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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO E SUA NATUREZA JURÍDICA. O QUE É E O QUE DEVERIA SER.







Fabricio da Mata Corrêa


Com aproximados três anos que entrou em vigor a lei 12.760/12, apelidada de “nova lei seca”, e por já ter sido possível neste período se fazer, com mais calma, uma reflexão frente a todas as mudanças introduzidas, objetivos pretendidos e alcançados, pensamos que é hora de reacender a discussão sobre a natureza jurídica do crime do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Perigo concreto ou abstrato?

Antes, porém, vale apenas relembrar que a antiga redação do artigo 306 trazia em seu preceito primário a quantidade exata de álcool que deveria ser verificada para que o crime estivesse configurado. Significa dizer que a quantidade de álcool que constava da redação do artigo assumia naquela oportunidade caráter de elementar típica. 

Daí a problemática que se verificava quando o motorista se recusava a fazer os exames periciais (bafômetro e ou exame de sangue), posto que sem essa prova técnica (pericial) capaz de indicar a exata quantidade da substância no organismo do motorista, a conduta não era considerada típica, independentemente das reais condições do motorista, ou seja, o Estado não poderia puni-lo haja vista que a elementar típica não havia sido demonstrada. Todavia, quando o exame era feito e a quantidade de álcool comprovada por prova técnica, ai não havia qualquer discussão sobre a aplicação da norma, não se observava sequer as reais condições do motorista, se estava bem ou não.

Nessa época era possível dizer: “crime de embriaguez ao volante”, haja vista que a embriaguez era sim elementar típica, ou seja, era o que dava forma ao tipo penal. O que se buscava, portanto, era apenas confirmar o estado de embriaguez, desprezando-se nesse momento qualquer risco que o motorista houvesse gerado. Veja, ainda que o motorista não tivesse gerado risco algum ele ainda sim responderia pelo delito. 

Desse modo, de forma uníssona, passou a considerar o crime do artigo 306, “embriaguez ao volante”, como sendo de perigo abstrato, isto é, a sua consumação não estava condicionada à produção de qualquer risco. Dirigiu veículo automotor em via pública estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas já era suficiente para consumar o delito. Ocorre que HOJE isso não mais ocorre!

Após as alterações promovidas pela Lei nº. 12.760/12, foi possível notar grandes mudanças no trato do antigo crime de “embriaguez ao volante”, em especial a mudança sobre a elementar típica que acarretou especialmente na modificação da natureza jurídica do crime

Se antes era possível dizer: “crime de embriaguez ao volante”, hoje, digamos o termo tornou-se inadequado, posto que atualmente a redação do artigo 306 não contempla como elementar qualquer quantidade de álcool e ou de outras substâncias. Ao invés disso, trouxe agora como elementar típica a alteração da capacidade psicomotora do motorista. A quantidade de álcool que antes era elementar típica, 0,6 decigramas por litro de sangue, hoje foi rebaixada a meio de prova, isto é, hoje é apenas mais um dos muitos meios que a “nova” lei trouxe para se comprovar a alteração da capacidade psicomotora.

Um dos objetivos da Lei nº 12.760/12 foi justamente facilitar a verificação da infração, e isso se deu não só com retirada da antiga elementar quântica dos 0,6 decigramas, como também com a criação de muitos outros meios de prova, como, por exemplo, imagens, vídeos, sinais etc. 

Enfim, hoje para comprovar a consumação do delito, basta verificar se o agente esta ou não com sua capacidade psicomotora alterada. E essa é a questão, o fato de estar ou não embriagado ou mesmo a quantidade de álcool no seu organismo não é mais relevante, pois o que importa agora é verificar se a capacidade psicomotora do motorista esta ou não alterada. Significa dizer que a lei não esta presa a quantidade de álcool como antes, por exemplo, na situação do indivíduo que dirige seu veículo com a capacidade psicomotora alterada fazendo zig zag na via, independentemente do motivo da alteração (drogas/álcool etc.), o crime estará configurado, mesmo que ele se recuse a fazer o etilômetro (bafômetro) ou o exame de sangue.

Outra situação, o agente que dirige seu veículo após fazer uso de bebida alcoólica, mas que continua com sua capacidade de psicomotora inalterada, dirigindo normalmente, considerando ser a natureza do delito de perigo concreto, ele não poderá ser submetido à norma do artigo 306. 

Atualmente esta claro que o risco que antes era ignorado para a consumação do crime, hoje é de verificação necessária, é imprescindível que se encontre o risco na forma com que o individuo conduzia seu veículo. Sem a verificação do potencial de dano expressado na forma com que o individuo conduzia seu veículo após ter comprometido sua capacidade psicomotora, zig zag, por exemplo, não é possível dizer que houve o crime do artigo 306.

Por isso que não se pode mais admitir ser esse crime de perigo abstrato, antes sim, mas hoje não. Nem mesmo de perigosidade real como afirmamos logo que a lei entrou em vigor. 

Frente a essa necessidade de comprovação da alteração da capacidade psicomotora é certo dizer ser esse crime de perigo concreto, pois é curial que o motorista produza um eminente risco à segurança viária ao dirigir de forma alterada.

A ideia da perigosidade real é boa, mas não responde de forma satisfatória a todas as dúvidas, por exemplo, o individuo que dirige seu veículo embriagado e ao ser parado em uma blitz faz o bafômetro e se constata que ele estava com, por exemplo, 0,35 miligramas de álcool por ar expelido dos pulmões, o que em tese já seria suficiente para autuá-lo pelo crime, mas registre-se que sua capacidade psicomotora não foi alterada. E ai? Pela natureza concreta não houve crime. Pela perigosidade real ele até poderá responder pelo crime. Pelo perigo abstrato, ao arrepio da lesividade que emana da Constituição, o crime estaria configurado.

Muito embora muitos doutrinadores ainda se posicionem pelo perigo abstrato, inclusive a jurisprudência do país de forma uníssona, fato é que com as mudanças feitas na lei, as teses que HOJE se pode aceitar são: perigo concreto ou então perigosidade real.
O motivo da jurisprudência ter se mantido inalterada mesmo com as mudanças é simples: Caso ela reconhecesse que o crime do artigo 306 é de perigo concreto ou de perigosidade real, o objetivo principal da mudança que seria facilitar a criminalização do indivíduo embriagado que se recusava a contribuir, não seria atingido. Seguindo a linha que defendemos, a situação continuaria a mesma, pois não basta a verificação do álcool, é necessário ver as reais condições do motorista, isto é, sua capacidade psicomotora. Impõe destacar que tal prática é aviltante e completamente proibida no Brasil por violar frontalmente o principio da reserva legal. 

Importante que se diga que não estamos defendendo a impunidade dos criminosos, não é isso. O proposto é apenas uma reflexão crítica sobre o trabalho do poder legislativo, que neste caso, não foi feliz em modificar a redação da lei. Fato que agora vem obrigando o judiciário a fechar os olhos para questões basilares do direito penal, que no caso, é o estudo das elementares típicas. 

E mais, a perpetuidade do perigo abstrato se deve ainda a interpretação in malam partem que vem sendo feita sobre o art. 306 do CTB, isto é, mesmo estando clara a mudança da elementar típica, o judiciário continua interpretando a norma para prejudicar o acusado.
Se, por outro lado, a mudança houvesse retirado tão somente do artigo 306 a quantidade de álcool necessária para a configuração do delito, que diga-se, tal como era em 1997 quando entrou e vigor o CTB, certamente não haveria mais discussão sobre a natureza jurídica do delito, pois como era no início ele seria novamente de perigo concreto, mas com a mudança, o crime passou a ser tudo, menos de perigo abstrato.

Redações:
1997 - Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:
2008 - Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)

2012 - Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)

Por isso que não podemos mais dizer crime de “embriaguez ao volante”, posto que a embriaguez não mais constitui por si só o crime, hoje ela passou a ser mero meio de prova. Os olhos do aplicador do direito não podem ficar engessados apenas para o álcool, até porque existem várias outras drogas que podem reduzir e ou alterar a capacidade psicomotora do motorista. Esta por sua vez, como nova elementar é que deve ser observada, primeiro se observa como o motorista esta conduzindo, se estiver alterado o crime estará configurado, a partir daí se buscará o motivo da alteração apenas para fins justificantes.


Referências
BRASIL, Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível em> http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm< Acesso em 05 de abril de 2015.
CORRÊA, Fabrício da Mata. As primeiras impressões sobre a “nova” lei seca. Disponível em: http://fabriciocorrea.jusbrasil.com.br/artigos/121941386/as-primeiras-impressoes-sobre-a-nova-lei-seca> acesso em 24 de abr. de 2015
GOMES, Luiz Flávio; Bem, Leonardo Schmitt de. Nova Lei Seca: Comentários à Lei 12.760, de 20-12-2012. São Paulo: Saraiva 2013.

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