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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

segunda-feira, 11 de abril de 2016

AS MAZELAS DO PROCESSO PENAL - 6ª PARTE




A Inconstitucionalidade do § 2º, do Artigo 477 do Código de Processo Penal.




Uma questão que não recebe a devida atenção é o tempo dispensado para a defesa no tribunal do júri quando se esta diante de um caso de concurso de agentes.

O Código de Processo Penal, mais especificamente o rito do júri, após as alterações promovidas pela Lei nº11.689/08, no que tange aos debates passou a contar com a seguinte regulamentação:
Art. 477. O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada, e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica.

§ 1o Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz presidente, de forma a não exceder o determinado neste artigo.

§ 2o Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo para a acusação e a defesa será acrescido de 1 (uma) hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica, observado o disposto no § 1o deste artigo.

Quando tratamos de um único acusado, não há questionamentos, uma vez que a defesa poderá usar todo o tempo, isto é, uma hora e meia da forma que quiser. Agora, quando se tem mais de um acusado sendo levado a júri, verifica-se que a atenção que o legislador deu no caso foi pífia, isto é, não só não resolveu o problema como também afrontou a Constituição. 

O legislador ordinário julgou por bem acrescer ao tempo normal apenas mais uma hora, ou seja, havendo dois ou mais acusados, a defesa de uma forma geral contará apenas com mais uma hora para apresentações dos debates.

A inconstitucionalidade que se extrai da referida disposição é porque afronta diretamente disposição Constitucional constante no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “a”, que na verdade é um dos princípios fundantes do tribunal do júri que é a plenitude de defesa, que por sua vez tem status de garantia individual, e por isso figura-se como cláusula pétrea.

Logo, estamos diante de uma situação que se apresenta como garantia individual, que é cláusula pétrea, e que esta sendo mitigada por disposição de lei ordinária, tal disposição assim não só desrespeita o direito material envolvido como ainda ignora o processo legislativo. Lei nenhuma pode dispor de modo contrário à regulamentação prevista na Constituição da República.

É sabido que nos demais procedimentos penais, fala-se apenas em ampla defesa, mas no caso do júri, cuidou a Constituição por fortalecer ainda mais a defesa transformando aquela que já era ampla em defesa plena. E é importante que se diga que essa plenitude de defesa não se restringe apenas ao que poderá ou não ser dito, isto é, questões ligadas ou não ao mundo do direito. Essa plenitude de defesa passa pelo campo meta jurídico das alegações e também pelo tempo que a defesa disporá para suas considerações.

A atual disposição afronta a plenitude de defesa posto que obriga que uma defesa faça a apresentação de suas teses em tempo inferior ao que seria conferido caso houve um só acusado.  

Essa questão perpassa ainda por outro principio constitucional que é o da igualdade. Imaginemos o seguinte caso: suponhamos que em um processo do rito do júri, hajam três acusados, mas por algum motivo acaba ocorrendo o desmembramento em relação a um deles. Quando enfim ocorrer o julgamento o acusado que foi retirado do processo principal terá em sua defesa a possibilidade de usufruir de uma hora e meia em plenário, enquanto que os dois que restaram no processo originário terão que dividir duas horas e meia.
Dai, por que um terá direito há mais tempo enquanto que os outros não? Onde esta a igualdade?

Talvez por esse exemplo a gravidade da questão não fique bem aparente, posto que se poderia dizer que seria apenas um decréscimo de 15 minutos, mas na verdade ainda que fosse um minuto já se poderia reivindicar o cerceamento. Em uma análise mais aparente, imaginemos outra situação onde agora são cinco os acusados levados a júri. Nesse caso, mesmo sendo cinco o numero de acusados, o tempo a ser acrescido à defesa será o mesmo, isto é, mais uma hora apenas, significa que as cinco defesas, por exemplo, com defensores distintos, deverão ser feitas dentro do prazo de duas horas e meia.

Notem que nem estamos falando da tréplica, que no caso de haver mais de um acusado, independentemente de quantos sejam, será acrescida apenas de mais uma hora, significa dizer que se a primeira fala já será reduzida no caso de concurso de agentes, na réplica será ainda pior.

Por outro lado, podem surgir questionamentos de que o prazo também é o mesmo para a acusação e que se isso fosse alterado para aumentar apenas o da defesa se estaria violando a paridade de armas. Como resposta deve-se ressaltar: Primeiro, que são raras as exceções onde se verifica mais de um acusador; segundo, o princípio esculpido no texto da constituição é plenitude de defesa e não plenitude de acusação, até porque analisando o ordenamento processual penal já se pode considerar como sendo pleno para a acusação em todos os casos e não apenas no júri. Como o próprio nome diz: plenitude de defesa, logo é ela que deverá gozar dessa benesse.

É inconteste a situação prejudicial que ficam os acusados em plenário, posto que não deve ser olvidado o fato que além da defesa fazer o papel de apresentador de tudo que esta no processo, ela ainda deve, de certo modo, ensinar ao corpo de jurados algumas questões que são imprescindíveis, por exemplo, pensem em uma situação onde a defesa alegue legítima defesa putativa, para quem é do mundo do direito isso é fácil, mas lembre-se que os jurados, por regra ou costume, não conhecem do direito e de seus institutos, tanto que sentam para julgar segundo a íntima convicção que tiram do que é apresentado. 

Por isso, no tempo que terá disponível como conseguirá a defesa explanar sobre o processo e ainda ter que ensinar determinados pontos? Isso por exemplo, em 24 minutos considerando o exemplo acima de se ter cinco acusados, como existirá nesse caso plenitude de defesa??

Simplesmente não terá!

Guilherme de Souza Nucci, em sua obra, diz:
(...) Ocorre que, em função do princípio constitucional da plenitude de defesa, não pode o réu ser prejudicado por modificações legais, em nível de legislação ordinária. Se a separação do julgamento tornou-se quase impossível, não se pode exigir que a defesa manifeste-se no prazo regulamentar, mormente em processos complexos, repletos de provas e questões a serem abordadas. Por isso, se houver o julgamento conjunto, por não ter sido possível o desmembramento, deve a parte (defesa), invocando a plenitude de defesa, pleitear dilação de tempo ao magistrado, que estará obrigado a conceder, independentemente do que estipula a norma processual.” (NUCCI, 2014,946/947).

Diante de tudo isso, não temos a menor dúvida que § 2º, do Artigo 477 do Código de Processo Penal, é inconstitucional e deve ser declarado o quantum antes. Não podemos conceber que pessoas inocentes sejam condenadas muitas das vezes tão somente porque a defesa não teve tempo para apresentar os fatos como deveria. 

Sem olvidar que o tempo no júri é imprescindível para a realização de uma boa defesa, posto que é público e notório que na maioria dos casos, principalmente quando a mídia esta envolvida, o acusado já senta em plenário condenado, cabendo à defesa nesses casos ter que desconstruir tudo que a mídia e que o ministério público já sustentaram contra ele.

Muitos são os casos onde a mídia já cuida por condenar o acusado antes mesmo do júri, exemplo é que mais se tem: caso do ex-goleiro Bruno, Misael Bisto, Nardones etc...

Casos como esses reforçam como uma defesa em plenário deve ser bem feita e para que isso ocorra é crucial que haja tempo.

Na prática, como confirmou o professor Nucci, os juízes acabam dilatando o prazo quando há mais de um acusado. Ocorre que isso não deve ficar condicionado ao juízo discricionário do juiz. Não estamos tratando de uma simples faculdade processual, mas sim de uma premissa constitucional, de um direito e garantia individual.


Referência
Código de Processo Penal – disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988– disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentando – 13ª Edição, revista atualizada e ampliada – Rio de Janeiro: Forense, 2014.






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