Questões Corrigidas e Comentadas da Prova de Penal - 2ª
Fase.
OAB – XV Exame Unificado FGV
2ª Fase
(aplicada em 11/01/2015)
PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONAL
Enrico,
engenheiro de uma renomada empresa da construção civil, possui um perfil em uma
das redes sociais existentes na Internet e o utiliza diariamente para entrar em
contato com seus amigos, parentes e colegas de trabalho. Enrico utiliza
constantemente as ferramentas da Internet para contatos profissionais e lazer,
como o fazem milhares de pessoas no mundo contemporâneo. No dia 19/04/2014,
sábado, Enrico comemora aniversário e planeja, para a ocasião, uma reunião à
noite com parentes e amigos para festejar a data em uma famosa churrascaria da
cidade de Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Na manhã de seu aniversário,
resolveu, então, enviar o convite por meio da rede social, publicando postagem
alusiva à comemoração em seu perfil pessoal, para todos os seus contatos.
Helena, vizinha e ex-namorada de Enrico, que também possui perfil na referida
rede social e está adicionada nos contatos de seu ex, soube, assim, da festa e
do motivo da comemoração. Então, de seu computador pessoal, instalado em sua
residência, um prédio na praia de Icaraí, em Niterói, publicou na rede social
uma mensagem no perfil pessoal de Enrico. Naquele momento, Helena, com o
intuito de ofender o ex-namorado, publicou o seguinte comentário: “não sei o
motivo da comemoração, já que Enrico não passa de um idiota, bêbado,
irresponsável e sem vergonha!”, e, com o propósito de prejudicar Enrico perante
seus colegas de trabalho e denegrir sua reputação acrescentou, ainda, “ele
trabalha todo dia embriagado! No dia 10 do mês passado, ele cambaleava bêbado
pelas ruas do Rio, inclusive, estava tão bêbado no horário do expediente que a
empresa em que trabalha teve que chamar uma ambulância para socorrê-lo!”. Imediatamente, Enrico, que estava em seu
apartamento e conectado à rede social por meio de seu tablet, recebeu a
mensagem e visualizou a publicação com os comentários ofensivos de Helena em
seu perfil pessoal. Enrico, mortificado, não sabia o que dizer aos amigos, em
especial a Carlos, Miguel e Ramirez, que estavam ao seu lado naquele instante. Muito
envergonhado, Enrico tentou disfarçar o constrangimento sofrido, mas perdeu
todo o seu entusiasmo, e a festa comemorativa deixou de ser realizada. No dia
seguinte, Enrico procurou a Delegacia de Polícia Especializada em Repressão aos
Crimes de Informática e narrou os fatos à autoridade policial, entregando o
conteúdo impresso da mensagem ofensiva e a página da rede social na Internet
onde ela poderia ser visualizada. Passados cinco meses da data dos fatos,
Enrico procurou seu escritório de advocacia e narrou os fatos acima. Você, na
qualidade de advogado de Enrico, deve assisti-lo. Informa-se que a cidade de
Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, possui Varas Criminais e Juizados
Especiais Criminais.
Com
base somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas pelo
caso concreto acima, redija a peça cabível, excluindo a possibilidade de
impetração de habeas corpus, sustentando, para tanto, as teses jurídicas
pertinentes. (Valor: 5,00 pontos)
A peça
deve abranger todos os fundamentos de Direito que possam ser utilizados para
dar respaldo à pretensão
Prezados alunos, surpreendendo à todos a
prova da ordem trouxe um caso de ação penal privada para a sua segunda fase.
Preparei para vocês, enquanto esperam a
divulgação do resultado final, um pequeno esboço sobre a peça e sobre as
respostas das questões.
Seguindo a lógica da estrutura de petição,
esses são os elementos:
1 -
CLIENTE: Quanto a isso não há dificuldade, pois o problema deixou
claro que foi o ofendido (Enrico) quem teria procurado o escritório. Nessa
questão em especial era importante não errar o cliente, pois caso o aluno
fizesse confusão poderia perder toda a peça, haja vista que no caso do ofendido
a peça é a queixa crime, mas se fosse para a ofensora (Helena) seria resposta escrita
a acusação.
2 - CRIME/PENA: Pelos dados é de se impor que houve concurso de
crimes, formal na verdade, mas com desígnios autônomos.
Sendo
esse o quadro: (artigos 139 e 140, c/c o Art. 141, III, n/f Art. 70, todos do
CP).
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato
ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a
dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Disposições comuns
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo
aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
III - na presença de várias pessoas, ou por meio
que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
Concurso formal
Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou
omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais
grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em
qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente,
se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios
autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.
3 - AÇÃO PENAL: Por se tratar de crimes contra a honra,
estabeleceu o legislador como regra que para serem apurados pela justiça é
preciso que a vítima inicie o processo. A existência da ação penal privada esta
consubstanciada na lei.
No Código Penal:
Ação pública e de iniciativa privada
Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a
declara privativa do ofendido.
§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo,
quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro
da Justiça.
§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do
ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação
pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.
§ 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por
decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa
ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
No Código de Processo Penal
Art. 30. Ao ofendido ou a quem
tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.
Como
sabemos, para saber se um crime é de ação penal privada ou pública devemos
verificar se há disposição no próprio artigo que faz previsão da infração ou
então nos artigos seguintes dentro do mesmo título.
Sobre
os crimes praticados no problema, disse o legislador sobre eles:
Art. 145 - Nos crimes previstos
neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do
art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.
4 - RITO PROCESSUAL/PROCEDIMENTO: Como o Código de Processo Penal fez previsão de
um procedimento especial para essa espécie de crime, o correto no caso, pelo
principio da especialidade, é aplicar o procedimento especial previsto
(artigos. 519/523 do CPP).
Ocorre que como o processo
ainda não teve início, não se tem relevância no momento de se fazer tal
verificação, posto que para tudo é preciso primeiro dar entrada no processo
crime.
5 - MOMENTO PROCESSUAL: Ainda não há processo, portando, deve ser feito o primeiro passo,
isto é, a petição inicial.
6 - PEÇA:
Conforme vimos no momento processual, como ainda não há processo deveria o
aluno redigir o que seria a petição inicial no caso. Como é uma inicial de um
processo criminal, cuja ação é privada, o correto seria redigir uma queixa
crime.
O fundamento e os requisitos de
tal petição estão no artigo 41 do CPP, que diz:
Art. 41. A denúncia ou queixa
conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a
qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo,
a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
Além desse, importante fazer
menção aos artigos 100, § 2º, do CP, e o artigo 30 do CPP, que fazem previsão
da modalidade de ação.
7 - COMPETÊNCIA: A competência para julgamento
seria de um dos juizados especiais criminais da cidade de Niterói/RJ.
Excelentíssimo(a)
Senhor(a) Doutor(a) Juiz(íza) de direito Do ... Juizado Especial Criminal de
Niterói/RJ
8. TESES:
Diferente das
outras petições defensivas que normalmente são pedidas no exame de ordem, a
queixa crime se diferencia delas primeiro por possuir teor acusatório, e
segundo por não exigir do aluno toda a variedade de teses que comumente são
pedidas.
A queixa crime
seguindo o formato que a lei estabelece no artigo 41 do CPP, deveria trazer a
qualificação da parte querelante e da parte querelada. Em seguida um breve
relatório dos fatos, seguido da exposição do direito. Neste ponto o candidato faria
a demonstração da conduta da querelada e como que ela se adequou tipicamente
aos crimes dos artigos 139 e 140, ambos do CP, na forma de concurso formal
impróprio.
Deveria ainda
fazer explanação sobre a causa de aumento de pena prevista no artigo 141,
inciso III do CP.
OBS:
normalmente quando a peça cobrada é queixa crime, é prudente que o candidato faça
também a procuração nos moldes do artigo 44 do CPP, especificando sobremaneira
o nome do querelante e a menção do fatos criminosos.
9.
PEDIDOS
Quanto aos pedidos, eles
deveriam ser feitos na seguinte ordem:
1º - A condenação da querelada
nas penas dos crimes previsto nos artigos 139 e 140 c/c o Art. 141, III, na
forma do concurso formal do artigo 70, todos do CP; OBS – deixando de fazer
esse pedido toda a peça perde se fundamento em razão a perempção.
2º - Pedir a citação da
querelada;
3º - A condenação da querelada ao
pagamento de indenização ao querelante – art.387, IV do CPP;
4º - A condenação da querelada
nas custas processuais;
5º - A intimação das
oitivas abaixo arrolada. OBS – o problema forneceu dado que permitiria ao aluno
formular o rol de testemunha. Constou: “não sabia o que dizer aos amigos, em
especial a Carlos, Miguel e Ramirez, que estavam ao seu lado naquele instante”
10. DATA DO PROTOCOLO
Normalmente, nas peças
defensivas, a data pedida é uma específica, pois tem que se de acordo como
prazo de cada uma das peças que são cobradas. Como no caso da queixa crime não
existe um prazo certo, o único cuidado que o aluno deveria ter era de não datar
a peça com data que ultrapasse o prazo de seis meses da prática do crime, haja
vista a decadência que impera após esse período conforme artigo 103 do CP e
artigo 39 do CPP.
Questões
QUESTÃO 1
Miguel
foi condenado pela prática do crime previsto no Art. 157, § 2º, inciso V, do
Código Penal, à pena privativa de liberdade de 05 anos e 04 meses de reclusão e
13 dias-multa. Após cumprir 04 anos da reprimenda penal aplicada, foi
publicado, no dia 24/12/2013, um Decreto prevendo que caberia indulto para o
condenado à pena privativa de liberdade não superior a 08 anos que tivesse
cumprido 1/3 da pena, se primário, ou 1/2, se reincidente, além da inexistência
de aplicação de sanção pela prática de falta grave nos 12 meses anteriores ao
Decreto. Cinco dias após a publicação do Decreto, mas antes de apreciado seu
pedido de indulto, Miguel praticou falta grave, razão pela qual teve seu
requerimento indeferido pelo Juiz em atuação junto à Vara de Execução Penal.
Considerando
apenas as informações contidas na presente hipótese, responda aos itens a
seguir.
A) Qual
medida processual, diferente do habeas corpus, deve ser adotada pelo advogado
de Miguel e qual seria o seu prazo? (Valor: 0,75)
B) Miguel
faz jus ao benefício do indulto? (Valor: 0,50)
RESPOSTAS:
A) Por se tratar de decisão vista no curso da
execução da pena, o correto no caso é a interposição de um agravo em execução
conforme artigo 197da lei de execuções penais (7.210/84).
Art. 197. Das decisões
proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo.
Importante
observar também disposição da súmula 700 do STF:
Súmula 700: É de cinco dias o prazo para interposição de
agravo contra decisão do juiz da execução penal.
B) Por uma questão de tempo, terá o reeducando o
direito a tal benesse, haja vista que praticou a falta após a publicação do
decreto e não antes como estava previsto. Por isso terá sim o direito.
QUESTÃO 2
Durante inquérito policial que investigava a
prática do crime de extorsão mediante sequestro, esgotado o prazo sem o fim das
investigações, a autoridade policial encaminhou os autos para o Judiciário,
requerendo apenas a renovação do prazo. O magistrado, antes de encaminhar o
feito ao Ministério Público, verificando a gravidade em abstrato do crime
praticado, decretou a prisão preventiva do investigado.
Considerando a narrativa apresentada, responda
aos itens a seguir.
A) Poderia o magistrado adotar tal medida?
Justifique. (Valor: 0,65)
B) A fundamentação apresentada para a decretação
da preventiva foi suficiente? Justifique. (Valor: 0,60)
RESPOSTAS:
A) Não. Depois das mudanças promovidas pela Lei
nº12.403/11, o magistrado ficou impedido de decretar de ofício da prisão
preventiva na fase investigativa. Isso se extrai pela interpretação do artigo
311 do CPP:
Art. 311. Em
qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão
preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a
requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por
representação da autoridade policial
OBS – A exceção será apenas nos casos
de aplicação da Lei 12.340/06. Nos casos
de violência doméstica em razão de gênero contra a mulher poderá o magistrado
ainda que na fase policial decretar a prisão do agressor.
B) Outra importante mudança promovida pela Lei nº 12.403/11,
foi a necessidade do juiz quando for decretar a prisão de alguém, assim fazer
de forma devidamente fundamentada. Respondendo a pergunta, a fundamentação do
juiz não foi suficiente, pois não fez ele por explicar e fundamentar,
principalmente, a necessidade da medida.
OBS – O
problema também não forneceu dados suficientes para se responder essa questão
B.
QUESTÃO 3
A
Receita Federal identificou que Raquel possivelmente sonegou Imposto sobre a
Renda, causando prejuízo ao erário no valor de R$27.000,00 (vinte e sete mil
reais). Foi instaurado, então, procedimento administrativo, não havendo, até o
presente momento, lançamento definitivo do crédito tributário. Ao mesmo tempo,
a Receita Federal expediu ofício informando tais fatos ao Ministério Público
Federal, que, considerando a autonomia das instâncias, ofereceu denúncia em
face de Raquel pela prática do crime previsto no Art. 1º, inciso I, da Lei
nº8.137/90. Assustada com a ratificação do recebimento da denúncia após a
apresentação de resposta à acusação pela Defensoria Pública, Raquel o procura
para, na condição de advogado, tomar as medidas cabíveis.
Diante
disso, responda aos itens a seguir.
A)
Qual a medida jurídica a ser adotada de imediato para impedir o prosseguimento
da ação penal? (Valor:
0,60)
B) Qual a principal tese jurídica a ser
apresentada? (Valor: 0,65)
RESPOSTAS
A) Considerando que o crime em
questão só se considera praticado após o lançamento do crédito, e considerando
que no caso isso não se observou, conclui-se que o fato ainda não havia se
tornado típico. Desse modo, considerando que o fato é atípico o correto será a
impetração de um HC visando o trancamento da ação penal.
B) A ausência de tipicidade é a
tese central do habeas Corpus, pois mesmo sem ter havido o enquadramento típico
da conduta de Raquel o promotor já denunciou e o juiz recebeu. De forma que ela
esta respondendo um processo que não deveria sequer existir. A base jurídica
para a fundamentação é a sumula vinculante 24 do STF que diz:
Não se
tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art.
1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento
definitivo do tributo.
QUESTÃO 4
No dia
06/07/2010, Júlia, nascida em 06/04/1991, aproveitando-se de um momento de distração
de Ricardo, subtraiu-lhe a carteira. Após recebimento da denúncia, em
11/08/2011, e regular processamento do feito, Júlia foi condenada a uma pena
privativa de liberdade de 01 ano de reclusão, em sentença publicada em
08/10/2014. Nem o Ministério Público nem a defesa de Júlia interpuseram
recurso, tendo o feito transitado em julgado em 22/10/2014.
Sobre
esses fatos, responda aos itens a seguir.
A)
Diante do trânsito em julgado, qual a tese defensiva a ser alegada em favor de
Júlia para impedir o cumprimento da pena? (Valor: 0,75)
B)
Quais as consequências do acolhimento da tese defensiva? (Valor: 0,50)
RESPOSTAS
A) Considerando que na data do
crime ela possuía apenas 19 anos, a contagem da prescrição para ela é feito de
metade segundo previsão do artigo 115 do CPP. Como a pena aplicada na
condenação foi de um ano, o que por interpretação do artigo 109, inciso V do
CP, a prescrição nesse caso deveria ser de quatro anos, mas como conta de mate
será, portanto de 2 anos.
Considerando
que entre o recebimento da denúncia (11/08/2011) e a publicação da sentença
(08/10/2014) passaram-se três anos, verifica-se, portanto, que ela não poderá
cumprir a pena haja vista a prescrição retroativa que ocorreu no caso.
B) A declaração da extinção de
punibilidade conforme artigo 107, inciso IV do CP.