Ontem conversando com alguns alunos sobre
um fato ocorrido neste último fim de semana, onde um adolescente ficou
tetraplégico durante uma luta que se realizava em um torneio de jiu-jtsu
no Espírito Santo, notei que tal fato gerou muita discussão entre eles,
em especial sobre a possibilidade do outro lutador ser penalizado pelo
fato e pela possibilidade de se aplicar no caso alguma das causas de
justificação de um ilícito penal.
Claro que várias questões envolvendo o
torneio devem ser melhores analisadas, principalmente no que tange as
regras e condições em que se realizavam as lutas, pois já há várias
informações, inclusive com opiniões de especialistas, dizendo que a luta
não deveria ter ocorrido por vários fatores, mas ocorre que não nos
cabe aqui tecer maiores comentários sobre tais indagações, até porque
nem teríamos condições para fazê-los.
De outra feita, gostaria apenas de chamar
atenções de vocês para o aspecto jurídico penal desse triste fato,
envolvendo tão somente os lutadores e analisando para tanto o vídeo da
luta.
A cena além de triste é muito forte, e o
porquê de trazê-la até vocês é tão somente para que possamos fazer uma
análise da ocorrência ou não do fenômeno jurídico que muitos falamos
dentro de sala, que é a causa de justificação vista em virtude do
exercício regular de um direito, este previsto no artigo 23, segunda
parte do inciso III, do Código Penal.
Analisando o quadro do adolescente
lesionado, ainda que se trate de uma lesão gravíssima, a capitulação a
ser feita no caso não deve seguir para o campo do dolo, haja vista que
não se pode afirmar que o outro lutador desejava diretamente o resultado
visto. Por hora a situação esta muito mais para uma culpa consciente do
que dolo eventual, mas não sendo surpresa caso este seja invocado no
caso. Sendo assim, como fica a situação do outro lutador, que a
princípio deve responder por lesão corporal culposa? E mais, qual a
responsabilidade da comissão organizadora do evento que permitiu o
embate?
Além de errado é por certo inseguro
afirmar que em todos os casos de violência esportiva, se aplicará a
justificante do exercício regular do direito, sem que antes, seja
realizado um estudo prévio ou mesmo de uma análise pormenorizada do
fato.
Como o próprio nome diz a ilicitude de um
determinado fato deverá ser excluída se sua ocorrência origina-se
diretamente da prática de um direito. Sendo assim, a pergunta que deve
ser feita é: há um direito envolvido no caso? Qual seria ele?
Segundo lição de Paulo José da Costa Júnior:
“o conceito de direito, empregado pelo
inciso III do art. 23, compreende todos os tipos de direito subjetivo,
pertença eles a este ou àquele ramo do ordenamento jurídico – de direito
penal, de outro ramo do direito público ou privado – podendo ainda
tratar-se de norma codificada ou consuetudinária”.
No caso apresentado, os lutadores, enquanto participantes do evento, possuíam de fato o direito de lutar?
Parece ser simples a resposta, mas a
análise que deve ser feita não é tão simples assim. Além de se verificar
a permissão para lutar conferida aos participantes, o evento em si,
isto é, o torneio preenchia as condições para sua realização, será que
estava de acordo com as regras e normas que regulam a referida prática
esportiva? Parece estar a ai o problema, posto que já se tem notícia que
a luta não deveria ter sido realizada por serem os lutadores de
categorias diferentes.
É imperiosa a observância, bem como o
respeito para com os limites desse direito que se invoca para justificar
a prática de um fato ilícito, pois havendo qualquer excesso no seu
exercício, ele deixa de ser “REGULAR” e passa a ser “IRREGULAR”, e neste
caso não se pode haver exclusão da ilicitude.
Sobre isso, o catedrático Cezar Roberto
Bittencourt explicando justamente a necessidade de se ter cautela com os
limites existentes no exercício regular de um direito, diz que:
“termina necessariamente onde começa o abuso, posto que aí o direito
deixa de ser exercido regularmente, para mostrar-se abusivo,
caracterizando sua ilicitude”.
Por isso, é preciso ter cuidado antes de
se invocar as causas de exclusão de ilicitude para uma determinada
situação, sem que primeiro se realize uma análise cuidadosa sobre todos
os fatos que se relacionam e que tenham antecedido o evento, em tese,
ilícito. No caso noticiado, ficará agora à cargo da Policia Civil do ES,
a tarefa de colher de todas as informações e levantar o máximo de dados
que possa possibilitar a conclusão do fato, principalmente para
responder: é ou não caso de exercício regular de um direito?
NOTÍCIA
JOVEM DE 15 ANOS FICA TETRAPLÉGICO APÓS GOLPE EM LUTA DE JIU-JITSU NO ES
Um garoto de 15 anos ficou tetraplégico no Espírito Santo após sofrer
um golpe durante luta em um campeonato de jiu-jitsu. A luta ocorreu no
dia 4 de agosto e o jovem, de nome Gabriel, segue internado em um
hospital de Vila Velha.
Gabriel lutava contra um rapaz de 20 anos, da categoria adulta – ele
está na categoria juvenil. A Federação de Jiu-Jitsu do Espírito Santo
(FEJJES) permitia os combates entre atletas de categorias diferentes até
o caso ocorrer. Segundo Agnaldo Góes, presidente do órgão, a partir de
agora esses combates serão proibidos.
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