Acredito
que vocês possam ter ficado com dúvida após verem que o STF decretou a prisão
de um parlamentar após este ter tido seu recurso improvido pela corte.
Normalmente
quando estudamos a matéria prisão nos bancos universitários, não conseguimos
ver o assunto em sua complexidade. O quem temos é apenas uma visão geral sobre
o assunto, quando muito discutindo sobre alguns personagens que são imunes e
outras questões, mas sempre de uma forma muito superficial.
O
tema prisão é bem mais complexo do que possa parecer. Sobre ele há uma gama de
circunstancias que comumente não são vistas nos bancos universitários, não por
culpa do professor, mas sim por conta do tempo que o mesmo possui para
trabalhar a ementa com os alunos.
Por
isso, visando apenas clarear qualquer dúvida que possa haver nesse sentido,
preparei um breve esboço da situação da prisão penal, para que principalmente
possamos responder: quem pode ser preso no Brasil?
Como
regra geral, podemos afirmar com muita tranquilidade que qualquer pessoa
pode ser presa no Brasil. Podendo essa prisão ser oriunda de uma sentença penal
condenatória transitada em julgado (prisão pena), pode ainda ser uma prisão
imposta logo após a prática de um crime (prisão em flagrante), ou então aquela
vista e prevista para alguns casos durante as investigações (prisão
temporária), e por fim, existe ainda a prisão que é decretada durante o curso
de um processo (prisão preventiva).
Em
apertada síntese, esse é o quadro geral das prisões que podem surgir no curso
de uma instrução criminal, mas a pergunta que fica é: essas prisões
aplicam-se à todos indistintamente ou há exceção?
Como
quase tudo no direito, para uma boa regra sempre existe uma exceção melhor
ainda. Nos casos das prisões há de fato situações, ou melhor, há de fato
personagens que por possuírem condições próprias ditas especiais, não poderão
sofrer com essa restrição da liberdade. E é isso que passaremos a ver agora.
Tópico I – Presidente da Republica
Até
pela função que desempenha chega ser óbvio que o presidente da nação goze de
certo privilégio em relação à possibilidade de ser preso.
Quanto
a isso a própria Constituição diz no seu artigo 86, §3º:
Art.
86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da
Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo
Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos
crimes de responsabilidade.
§ 3º – Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas
infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.
Logo,
o presidente da república só poderá ser preso desde que a sentença penal que o
condene já tenha transitado em julgado. Fora isso, não cabe contra o mesmo
sequer prisão cautelar.
Tópico II – Chefes dos Governos
Estaduais e Municipais
Esse
tema em particular foi alvo de discussões na doutrina sobre a possibilidade de
tais personagens serem presos. A discussão acabou ganhando repercussão, tanto
que provocou uma mudança de opinião do próprio STF.
Antes,
era o entendimento que a mesma benesse aplicada ao presidente conforme artigo
86 da CF, também seria aplicada aos governadores. Ocorre que atualmente tal
entendimento não mais representa a posição majoritária, tendo inclusive o
próprio STF declarado inconstitucional (ADI
1.026) dispositivo constante na Constituição do Estado de
Sergipe, que estendia justamente a norma vista no artigo 86 da constituição,
incorporando-a para que naquele Estado a mesma premissa também fosse possível
para o governador do Estado.
Portanto,
atualmente é entendimento majoritário que tanto Governador de estado, bem como
Prefeitos municipais podem sim sofrer com quaisquer das várias prisões
destinadas à persecução penal.
Tópico III – Chefes de Governos Estrangeiros
Esse
tópico guarda intima relação com o que é visto no início dos estudos da
disciplina direito penal I, quando em especial se verifica toda questão
envolvendo a territorialidade e extraterritorialidade da lei penal.
Entretanto,
por hora, no cabe apenas dizer que em se tratando de chefes de governos ou de estados
estrangeiros, assim como os que o acompanham, por exemplo, família,
embaixadores funcionários etc. Todos eles gozam da chamada imunidade
diplomática. Significa dizer que, se por ventura praticarem uma infração penal
enquanto estiverem no Brasil, não estarão sujeitos a lei brasileira, mas sim a
lei do seu pais de origem.
Essa
imunidade existe porque o Brasil é signatário da convenção internacional de
Viena, que disciplina as relações diplomáticas.
Tópico IV – Os Parlamentares
Talvez
seja esse o tema dos que estão sendo aqui tratados, que maior curiosidade possa
despertar. Afinal, um parlamentar pode ou não ser preso?
A
situação dos parlamentares revela uma situação completamente atípica. Posto que
ele só poderá ser preso em flagrante desde que seja por crime considerado
inafiançável e mesmo assim, após a concordância dos membros de sua respectiva
casa.
Não
basta a verificação de que um parlamentar tenha praticado uma infração penal,
além disso, ela ainda precisa ser inafiançável, por exemplo, tráfico de drogas,
e ainda sim, a possibilidade de se decretar a prisão desse parlamentar é
passada aos seus iguais, isto é, no prazo de 24 horas sua casa respectiva casa,
deverá por meio de voto da maioria absoluta dos seus membros (257 deputados/41
senadores) decidir se decreta ou não sua prisão.
Essa
garantia consta no texto da Constituição que assim dispõe:
Art.
53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer
de suas opiniões, palavras e votos.
§
2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão
ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos
serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que,
pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
Importante: não se verificou no texto do referido
artigo qualquer menção feita no sentido dessa garantia também alcançar o
legislativo municipal. Sendo assim, considerando o texto da Constituição, bem
como entendimento firmado na doutrina, essa garantia aplica-se apenas aos
membros do Congresso Nacional e também aos Deputados Estaduais. A única
imunidade que se coloca como certa no caso dos vereadores é aquela que os
permite emitir palavras, opiniões e votos, sem que com isso sejam interpelados
judicialmente.
Registrando
ainda que não se trata de uma garantia absoluta, tanto que o próprio STF já em
situações emblemáticas já ignorou tal garantia para decretar a prisão, como na
situação vista no Estado de Rondônia, onde foi decretada a prisão dos parlamentares
estaduais.
Tópico V – Membros da Magistratura e do
Ministério Público
Sobre
esses personagens, considerando as funções que eles exercem, cuidou suas
respectivas leis orgânicas por estabelecer certas prerrogativas. Dentre
elas podemos destacar as seguintes:
A
lei Orgânica da Magistratura LC Nº 35/79 - dispõe dentre outras
coisas que:
Art.
33 – São prerrogativas do magistrado:
II
– não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do órgão especial
competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável,
caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado
ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado (vetado);
A
lei Orgânica do Ministério Público (LEI Nº 8.625/93)
dispõe dentre
outras coisas que:
Art.
40. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, além de outras
previstas na Lei Orgânica:
III
– ser preso somente por ordem judicial escrita, salvo em flagrante de crime
inafiançável, caso em que a autoridade fará, no prazo máximo de vinte e
quatro horas, a comunicação e a apresentação do membro do Ministério Público ao
Procurador-Geral de Justiça;
Verifica-se
pela leitura dos dispositivos acima, que a situação envolvendo juiz e promotor
é bem semelhante para não dizer idêntica. Ambos só poderão sofrer prisão desde
que seja por ordem judicial, ou então em flagrante nos casos de infrações
penais inafiançáveis.
Tópico VI – Dos Advogados
Assim
como vimos com os personagens anteriores, o advogado também conta com certa
garantia, que te possibilita ter mais tranquilidade para o exercício do seu
labor.
No
que tange ao fato do advogado ser preso em flagrante vale dizer que essa prisão
somente poderá ocorrer nos casos de infrações penais inafiançáveis e desde que
o presidente da instituição (OAB) esteja presente no momento da prisão.
Sobre
isso diz a LEI Nº 8.906/94:
Art.
7º São direitos do advogado:
§
3º O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da
profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV
deste artigo. (IV – ter a presença de representante da OAB, quando preso em
flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto
respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à
seccional da OAB;).
Tópico VII – Dos Menores de 18 anos
A
começar vale dizer que o menor de 18 anos não pode ser preso tal como
ocorre com os adultos, mas tão somente apreendido, e isso desde que esse
menor esteja em situação de flagrante de ato infracional.
Estando
essa diretriz prevista no Estatuto da Criança
e do Adolescente, que assim dispõe:
Art.
106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato
infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente.
Além
da hipótese dele ser apreendido em situação de flagrante, existe ainda a
possibilidade do mesmo ser internado, desde que seja verificada qualquer das
situações a seguir:
Art.
122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I
– tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a
pessoa;
II
– por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III
– por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente
imposta.
§
1o O prazo de internação na hipótese do inciso III
deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada
judicialmente após o devido processo legal.
Tópico VIII – Nas Infrações de Menor
Potencial Ofensivo
Importante
se fazer essa referência, pois muitos alunos quando desafiados se seria
possível a prisão em flagrante no caso de uma infração penal de menor potencial
ofensivo, acabam errando tal questão afirmando quase que automaticamente que
não.
O
que leva os alunos a errarem tal questão é o fato de que a lei 9099/95, que
disciplina os juizados especiais criminais, diz que:
Art.
69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo
circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e
a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.
Parágrafo
único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente
encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se
imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência
doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do
lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.
O
que normalmente passa despercebido na leitura da lei é o seguinte termo: “ou
assumir o compromisso de a ele comparecer”. Então tomando conhecimento
da prática de uma infração penal de menor potencial ofensivo a autoridade
deverá proceder: i) conduzindo o autor do fato ao juizado; ii)
ou então, não sendo possível tal condução, tomando por termo o compromisso do
autor do fato de que estará comparecendo em juízo.
Agora,
caso ele se recuse a firmar tal compromisso, a autoridade poderá sim prendê-lo
em flagrante delito.
Tomando
apenas o cuidado que, em se tratando de crime de ação penal pública
condicionada ou então ação penal privada deve haver a observância do das regras
processuais:
Art. 5o
Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:
§ 4o
O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não
poderá sem ela ser iniciado.
§ 5o
Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a
inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.
Meus
caros, não esgotamos o assunto, mas acredito que essa breve “pincelada” já
sirva para pelo menos esclarecer algumas questões.
Forte
abraço!
________________________________________
Referências:
IMAGEM
– GOOGLE
LIMA,
Renato Brasileiro de. Nova prisão cautelar: doutrina, jurisprudência e
prática/Renato Brasileiro de Lima. – 2ª edição – Niterói, RJ: Impetus, 2012.
LIMA,
Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal/ Renato Brasileiro de Lima.
–Niterói, RJ: Impetus, 2013.
MACHADO,
Angela C. Cangiano Ma. Processo Penal/ Angela C. Cangiano Machado, Gustavo
Octaviano Diniz Junqueira, Paulo Henrique Fuller – 9. Ed. Ver. E atual. – São
Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2009 (ELEMENTOS DO DIREITO, V. 8)
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