independentemente de
quantos sejam, será acrescida apenas de mais uma hora, significa dizer que se a
primeira fala já será reduzida no caso de concurso de agentes, na réplica será
ainda pior.
Por outro lado, podem surgir
questionamentos de que o prazo também é o mesmo para a acusação e que se isso
fosse alterado para aumentar apenas o da defesa se estaria violando a paridade
de armas. Como resposta deve-se ressaltar: Primeiro, que são raras as exceções
onde se verifica mais de um acusador; segundo, o princípio esculpido no texto
da constituição é plenitude de defesa e não plenitude de acusação, até porque
analisando o ordenamento processual penal já se pode considerar como sendo
pleno para a acusação em todos os casos e não apenas no júri. Como o próprio
nome diz: plenitude de defesa, logo é ela que deverá gozar dessa benesse.
É inconteste a situação
prejudicial que ficam os acusados em plenário, posto que não deve ser olvidado
o fato que além da defesa fazer o papel de apresentador de tudo que esta no
processo, ela ainda deve, de certo modo, ensinar ao corpo de jurados algumas
questões que são imprescindíveis, por exemplo, pensem em uma situação onde a
defesa alegue legítima defesa putativa, para quem é do mundo do direito isso é
fácil, mas lembre-se que os jurados, por regra ou costume, não conhecem do
direito e de seus institutos, tanto que sentam para julgar segundo a íntima
convicção que tiram do que é apresentado.
Por isso, no tempo que terá
disponível como conseguirá a defesa explanar sobre o processo e ainda ter que
ensinar determinados pontos? Isso por exemplo, em 24 minutos considerando o
exemplo acima de se ter cinco acusados, como existirá nesse caso plenitude de
defesa??
Simplesmente não terá!
Guilherme de Souza Nucci, em
sua obra, diz:
(...)
Ocorre que, em função do princípio constitucional da plenitude de defesa, não
pode o réu ser prejudicado por modificações legais, em nível de legislação
ordinária. Se a separação do julgamento tornou-se quase impossível, não se pode
exigir que a defesa manifeste-se no prazo regulamentar, mormente em processos
complexos, repletos de provas e questões a serem abordadas. Por isso, se houver
o julgamento conjunto, por não ter sido possível o desmembramento, deve a parte
(defesa), invocando a plenitude de defesa, pleitear dilação de tempo ao
magistrado, que estará obrigado a conceder, independentemente do que estipula a
norma processual.” (NUCCI, 2014,946/947).
Diante de tudo isso, não temos
a menor dúvida que § 2º,
do Artigo 477 do Código de Processo Penal, é inconstitucional e deve ser
declarado o quantum antes. Não podemos conceber que pessoas inocentes sejam
condenadas muitas das vezes tão somente porque a defesa não teve tempo para
apresentar os fatos como deveria.
Sem olvidar que o tempo no júri é imprescindível para a realização
de uma boa defesa, posto que é público e notório que na maioria dos casos,
principalmente quando a mídia esta envolvida, o acusado já senta em plenário
condenado, cabendo à defesa nesses casos ter que desconstruir tudo que a mídia
e que o ministério público já sustentaram contra ele.
Muitos são os casos onde a mídia já cuida por condenar o acusado
antes mesmo do júri, exemplo é que mais se tem: caso do ex-goleiro Bruno,
Misael Bisto, Nardones etc...
Casos como esses reforçam como uma defesa em plenário deve ser bem
feita e para que isso ocorra é crucial que haja tempo.
Na prática, como confirmou o professor Nucci, os juízes acabam
dilatando o prazo quando há mais de um acusado. Ocorre que isso não deve ficar
condicionado ao juízo discricionário do juiz. Não estamos tratando de uma
simples faculdade processual, mas sim de uma premissa constitucional, de um
direito e garantia individual.
Referência
Código de Processo Penal –
disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm.
Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988– disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.
NUCCI, Guilherme de Souza.
Código de Processo Penal Comentando – 13ª Edição, revista atualizada e ampliada
– Rio de Janeiro: Forense, 2014.
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