O Lugar Dos Sujeitos Processuais
Seguindo com o estudo sobre as mazelas do
processo penal, vale mencionar outro ponto que normalmente não é
confrontado, pelo menos não como deveria. Na verdade acaba se passando
como algo normal no dia a dia dos fóruns.
O assunto em questão refere-se ao lugar
que cada sujeito processual ocupa dentro do ambiente jurídico, mais
especificamente em uma audiência. Por que juiz e promotor ficam um do lado do outro, enquanto que advogado e acusado ficam numa espécie de sub-nível?
A forma com que hoje ainda se mantém a
disposição de cada lugar dentro de uma sala de audiência nos remete na
verdade à época onde se tinha como regra o modelo inquisitório, onde não
se fazia distinção de quem acusava e de quem julgava, pois tais funções
eram exercidas por uma única pessoa. Ocorre que graças à implantação do
modelo acusatório, acusador e julgador passaram a ser pessoas
diferentes, cada qual com sua função específica.
Analisando o Código de Processo Penal,
verifica-se que primando pelo modelo acusatório fez ele por deixar certa
a função que cada um dos sujeitos desempenharia no processo penal, o
juiz nos artigos 251/256, já a função do Ministério Público nos artigos
257/258, e ainda a função e o papel do advogado e do acusado nos artigos
259/267. Verifica-se inclusive o cuidado do legislador em se
especificar quais atos bem como sua respectiva ordem de realização nas
audiências e isso em todos os seus procedimentos.
Mas de outro modo, contrastando com todo
esse zelo do legislador, que na verdade é uma garantida do acusado,
mesmo diante de toda essa especificação, ainda sim, não encontramos na
lei a resposta para a pergunta feita: Por que juiz e promotor ficam um
do lado do outro, enquanto que advogado e acusado ficam numa espécie de
sub-nível?
Já chamando a atenção para um fato, antes
que isso seja interpretando como uma forma de se traduz hierarquia ou
mesmo grau de importância, vale desde logo referendar o que diz o artigo
6ª do EOAB, que estabelece não haver hierárquia entre juiz, promotor e
advogado. Portanto, já sabemos com isso que os lugares referendados não
guardam qualquer relação com hierarquias. Mas ainda assim, por que seus
lugares dizem o contrário?
Sobre isso, o saudoso Jurista Francesco Carnelutti, ao descrever: As Misérias do Processo Penal, focando em especial a função do advogado criminal, disse:
“Deixemos claro: a experiência do
advogado está sob o signo da humilhação. Ele veste, porém, a toga; ele
colabora, entretanto, para a administração da justiça; mas o seu lugar é
embaixo; não no alto. Ele divide com o acusado a necessidade de pedir e
de ser julgado. Ela está sujeito ao juiz, como está sujeito o acusado.
Mas justamente por isso a advocacia é
um exercício espiritualmente salutar. Pesa a obrigação de pedir, mas
recompensa. Habitua-se a suplicar. O que é mais senão um pedir a
suplica? A soberba é o verdadeiro obstáculo à suplicação; e a soberba é
uma ilusão de poder. Não há nada melhor que advocacia para sanar tal
ilusão de potência. O maior dos advogados sabe não poder nada frente ao
menor dos juízes; entretanto, o menor dos juízes é aquele que o humilha
mais”.
Não há na lei nada que determine que o
ministério público deva ficar à direito do Juiz, e tampouco que acusado e
defesa devam ficar em nível inferior. O que há, conforme já foi dito, é
a perpetuação de velhos dogmas, dogmas esses são passados desde a época
onde reinava o modelo inquisitório.
Importante dizer que por mais que se
tenha implementado, pelo menos em teoria, o modelo acusatório, para o
acusado que se senta em audiência para ver-se defendido, para ele, o
sistema que vige é de fato o inquisitório, posto que ainda que sejam
pessoas diferentes o fato de sentarem-se lado a lado em uma audiência, é
para ele com se uma única pessoa estivesse ali, até porque em muitos
momentos de uma audiência tanto a fala como a postura, tanto do parquet como a do juiz acabam se confundido.
Para os que possuem certo nível de
conhecimento sobre a questão conseguem entender e distinguir as funções
exercidas tanto pelo juiz como pelo promotor. Mas para o acusado, não há
diferença, e resultado dessa confusão muitas vezes posse ser traduzido
por certos gestos comportamentais e que para o juiz pode até indicar
culpabilidade. Isso tudo por conta de um processo de marginalização que
ocorre com o simples fato de se entrar em uma audiência.
Separou-se os personagens do acusado e julgador, mas mantiveram o lugar que originalmente ocupavam.
Certamente, mais adequado seria se a
acusação e a defesa estivessem igualados, pelo menos sob o ponto de
vista do lugar que ocupam em audiência, uma vez que de outro modo isso
não é possível. Deixar o acusador ao lado de quem irá julgar justamente a
denúncia feita pelo Estado, é por certo dar vantagem a quem já esta na
frente, é beneficiar o beneficiado, ou seja, a contrário senso e tornar ainda mais difícil a vida daquele que já tem sua vida revirada por um processo penal.
Costuma se falar em paridade de armas no
processo penal, acusação e defesa devem dispor dos mesmos meios para
provarem aquilo que sustentam em juízo. Ocorre que essa máxima não
existe e a bem da verdade ela não passa de uma falácia. A começar pelo
fato de que não se pode medir a acusação com a mesma régua da defesa,
dada a desproporção entre elas.
Por mais competente que seja a defesa
técnica de um acusado, dizer que ela se iguala à acusação é por certo um
equívoco, pois a força do acusador é sempre maior, e isso porque ele
tem como suporte o próprio Estado. Logo, como querer equilibrar uma
relação que já é desequilibrada na sua essência, para se chegar a essa
conclusão basta buscar no processo penal aquele que dispõe de recursos
infindáveis para provar aquilo que se alega, a resposta é óbvia, claro
que o Estado, ou melhor, a acusação.
Vale citar ainda a instituição do júri
que traz o formato clássico onde cada qual já possui sua posição
determinada, diga-se, posições pautadas unicamente em costumes e não na
lei. Note que também no júri o acusador senta-se ao lado do juiz, mas
importante dizer que ali não é o juiz de direito que irá julgar, mas sim
os juízes de fato que formam o conselho de sentença.
Diferente do que foi visto até agora, aos
olhos dos jurados, acusação e defesa estão mais equilibrados, ainda que
o manto da marginalidade esteja sobre o acusado nesse momento,
comparado com os demais procedimentos que estamos falando, no júri
acusação e defesa dispõe de tempo igual, onde cada qual aproveitará da
melhor forma possível. Outrossim, como regra, são os jurados que ficam
em nível superior e enxergam acusador e defesa na mesma trincheira que é
o plenário, possibilitando assim que tomem como iguais as razões ali
apresentadas, mesmo que uma das vozes seja do Estado.
E é por isso que concluímos com muita
tranquilidade que permitir que acusador fique ao lado do julgador é por
certo prejudicial para a defesa. Pensemos da seguinte forma, vejamos a
questão sobre o seguinte prisma: sentado ao lado do juiz, o acusador é
para ele como um igual diferenciando-o do acusado, isto é, ambos são
superiores ao acusado que esta marginalizado em nível inferior. Por esse
motivo, tudo aquilo que é dito pelo acusador durante a audiência é
tomado pelo julgador com um peso completamente diferente de tudo aquilo
que é dito pela defesa.
Agora, se acusador e defesa figurassem
aos olhos do julgador em um mesmo plano de visão, com certeza a imagem
do acusado no processo penal seria outra. Principalmente porque as vozes
tanto da acusação como da defesa soariam de um mesmo lugar e atingiram o
juiz com a mesma força. Isto é, vozes que por estarem no mesmo nível
soariam com a mesma força e intensidade nos ouvidos do julgador,
possibilitando assim com que ele possa receber e processar com maior
imparcialidade e desprendimento tudo que é dito.
Feito isso, superamos mais essa mazela.
Muito importante que continuemos firmes nos estudos. O principal
objetivo de chamarmos a atenção para esses pontos que estamos chamado de
“mazelas” é principalmente para que aprendamos a ver o processo penal
com outros olhos, ou melhor, que passemos a enxergá-lo com nossos
próprio olhos. Aprendendo a identificar aquilo que de fato não funciona,
e não simplesmente aceitando o modelo posto pelo simples fato de já
esta pronto.
Aquilo que não é criticado não é mudado,
temos sim que criticar aquilo que não esta bom, para que assim, um dia
quem sabe, ele passe a ser como deveria.
Sendo assim, vamos continuar firmes nos
estudos das mazelas. Como nosso mestre o professor Luiz Flávio Gomes
sempre nos diz: AVANTE!
__________________________CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Tradução de José Antônio Cardinalli. Campinas: Bookseller, 2002.
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