Nós professores das áreas de DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL, abaixo
assinados, através do presente instrumento, vimos manifestar nossa profunda
inconformidade diante dos insuperáveis erros cometidos no X EXAME UNIFICADO
DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, realizada no dia 16 de Junho de 2013,
pelos fatos e fundamentos seguintes:
PARTE I
1 – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
É de conhecimento público que a Fundação Getúlio Vargas, respeitável Instituição responsável pela organização e aplicação do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), divulgou tanto o enunciado das questões, como tambem o denominado “gabarito comentado”, considerado pelo próprio “padrão de respostas” para a prova da 2a fase do X Exame Unificado.
O denominado
“gabarito comentado”, também conhecido como “espelho”, surpreendeu a todos pelo
inusitado, pelo imponderável, pelo absurdo que representa a resposta exigida
pela Instituição Examinadora, inviabilizando uma correção justa, coerente e
conforme com o padrão de entendimento da matéria no âmbito da academia, do meio
jurídico, da doutrina e da própria jurisprudência de nossos tribunais.
Aliás,
exatamente por conhecrem a matéria, por saberem a resposta que a questão
comportava, mesmo lacunosa, incompleta e obscura, acabaram respondendo errado,
segundo a ótica equivocada da Instituiçao Examinadora.
É de
conhecimento público que a Coordenação do Exame de Ordem e a FGV,
atendendo a reinvindicação de milhares de candidatos, anunciaram, em 20 de
Junho de 2013, A ANULAÇÃO DE DUAS QUESTÕES DISCURSIVAS DA PROVA
PRÁTICO-PROFISSIONAL NA ÁREA DE DIREITO CIVIL, do mesmo X Exame, sob
a alegação de que versariam exclusivamente sobre temas jurisprudenciais, aos
quais os examinandos não teriam acesso durante a realização da prova.
Pois, bem,
em razão dessa correta e, diga-se de passagem, acertada decisão, atribuíram a
todos os candidatos, daquela área, a pontuação integral (2,5 pontos) pelas duas
questões anuladas.
No entanto,
contraditoriamente, violando o princípio da isonomia, ainda não adotaram
a mesma providência para a prova de Direito Penal, que incorreu em erros
crassos, quiçá mais graves que em outras disciplinas, como passamos a
demonstrar adiante.
Vejamos a
seguir, nossas considerações técnico-jurídicas sobre a prova referida,
começando pela questão prática.
PARTE II
ASPECTOS
FÁTICO-JURÍDICOS
II.1 - TEXTO LEGAL
Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem,
coisa alheia móvel:
Pena — reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e
multa.
(..)
§ 5º A pena é de
reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor
que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
• § 5º acrescentado pela Lei
n. 9.426, de 24-12-1996.
II.2 – ENUNCIADO DA QUESTÃO PRÁTICA PROPOSTA
“Leia com atenção o caso concreto a seguir:
Jane, no dia 18 de outubro de 2010, na cidade de Cuiabá – MT, subtraiu
veículo automotor de propriedade de Gabriela. Tal subtração ocorreu no momento
em que a vítima saltou do carro para buscar um pertence que
havia esquecido em casa, deixando-o aberto e com a chave na ignição. Jane,
ao ver tal situação, aproveitou-se e subtraiu o bem, com o intuito de
revendê-lo no Paraguai. Imediatamente, a vítima chamou a polícia e esta
empreendeu perseguição ininterrupta, tendo prendido Jane em flagrante somente
no dia seguinte, exatamente quando esta tentava cruzar a fronteira para
negociar a venda do bem, que estava guardado em local não revelado. Em 30
de outubro de 2010, a denúncia foi recebida. No curso do processo, as
testemunhas arroladas afirmaram que a ré estava, realmente, negociando a
venda do bem no país vizinho e que havia um comprador, terceiro de boa-fé
arrolado como testemunha, o qual, em suas declarações, ratificou os fatos.
Também ficou apurado que Jane possuía maus antecedentes e reincidente
específica nesse tipo de crime, bem como que Gabriela havia morrido no
dia seguinte à subtração, vítima de enfarte sofrido logo após os fatos, já
que o veículo era essencial à sua subsistência. A ré confessou o crime em
seu interrogatório. Ao cabo da instrução criminal, a ré foi condenada a cinco
anos de reclusão no regime inicial fechado para cumprimento da pena
privativa de liberdade, tendo sido levada em consideração a confissão, a
reincidência específica, os maus antecedentes e as consequências do crime,
quais sejam, a morte da vítima e os danos decorrentes da subtração de bem
essencial à sua subsistência. A condenação transitou definitivamente em
julgado, e a ré iniciou o cumprimento da pena em 10 de novembro de 2012.
No dia 5 de março de 2013, você, já na condição de advogado(a) de Jane, recebe
em seu escritório a mãe de Jane, acompanhada de Gabriel, único parente
vivo da vítima, que se identificou como sendo filho desta. Ele informou que, no
dia 27 de outubro de 2010, Jane, acolhendo os conselhos maternos, lhe
telefonou, indicando o local onde o veículo estava escondido. O filho da
vítima, nunca mencionado no processo, informou que no mesmo dia
do telefonema, foi ao local e pegou o veículo de volta, sem nenhum
embaraço, bem como que tal veículo estava em seu poder desde então.
Com base somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser
inferidas pelo caso concreto acima, redija a peça cabível, excluindo a
possibilidade de impetração de Habeas Corpus, sustentando, para tanto, as teses
jurídicas pertinentes”. (Valor: 5,0).
II.3 – GABARITO COMENTADO PELA OAB
O candidato deve redigir uma revisão criminal, com
fundamento no art. 621, I e/ou III, do Código de Processo Penal. Deverá ser
feita uma única petição, dirigida ao Desembargador Presidente do Tribunal de
Justiça do Estado de Mato Grosso, onde o candidato deverá argumentar que, após
a sentença, foi descoberta causa especial de diminuição de pena, prevista no
art. 16 do Código Penal, qual seja, arrependimento posterior. O agente,
anteriormente ao recebimento da denúncia, por ato voluntário, restituiu a res
furtiva, sendo certo que tal restituição foi integral e que, portanto, faz jus
ao máximo de diminuição. Assim, deverá pleitear, com base no art. 626 do Código
de Processo Penal, a modificação da pena imposta, para que seja considerada
referida causa de diminuição de pena.
Além disso, o fato novo comprova que o veículo não
chegou a ser transportado para o exterior, não tendo se iniciado qualquer ato
de execução referente à qualificadora prevista no §5º do artigo 155 do Código
Penal. Por isso, cabível a desclassificação do furto qualificado para o furto
simples (artigo 155, caput, do Código Penal).
Como consequência da aplicação da causa especial de
diminuição de pena prevista no art. 16 do CP e da desclassificação do delito, o
examinando deverá desenvolver raciocínio no sentido de que, em que pese a
reincidência da revisionanda, o STJ tem entendimento sumulado no sentido de que
poderá haver atribuição do regime semiaberto para cumprimento da pena privativa
de liberdade (verbete 269 da Súmula do STJ).
Além disso, o fato de a revisionanda ter reparado o
dano de forma voluntária prepondera sobre os maus antecedentes e demonstra que
as circunstâncias pessoais lhe são favoráveis. Por isso, a fixação do regime
fechado se mostra medida desproporcional e infundada, devendo ser abrandado o
regime para o semiaberto, com base na no verbete 269 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça.
Ao final, o examinando deverá elaborar, com base no
art. 626 do CPP, os seguintes pedidos: i. a desclassificação da conduta, de
furto qualificado para furto simples; ii. a diminuição da pena da pena
privativa de liberdade; iii. a fixação do regime semiaberto (ou a mudança para
referido regime) para o cumprimento da pena privativa de liberdade.
(...)
PARTE III
AVALIAÇÃO JURÍDICA
III. 1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A TERRITORIALIDADE E TIPICAÇÃO
Antes de mais nada, deve-se examinar, preliminarmente, um aspecto
básico, que, na nossa concepção, funciona como um verdadeiro pressuposto
desse crime, qual seja, a territorialidade, que é, ao mesmo tempo, uma elementar
normativa especial do crime de “furto qualificado de veículo automotor”.
Esse aspecto é fundamental, na medida em que a qualificadora especial
somente se configura “se a subtração for
de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou
para o exterior” (§ 5º do art.
155). Dito de outra forma, não haverá essa qualificadora se a res furtiva,
representada por veículo automotor, não sair dos limites territoriais da
Unidade Federativa onde foi subtraído!
Nesse sentido, tivemos oportunidade demonstrar em
nosso Tratado de Direito Penal, Parte Especial, volume 3, 2013, p. 81:
“b) para a configuração da nova qualificadora, não basta que a subtração seja
de veículo automotor: é indispensável que este ‘venha a ser transportado para
outro Estado ou para o exterior’. Se o veículo automotor ficar na mesma unidade
federativa, não incidirá a qualificadora, pois essa elementar integra o aspecto
material dessa especial figura qualificada”. Reforçando, é indispensável que o
veículo automotor “venha a ser transportado para outro Estado ou para o
exterior”.
Pela construção da questão prática e da proposta
exigida pela OAB, no entanto, constata-se que foi ignorada que a
qualificação do crime não ocorre somente com o transporte da res furtiva
“para o exterior”, mas também quando é transportado “para outro
Estado”. Trata-se de elementar típica que não admite interpretação diversa.
O elemento subjetivo não pode ser presumido, mas deve decorrer das próprias
circunstâncias fáticas.
Com efeito, no enunciado da questão proposta
afirma-se que Jane foi presa quando tentava cruzar a fronteira do Paraguai
para negociar o veículo; por outro lado, a OAB afirma no “gabarito
comentado”, que é o seu modelo de resposta esperada, “que o veículo não chegou
a ser transportado para o exterior, não tendo se iniciado qualquer ato de
execução referente à qualificadora prevista no §5º” do artigo 155 do
CP.
Veja-se, nos próprios termos do “gabarito
comentado” da OAB, verbis:
“Além disso, o fato novo comprova
que o veículo não chegou a ser transportado para o exterior, não tendo se
iniciado qualquer ato de execução referente à qualificadora prevista no §5º do
artigo 155 do Código Penal. Por isso, cabível a desclassificação do furto
qualificado para o furto simples (artigo 155, caput, do Código Penal)”.
Dessas afirmações da prova da OAB chega-se a seguinte conclusão: ou a
OAB desconhece o tipo penal do “furto qualificado de veículo automotor” (ou
esqueceu, o que é mais provável, que é suficiente o transporte da res
furtiva para fora do estado), ou desconhecem a geografia de nosso País.
Ora, essa conclusão é inevitável, senão vejamos, segundo os dados
propostos: o furto ocorreu em Cuiabá, Estado do Mato Grosso; a autora do furto
foi presa na fronteira do Paraguai, e a OAB afirma que ela não saiu para o
exterior, logo, deve-se concluir, não passou pela Bolívia! Ora, ou suprimimos o
Estado do Mato Grosso Sul, reitegrando-o ao Estado de Mato Grosso (o que
causaria uma justa revolução naquele Estado), ou os examinadores equivocaram-se
na formulação da questão e na proposição da resposta desejada.
Constata-se, em outros termos, que a resposta pretendida pela OAB é
juridicamente impossível, qual seja, a de desqualificar o crime de furto
de veículo automotor, por não configuração da qualificadora, na medida em que a
ação foi praticada em Cuiabá e a autora foi presa na fronteira do Paraguai
tentando entrar naquele País para vendê-lo, tendo percorrido, portanto, todo o
Estado do Mato Grosso do Sul. Ou seja, transportou-o para outro Estado.
Examinando, enquanto doutrinador, o “furto de veículo automotor”,
logo após a publicação da Lei nº 9.426, de 24-12-1996, fizemos as seguintes
considerações”:
A Lei n. 9.426, de 24 de dezembro
de 1996, cria uma nova figura de furto qualificado, distinta daquelas
relacionadas no § 4º do art. 155, sempre que a coisa móvel,
objeto da ação, consistir em veículo automotor (automóveis, caminhões,
lanchas, aeronaves, motocicletas, jet skis etc.). Com essa nova
qualificadora (§ 5º), pretendeu-se inibir a conduta de subtrair
veículo automotor, exasperando exageradamente a sanção correspondente,
fixando-a entre três e oito anos de reclusão.
(...)
Essa nova previsão merece,
objetivamente, dois destaques: a) esqueceu-se de tipificar o chamado furto
de uso, tão corriqueiro na atualidade, que, reconhecidamente, constitui
figura atípica; e b) para a configuração da nova qualificadora, não basta que a
subtração seja de veículo automotor: é indispensável que este ‘venha a ser
transportado para outro Estado ou para o exterior’. Se o veículo automotor
ficar na mesma unidade federativa, não incidirá a qualificadora, pois essa
elementar integra o aspecto material dessa especial figura qualificada”.
Sintetizando, os furtos de
veículos automotores, em geral, não são atingidos pela nova qualificadora
acrescentada pela referida lei. Em outros termos, as tradicionais e
costumeiras subtrações de veículos automotores, que perturbam o quotidiano do
cidadão, não serão alcançadas pela nova qualificadora se não vierem,
efetivamente, “a ser transportados para outros Estados ou para o exterior”. Com
efeito, a incidência da qualificadora, nos termos legais, exige que o veículo
tenha ultrapassado os limites territoriais do Estado-membro ou do próprio
território nacional, pois se trata de elementar objetiva espacial.
Essa qualificadora cria um
problema sério sobre o momento consumativo da nova figura delitiva. Afinal,
pode um tipo penal apresentar dois momentos consumativos distintos, um
no momento da subtração e outro quando ultrapassar a fronteira de um Estado
federado ou do próprio País? Com efeito, quando o agente pratica a subtração de
um veículo automotor, em princípio é impossível saber, com segurança, se
será transportado para outro Estado ou para fora do território nacional. Assim,
essa qualificadora somente se consuma quando o veículo ingressa efetivamente em
outro Estado ou em território estrangeiro. Na verdade, não basta que a
subtração seja de veículo automotor. É indispensável que este “venha a ser
transportado para outro Estado ou para o exterior”, atividade que poderá
caracterizar um posterius em relação ao crime anterior já consumado.
Nessas circunstâncias, é impossível, em regra, reconhecer a tentativa da figura
qualificada quando, por exemplo, um indivíduo é preso, no mesmo Estado,
dirigindo um veículo furtado.
Teria sido mais feliz a redação
do § 5º se tivesse, por exemplo, se utilizado do tradicional elemento
subjetivo do injusto, isto é, prevendo, como especial fim de agir, a
venda ou transporte “para outro Estado ou para o exterior”. Como
se sabe, o especial fim de agir, embora amplie o aspecto subjetivo do
tipo, não integra o dolo nem se confunde com ele. Efetivamente, os elementos
subjetivos especiais do injusto especificam o dolo, sem com ele se confundir.
Não é necessário que se concretizem, sendo suficiente que existam no psiquismo
do autor”.
Enfim, venia concessa, por mais que não se
queira ser deselegante, nessa questão, a OAB foi reprovada!!! Errou
grosseiramente, tanto na formulação da questão (excluiu expressamente a única
peça viável, um HC), como também e, principalmente, na resposta exigida! A
conduta descrita, a despeito de suas lacunas, configura, em tese, o furto
qualificado de veículo automotor, tipificado no § 5º do art. 155 do CP. Por
isso, é juridicamente insustentável defender a desclassificação do crime, pelo
simples de fato de o veículo furtado não ter sido transportado para o exterior,
na medida e quem o foi para outro Estado.
Sem se falar que a indicação do local onde o
veículo se encontrava (arrependimento) ocorreu antes do recebimento da
denúncia. A defesa devia, portanto, ter sido diligente e fazer a prova durante
a instrução criminal. Nova, portanto, foi a comprovação do fato, logo,
extemporânea.
III.2 – AVALIAÇÃO
JURÍDICA DE ALGUNS DOUTRINADORES
Pedimos
venia para transcrever parte do pensamento de alguns doutrinadores que tornaram
pública, nas redes sociais, o seu entendimento, que acompanham, na essência, a
nossa concepção dos fatos. No entanto, destacamos que há uma infinidade de
professores adotando o mesmo entendimento, mas por sua qualificada quantidade
torna-se impossível transcrever aqui todas as suas manifestações. Contudo, a
subscrição deste peticionamento comprova que adotam o mesmo entendimento quanto
aos erros crassos que essa questao apresenta.
Passemos
então a trazer a colação o pensamento de alguns desses preclaros pensadores.
O
aclamadíssimo PROF. DR. EUGENIO PACELLI, ilustre Membro do Ministério
Público Federal, em uma de suas manifestações no Facebook, pontificou:
"Em recentíssimo e ainda comentado exame da OAB "caiu" questão
atinente ao furto de veículo automotor, cujo agente teria sido preso em
flagrante em região de fronteira com outro país! O veículo teria sido subtraído
no Mato Grosso do Sul.
Ora, sabendo-se que, dali, do
Mato Grosso do Sul, para se chegar à fronteira com qualquer país, o veículo
teria que ser "transportado para outro Estado", a qualificadora do
§5º, do art. 155, CP, parece ter sido consumada.
E como o espelho de resposta
parece desconsiderar essa circunstância (há outras, é verdade, que poderiam ser
sustentadas como razões para a diminuição da pena), a desclassificação apontada
ali (no espelho de respostas) presta-se a desconsiderar o aluno mais atento,
que teria percebido a alteração da coisa subtraída para outro estado da
Federação.
Embora a questão não o diga
expressamente - chegando a dar ênfase no fato de ter-se chegado à fronteira com
outro país - não se chega ali (à fronteira) sem que se "atravesse - e,
assim, se transporte - (para) outro Estado.
Nesse passo, e nessa perspectiva,
a questão está errada, no ponto em que fala em desclassificação de furto
qualificado para furto simples.
E, de outro lado, se a
interpretação é no sentido de que a simples "passagem" do veículo por
outro Estado não configuraria o tipo qualificado, a resposta estaria ainda mais
equivocada, até mesmo a se julgar pela resposta do espelho, na qual se afirma,
expressamente a viabilidade da desclassificação! Ora, desclassificar do quê
para o quê? Da tentativa (para o exterior) para o furto simples?
Em resumo: não andou bem a banca
na questão! Espera-se que assim se comporte na correção!" - Eugenio
Pacelli de Oliveira
Com a permissão, do caríssimo PROFESSOR E MAGISTRADO MINEIRO, DR.
ANTONIO JOSÉ PÊCEGO, reproduzimos a sua adesão e reforço a nossa tese, in
verbis:
"Prezados, o que o Professor Cezar Roberto Bitencourt explana neste post é o óbvio que dispensa comentários, sendo que qualquer argumento em contrário é mera especulação ou de quem tem interesse de desestabilizar. Se a ação for ganha, no que acredito, não haverá prejudicados, do contrário, na haverá alteração no quadro atual. Só sei de uma coisa que todos sabem, o direito não socorre a quem dorme. Exerça a sua cidadania com plenitude que é a expressão máxima de ter direito a ter direitos. Princípio fundamental e estruturante do nosso Estado Democrático de Direito. Confiem no renomado Prof. Dr. Cezar Roberto Bitencourt que, depois de tantos anos de dedicação profissional que lhe conferiu respeito e admiração no meio acadêmico e profissional, não seria por isso que iria jogar pela janela tudo que realizou até hoje".
Na mesma
linha de pensamento, o digno e culto Conselheiro Federal da OAB, pelo Rio
Grande do Sul, o ex-Diretor da Escola Superior da OABRS, o Professor da PUCRS, ALEXANDRE
WUNDERLICH emitiu parecer pela anulação parcial da referida questão
prática. Destacamos desse parecer, com sua autorização, a seguinte passagem:
11. Sobre o problema proposto
pela Banca, o renomado penalista Cezar Roberto Bitencourt, ex-Conselheiro
Federal da OAB, fez uma crítica visceral ao escrever um texto sob o título “OAB
erra na formulação de questão do Exame de Ordem”, publicado na
Revista Consultor Jurídico em 15 de julho de 2013.[1]
12. Em resumo, o Professor Cezar
Roberto Bitencourt[2] sublinhou:
(...)
13. O texto provocativo e, para
além de haurir divergência, é revelador da dúvida que o questionamento ensejou
aos examinandos e à comunidade jurídica.
14. A verdade é que a má-formulação
da questão, que é marcada pela falta de objetividade e pela carência de
dados concretos, possibilitou várias hipóteses sobre o caso penal.[3]
15. Para Cezar Roberto Bitencourt, se a res furtiva não fosse levada ao
exterior ou não saísse do Estado, seria possível uma tese da desclassificação.
Todavia, pela narrativa da própria questão, por razões geográficas, pode-se
entender que a res furtiva cruzou o Mato Grosso do Sul (parou noutro
Estado), impossibilitando a tal tese de desclassificação exigida pela Banca.
(...)
17. É relevante a posição do
Professor Cezar Roberto Bitencourt no sentido de que não incide a qualificadora
“se a res furtiva, representada por veículo automotor, não sair dos
limites territoriais da Unidade Federativa onde foi subtraído!”
18. Pela construção da questão
prática, no entanto, constata-se que realmente foi ignorada que a
qualificação do crime não ocorre somente com o transporte da res
furtiva para o “exterior”, mas também quando o bem é transportado para
outro “Estado”. É, pois, falho o gabarito.
19. No enunciado proposto
consta que Jane foi presa quando tentava cruzar a fronteira do Paraguai
para negociar o bem furtado. De outro lado, a Banca exige no gabarito comentado
(modelo de resposta) que o veículo não chegou a ser transportado para o
exterior, não tendo se iniciado qualquer ato de execução referente à
qualificadora prevista no §5º” do artigo 155 do CP.
20. Basta conferir o gabarito
para verificar que o fato novo a ensejar revisão criminal foi: “que o
veículo não chegou a ser transportado para o exterior”, “não tendo se
iniciado qualquer ato de execução referente à qualificadora prevista no §5º do
artigo 155 do Código Penal”.
21. De fato, o Professor Cezar
Roberto Bitencourt está legitimado a pensar que o gabarito cita “exterior”, mas
não cita “Estado”, sendo que o furto do bem ocorreu em Cuiabá (MT), restando
Jane (autora do furto) presa em flagrante na fronteira do Paraguai.
22. Entretanto, admitindo-se por
epítrope, esteja errado o Professor Cezar Roberto Bitencourt ao referir que a
condenada Jane teria percorrido o Estado do Mato Grosso do Sul para tentar
vender o veículo no Paraguai, ainda assim, sublinhe-se, a questão é
parcialmente viciada.
(...)
24. O ponto nuclear da discussão
é que a prova que exigiu a elaboração da peça processual é omissa,
pois em nenhum momento indica claramente onde está/foi deixado o veículo
furtado.
25. Então, estamos diante da
seguinte situação:
a)
se efetivamente entendermos que o veículo estava com a condenada Jane, que por
sua vez não cruzou a fronteira, por razão óbvia, o bem entrou/atravessou o
Estado do Mato Grosso do Sul, não ensejando possibilidade de desclassificação,
pois o furto seria, de qualquer forma, “qualificado” – “se a subtração for
de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou
para o exterior” (§ 5º do art. 155)”. [Esta posição é defendida pelo
Professor Cezar Roberto Bitencourt.]
b)
se, ao contrário, entendermos que a condenada Jane não dirigiu/fugiu com o
veículo até a fronteira, cabe o questionamento que é imperativo: onde
ficou o veículo furtado?
A resposta é que da questão proposta não se pode extrair o local onde a res
furtiva foi deixada/encontrada pelo filho da vítima.
No ponto, diz a questão: “exatamente quando esta tentava cruzar a
fronteira para negociar a venda do bem, que estava guardado em local
não revelado.” “...No dia 5 de março de 2013, você, já na condição de
advogado(a) de Jane... Ele informou que, no dia 27 de outubro de 2010, Jane,
acolhendo os conselhos maternos, lhe telefonou, indicando o local onde
o veículo estava escondido.” O filho da vítima, nunca mencionado
no processo, informou que no mesmo dia do telefonema, foi ao local e
pegou o veículo de volta...”
Esta omissão gravíssima por parte da Banca Examinadora, leva ao vício parcial
do questionamento, igualmente como exposto no item “a”.
26. Mais. A d. Banca exige no
próprio questionamento que o candidato formule a peça com “base somente
nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas pelo caso concreto acima”.
27. Ou seja: o próprio
enunciado diz que não cabe ao examinando presumir ou criar teses com base em
meras ilações. É vedada a suposição fática.
28. Errou na formulação do
problema e na sua exposição, a Banca Examinadora do X Exame Nacional da OAB.
29. A injustiça reside
fundamentalmente nos itens 4 e 6 do gabarito:
Item 4: “Desenvolvimento
jurídico acerca da desclassificação para furto simples (0,50), pois não houve
efetivo deslocamento do bem para o exterior (0,50) (...)” = 1,00.
Item 6: “Dos pedidos: Com
fundamento no art. 626 do CPP (0,25): 6.1) Desclassificação para o delito de
furto simples(0,25)(...)” = 0,25.
30. Inquestionavelmente, a má
formulação leva à nulidade tópica da questão que impõe a elaboração da
peça prático-profissional, devendo, no mínimo, as exigências dos itens 4 e 6,
serem parcialmente anuladas, agregando-se aos examinandos, por justiça,
a pontuação de 1,25, integralmente”. (Alexandre
Wunderlich).
Concluindo, enfim, em uma análise superficial, nos
limitamos a examinar a tipificação e a elementar normativa espacial do tipo
penal qualificado. Consideramos, para esta tarefa preliminar, prejudicados os
demais elementos, por não interessar aqui.
Por isso, acreditamos que a questão proposta é
nula de pleno direito, impondo-se a atribuição integral da nota
correspondente a todos os examinandos (ou, no mínimo, os mesmos dois pontos
e meio (2,5) que foram atribuídos aos candidatos da área de Direito Civil.
IV –
CONCLUSÃO
Os requerentes registram, preliminarmente, a convicção do acolhimento do presente pedido, pelos fundamentos acima expostos, na mesma linha da decisão adotada em relação aos examinandos inscritos em DIREITO CIVIL, bem como aos inscritos em DIREITO TRIBUTÁRIO, atribuindo-se-lhes os respectivos pontos, ou, pelo menos, dois pontos e meio (2,5) que foram atribuídos aos examiandos de Direito Civil, por uma questão isonomia.
Requerem,
finalmente, a Egrégia Comissão Nacional de Exame da Ordem dos Advogados do
Brasil, que, em nome de sua responsabilidade institucional, e em respeito
aos direitos civis e as garantias fundamentais da sociedade brasieira,
reconheça os equivocos apresentdos pela questão prática de Direito Penal, haja
por bem anulá-la, pelos fundamentos acima expostos, além de outros que
considerar pertinentes, atribuindo a pontuação correspondente a todos os
examinandos que fizeram a respectiva prova (nos moldes referidos no parágrafo
supra), como medida da mais lídima
J U
S T I Ç A !
Subscrevem a
presente, todos os professores abaixo relacionados, cuja adesão foi manifestada
via Facebook, via email e via torpedos (msm).
Brasília, 23 de julho de 2013.
CEZAR
ROBERTO BITENCOURT
Doutor em
Direito Penal (Universidade de Sevilha, Espanha). Advogado e Professor
Universitário, além disso, um dos maiores doutrinadores contemporâneos do
Brasil, Ex-Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Ciências Penais lato senso,
na PUCRS, Professor de Direito Penal no Programa de Pós-Graduação
(Mestrado e Doutorado) em Ciências Criminais da PUCRS, Professor
convidado do Curso de Doutorado em Direito Penal na Universidade Pablo de
Olavide, em Sevilha, Espanha, Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em
Ciências Penais (lato senso) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Co-autor do projeto de Mestrado interdisciplinar em Ciências Criminais da
PUCRS, Diretor da Escola Superior do Ministério Público/RS, Ex-professor de
Direito Penal na Escola Superior do Ministério Público, Diretor-Presidente do
CESUPA - Centro de Ensino Superior de Porto Alegre.
LUIZ
FLÁVIO GOMES
Diretor geral
dos cursos de Especialização Tele Virtuais da LFG. Doutor em Direito Penal pela
Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri (2001). Mestre em
Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP
(1989). Professor de Direito Penal e Processo Penal em vários cursos de
Pós-Graduação no Brasil e no exterior, dentre eles da Facultad de Derecho de la
Universidad Austral, Buenos Aires, Argentina. Professor Honorário da Faculdade
de Direito da Universidad Católica de Santa Maria, Arequipa, Peru. Promotor de
Justiça em São Paulo (1980-1983). Juiz de Direito em São Paulo (1983-1998).
FELIPE
NOVAES
Advogado,
Doutorando em Direito Penal, Mestre em Direito Penal pela UGF-RJ, Especialista
em Direitos Humanos pela UPO - Espanha, Coordenador do Curso Fórum - RJ,
Coordenador do Curso Cejus - BA, Professor de Direito Penal em diversos curso
preparatórios para concursos públicos: Curso Fórum - RJ, Curso CEJUS - BA,
Supremo Concursos - MG, Curso Lexus - RJ, Curso Jurídico - PR e Fórum TV - On
line.
RODRIGO
BELLO
Advogado e
Palestrante. Pós-Graduado Lato Sensu em Ciências Criminais
pela UGF-RJ. Colaborador do Instituto Millenium. Professor de Processo Penal e Leis
Especiais dos cursos: Curso Fórum - Rio de Janeiro; Curso Fórum TV On-Line; Curso Supremo - Belo Horizonte - MG; Curso Supremo TV On-Line; Aulas Ministradas ainda nas
cidades de Curitiba-PR, Recife-PE, Salvador-BA, Volta Redonda-RJ, Ipatinga-MG.
PAULO
HENRIQUE FULLER
Juiz de Direito
e professor de Processo Penal do Complexo Educacional Damásio de Jesus. Mestre
em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
ANDRÉ
NICOLITT
Juiz
de Direito no Rio de Janeiro e Professor Universitário.
ROGÉRIO
SANCHES CUNHA
Promotor
de Justiça no Estado de São Paulo. Professor da Escola Superior do Ministério
Público. Professor de Penal e Processo Penal.
PATRICIA
VANZOLINI
Professora
de Penal e Processo Penal do Complexo Educacional Damásio de Jesus.
BRUNO
QUEIROZ
Advogado
e Professor de Direito Penal.
RODRIGO
ALMENDRA
Advogado
e Professor de Direito Penal e Processo Penal.
GEOVANE
MORAES E ANA CRISTINA MENDONÇA.
Advogados
e Professores de Direito Penal e Processo Penal no Complexo de Ensino Renato
Saraiva.
ALEXANDRE
WUNDERLICH
Advogado.
Especialista e Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS. Atual Professor
Coordenador do Departamento de Direito Penal e Processual Penal e do Curso de
Pós-graduação em Direito Penal Empresarial da PUCRS.
DAVI
ANDRÉ
Advogado.
Professor de Direito Penal e Processual Penal do IDC e Verbo Jurídico.
RICARDO
HENRIQUE GIULIANI
Defensor
Público da União. Professor de Direito Penal e Processual Penal.
FABRICIO
DA MATA CORRÊA
Advogado
Criminalista. Especialista em Ciências Penais. Professor de Direito Penal e
Processual Penal.
[1]http://www.conjur.com.br/2013-jul-15/cezar-bittencourt-oab-erra-formulacao-questao-pratica-exame-ordem.
[2] De
igual modo, o Professor Luiz Flávio Gomes também concordou com as
críticas.
[3] Aliás,
esta é a posição externada pelo Professor Rogério Sanches Cunha, que
chegou a usar a expressão “achismo” para classificar a exigência de
desclassificação feita pela d. Banca.