Depois de ser criado na Inglaterra
e introduzido no direito brasileiro pelo imperador D. Pedro II, o tribunal
popular do júri passou por inúmeras transformações no decorrer dos anos, hoje
vale dizer que trata-se uma instituição conhecida e protegida pela Constituição
Federal de 1988, que além de fazer sua previsão estabeleceu ainda quais devem
ser os seus pilares.
A carta de 1988 estabelece no
seu artigo 5º inciso XXXVIII, que;
XXXVIII - é
reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:
a) a plenitude de
defesa;
b) o sigilo das
votações;
c) a soberania dos
veredictos;
d) a competência
para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
Dentre os princípios afetos ao
tribunal popular do júri merece maior destaque a plenitude de defesa. Embora
aparentemente simples, e por muitas vezes confundido com o princípio da ampla
defesa, esse princípio muito além do significado literal de suas palavras,
representa uma verdadeira garantia à todo aquele que seja submetido ao
julgamento pelo júri.
Normalmente quando se fala em
ampla defesa costuma-se dizer que ela garante ao acusado o direito de se valer
de tudo dentro do universo jurídico para provar a veracidade de suas alegações
ou então desacreditar as teses da acusação.
Ocorre que o termo: Plenitude,
empregado no júri, por ser essencialmente mais do que a simples ampla defesa, autoriza
sob sua responsabilidade a utilização de argumentos metajurídicos, isto é,
fatos e argumentos que não encontram amparo no direito. Mas, além disso, é possível
se verificar na prática algumas situações que surgem como desdobramentos, ou
melhor, como reflexos da força dessa plenitude que servem para confirmar a
importância desse princípio dentro do júri.
Antes de traçarmos alguns
exemplos sobre os efeitos não claros da plenitude defesa, vale destacar que
essa plenitude atinge apenas a defesa, logo, não há que se falar em plenitude de acusação.
A
OBRIGATORIEDADE DE UMA DEFESA TÉCNICA PERFEITA.
Esse ponto é simples e para se
entender o porquê, basta se responder a seguinte indagação: “Se você estiver
para ser julgado no júri, você deseja ser bem defendido?”
Embora tal pergunta possa
parecer absurda, a ideia por de trás é simples. Um acusado no tribunal do júri
tem o direito de ser bem defendido, defendido por um profissional competente.
Como desdobramento da
plenitude de defesa, caso se verifique que o acusado não esta sendo bem
defendido, isto é, se o advogado que o defende não tem noção do caso,
desconhece o funcionamento do júri e ainda, caso não tenha um mínimo de
traquejo com a área criminal, nessas situações o julgamento não poderá seguir.
Nessas hipóteses, como desdobramento do direito a uma defesa plena que o
acusado possui, o juiz não poderá seguir com o julgamento.
Tal situação embora na prática
não seja tão comum, esta sedimentada no código de processo penal no artigo 497,
no seu inciso V:
Art.
497. São atribuições do juiz presidente
do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código:
(...)
V –
nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso,
dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a
constituição de novo defensor;
O
PROBLEMA DO TEMPO QUANDO HÁ MAIS DE UM ACUSADO.
A questão do tempo é por
deveras importante e na prática ainda vem passando despercebida, sobretudo pela
situação vista no tópico anterior.
O que se coloca agora para
discussão é a situação da plenitude de defesa frente ao disposto no artigo 477,
§2º do CPP.
Art.
477. O tempo destinado à acusação e à
defesa será de uma hora e meia para cada, e de uma hora para a réplica e outro
tanto para a tréplica.
§1º
Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a
distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz
presidente, de forma a não exceder o determinado neste artigo.
§2º
Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo para a acusação e a defesa será
acrescido de 1 (uma) hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica,
observado o disposto no § 1o deste artigo.
Na redação do §1º, não se
verifica problema. Por outro lado, no §2º, diz-se que caso haja mais de um
acusado haverá o acréscimo de mais uma hora. Talvez num primeiro momento possa
parecer esta tudo certo, posto que haverá o acréscimo de uma hora. O problema
na verdade surge, e com isso a violação da plenitude de defesa, porque esse
simples acréscimo de uma hora já determinará um decréscimo das defesas.
Imagine uma situação onde dois
acusados são levados ao tribunal popular do júri, ambas as defesas deverão
dividir o tempo de duas horas e meia, ou seja, cada qual poderá fazer a
apresentação de suas teses no período de uma hora e quinze minutos. Já se nota,
em detrimento do tempo normal caso fosse apenas um acusado, uma diminuição de
quinze minutos. Embora se acredite que o tempo é aumentado em razão do concurso
de agentes, o que se verifica na prática é exatamente o oposto, o tempo ele é
reduzido! Daí o questionamento: por que se for julgado sozinho terá o tempo de
uma hora e meia, e caso haja concurso de agentes o tempo será de uma hora e
quinze?
Considerando toda a
complexidade que o um concurso pode trazer a causa, o exercício temporal
deveria ser para aumentar o tempo e não o contrário.
Há quem veja essa situação e
diga que quinze minutos não farão diferença. Embora se saiba que no júri todo o
tempo é precioso, sobretudo nos casos onde a mídia já cuidou previamente por
facilitar o trabalho da acusação, a situação torna-se muito pior se ao invés de
dois acusados, forem três, quatro, cinco, seis etc.
O tempo à ser acrescido
segundo a lei, de uma hora, não é condicionado pelo numero de acusados,
significa dizer que independentemente do numero de pessoas que estejam sendo
levadas ao júri, o tempo total será apenas de duas horas e meia. Ou seja, no
caso de haver, por exemplo, seis acusados, cada defesa deverá atuar em no
máximo 25 minutos.
Agora talvez fique mais claro,
como pode haver plenitude de defesa em 25 minutos? Impossível!!!
Seguindo a essência da
plenitude de defesa, dever-se-ia no mínimo manter o mesmo tempo de uma hora e
meia para cada um, não existe razão para se diminuir o tempo. Uma vez que
entende-se que uma hora e meia é suficiente para uma defesa atuar. Todavia, não
se pode pensar diferente quando se aumenta o numero de acusados, até porque, é
muito tranquila a conclusão de que tal situação é por certo inconstitucional,
tanto por violar a própria plenitude de defesa, como ainda o princípio da
igualdade.
Se o que rege o júri é de fato
a plenitude de defesa e não a economia temporal, deve-se manter inalterado o
tempo que cada um possui para falar, independemente do numero de acusados que
existam.
A
POSSIBILIDADE DOS JURADOS TEREM SUAS PERGUNTAS RESPONDIDAS PELA DEFESA –
Muito embora se diga que na
dúvida o acusado deve ser absolvido, isso mesmo se tratando de um juiz leigo
que é o caso do jurado, justamente para não se correr o risco de ocorrer o
contrário, isto é, alguém ser condenado porque o jurado estava com dúvida, é
importante que caso o jurado tenha alguma dúvida possa a defesa esclarecê-la.
A incomunicabilidade que
vigora no júri é apenas entre os jurados, mas nada impede que um jurado indague
à defesa sobre determinado ponto que tenha sido levantando durante sua fala.
Até porque, não se deve esquecer que via de regra os jurados representam
pessoas comuns do povo, pessoas que normalmente não têm a mínima noção de
direito, logo, por que não poder explicar alguma situação que tenha mais confundido
do que explicado?
Pensem na situação onde a
defesa sustente a tese de erro de tipo essencial, ou então de legítima defesa
putativa, ou ainda sobre algumas causa de exclusão de culpabilidade, enfim, se
para muitos da área do direito esses institutos representam um grande desafio
de compreensão, imagine em jurado que é completamente leigo.
O objetivo não é tornar a
defesa em plenário em uma aula de direito, mas apenas tornar mais claro algum
ponto dito pela defesa que pode ter mais confundido do que explicado.
Permitindo poder explicar algumas dessas situações poder-se-á evitar que alguém
seja condenado porque sua defesa não foi entendida.
A
POSSIBILIDADE DO ACUSADO FALAR ALÉM DO INTERROGATÓRIO
Normalmente o interrogatório
que ocorre no júri, além do direito ao silêncio, por causa da plenitude de
defesa é permitido ao interrogado falar além das perguntas, geralmente esse ato
se encerra com a com a pergunta: “existe mais alguma coisa que você queira
dizer em seu favor?”, como resposta o acusado pode falar o que quiser.
Mas além desse momento, caso
surja a necessidade de durante a fala da defesa, no momento dos seus debates, o
advogado e o acusado conversam sobre algum ponto do crime em julgamento.
Claro que a defesa técnica
ficará a cargo do advogado que é quem possui capacidade postulatória para isso,
mas nada obsta que advogado e acusado conversem durante o julgamento até para
se confirmar aos olhos e ouvidos dos jurados que não é o advogado, quem estaria
inventando uma história.
Essa interação ente advogado e
acusado durante os debates pode aumentar e muito o sucesso da defesa, no ponto
que isso poderá tornar mais crível a história que o acusado já disse no
processo.
A
IMPOSSIBILIDADE DA DEFESA SER SURPREENDIDA EM PLENÁRIO.
Vale destacar de forma primária
que isso se aplica na segunda fase do procedimento do júri, porém não falamos
aqui na obrigatoriedade prevista no artigo 479 do CPP:
Art.
479. Durante o julgamento não será
permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido
juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se
ciência à outra parte.
O que se coloca agora em
discussão é surpresa que pode ser gerada no tribunal quando já no plenário a
acusação muda completamente sua visão dos fatos e passe a imputar ao acusado um
crime até agora não visto, sugerido ou mesmo comentado.
A situação parece descabida,
mas merece reflexão, por exemplo, imaginem um caso onde há vários acusados de
terem cometido um crime de homicídio qualificado. Pensem agora que um desses
acusados esta ali simplesmente porque era o dono do carro que levou e tirou os
verdadeiros autores do crime do local onde tudo ocorreu.
Imaginem agora que analisando
o dolo desse acusado, o próprio acusador se convença de que ele não teve a intenção
de praticar o crime e que desconhecia completamente qualquer intenção dos
demais. Caso o promotor peça em sua fala a desclassificação para outro crime,
isso não poderá ocorrer simplesmente porque não pôde a defesa falar nada sobre
esse novo crime, e lembrando ainda que o júri é competente apenas por julgar os
crimes dolosos contra a vida, esse outro crime sequer poderá ser quesitado.
Nesse exemplo, caso o julgador
avoque a competência e decida julgar o crime pelo qual foi desclassificado, ele
não poderá fazê-lo posto que seria o mesmo que condenar o acusado sem que este
tenha se defendido dessa nova acusação. Seria como pensar na aplicação do
instituto da mutatio libeli[1],
mas sem o procedimento que a lei prevê. Não se tem dúvida neste caso do enorme
prejuízo que a defesa teria, por isso que aos olhos da plenitude de defesa isso
não pode ocorrer.
CONCLUSÃO
Embora seja uma instituição
por deveras antiga, o júri não pode ser estanque, sobretudo agora em que se
observa uma inflação das garantias constitucionais. O Brasil, se comparado com
outros países é de fato muito novo, nossa democracia só agora parece esta
ganhando forma e nessa linha de pensamento o que dizer dos direitos previstos
na Constituição.
Sem exagero nenhum, ainda é
possível hoje encontrar pessoas pelo país que sequer sabem o que é uma
Constituição, que desconhecem completamente os direitos e ou princípios
fundamentais taxados como garantias individuais. Há alguns anos isso era mais nítido,
mas como foi dito sobre a democracia de que ela hoje esta se fortalecendo, isso
se deve muito à maturidade do povo brasileiro que passou a ter mais acesso à informação
e com isso passou a conhecer mais os seus direitos.
Um exemplo dessa situação vale
dizer sobre a recusa de alguns em fazer o bafômetro. Isso obviamente só veio a
tona na primeira década deste século, mas a reserva legal deste princípio já existia
desde de 1988.
E pasmem, que o conhecimento
disseminado na própria sociedade não levava nem mesmo o nome correto do princípio
que é “Nemo tenetur se detegere” ou
então simplesmente direito ao silêncio, o que se passou a ouvir foi sobre o princípio
de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Isso apenas demonstra que a
medida em que as pessoas tomam conhecimento dos seus direitos elas passam a
exercê-los de forma plena. Esse mesmo raciocínio se encaixa no júri sob a ótica
da plenitude defesa, visto que a medida em que os efeitos dos princípios são
estudados a partir dai novas possibilidades de aplicação vão se apresentando.
O que não se pode hoje
permitir é que as autoridades envolvidas, ministério público e ou magistratura,
obriguem que, mesmo após se entender a perfeita ou nova dimensão de cada um dos
princípios, a atuação da defesa seja limitada.
Referências
As mazelas do processo penal - 6ª Parte - https://fabriciocorrea.jusbrasil.com.br/artigos/325443944/as-mazelas-do-processo-penal-6-parte
Constituição Federal – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm;
Código de Processo Penal – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm;
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentando – 13ª Edição, revista
atualizada e ampliada – Rio de Janeiro: Forense, 2014.
[1] Art. 384.
Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição
jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou
circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público
deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude
desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se
a termo o aditamento, quando feito oralmente. (Redação dada pela Lei nº 11.719,
de 2008).
§
1o Não procedendo o órgão do Ministério
Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código. (Incluído pela Lei nº
11.719, de 2008).
§
2o Ouvido o defensor do acusado no prazo
de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer
das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição
de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e
julgamento. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§
3o Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e
2o do art. 383 ao caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
§
4o Havendo aditamento, cada parte poderá
arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz,
na sentença, adstrito aos termos do aditamento. (Incluído pela Lei nº 11.719,
de 2008).
§
5o Não recebido o aditamento, o processo
prosseguirá.