“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)
Dentre os muitos sentimentos que o “processo do mensalão”
tem provocado na sociedade, não há como negar que depois do voto proferido pelo
Brilhante Ministro Marco Aurélio Mello, todos tenham se sentido afagados. Ainda
que se chame de Voto, o que se viu foi uma verdadeira aula de direito.
A essência da democracia, muito mais que permitir à todos
expor suas opiniões, garante ainda que todos ouçam e até mesmo admirem os argumentos
contrários, sem contudo, colocar em risco o seu próprio entendimento. Ainda que
haja posicionamento diverso, e o plenário demonstrou isso muito bem, a opinião
do Ministro deve ser aplaudida porque demonstra que realmente insofismável
saber jurídico.
Talvez, seja extasiado o sentimento que melhor possa
traduzir o sentimento de todos frente ao voto proferido pelo ilustre Ministro. Foi
sem dúvida um dos momentos mais marcantes da história do Supremo.
Por isso, segue abaixo o link para quem não viu ver,
assim como para quem já viu ver novamente aquela magistral aula de direito e
cidadania.
Seguindo
com a análise sobre aquelas que estamos listando como sendo as atuais mazelas
do processo penal, considerando os comentários feitos na última postagem,
gostaria de tornar a publicar um artigo que escrevi justamente quando pensava
no tema das mazelas.
Quando
ainda rabiscava algumas palavras sobre as mazelas, o tema “MÍDIA” surgiu tão
forte, que na mesma época fiz um artigo sobre ele que recebeu o seguinte
título: “O poder da mídia sobre as pessoas e sua interferência no mundo do
Direito”
É
inegável a influência que a mídia tem hoje no direito, e por isso, torno a
publicar esse artigo que , repito, não é inédito, mas que vale pena frisarmos
agora como sendo ele também um exemplo de mazela.
# 2ª PARTE
A Difícil relação entre Mídia e Direito
Não
é de hoje que vemos e sabemos da força que a mídia possui, e isso fica mais
nítido quando por meio de toda essa força ela passa a inculcar nas pessoas uma
ideia ou mesmo um ponto de vista já formado sobre determinado assunto. E note
que quando fazemos referência à mídia, estamos na verdade nos referindo à todas
as suas formas de veiculação, seja ela falada, escrita, televisada e até aquela
feita pelos meios virtuais e outros meios que sejam possíveis.
Não
se nega que a mídia possua relevância impar para a manutenção de uma
democracia, entretanto, isso não significa que às custas deste argumento ela
possa manipular, ainda que de forma velada, tudo aquilo que é veiculado a fim
de movimentar a massa social num determinado caminho.
Por
isso que se deve questionar: até que ponto a mídia deve atuar e quais os seus
limites em um Estado
verdadeiramente democrático?
Esse
questionamento consiste no fato de que muitas das vezes a sociedade não passa
de massa de manobra na mão da mídia, utilizada toda vez que o apoio social é
visto como preponderante para uma questão específica. Sempre que determinado
assunto carecer do apoio social, e claro, havendo reciprocidade entre a mídia e
os privilegiados com a ação, a sociedade passa a ser bombardeada com notícias,
reportagens, propagandas e até publicidades, que possuem o mesmo objetivo, qual
seja, conseguir o apoio da sociedade.
Nos
últimos anos, impulsionados pela difusão dos meios de comunicação,
principalmente dentre as classes sociais ditas de menor poderio econômico, o poder
da mídia ficou ainda maior. É notória toda essa influência e persuasão que ela
possui principalmente na parte mais pobre da sociedade, vez que esta, formada
na sua maioria por pessoas com pouca instrução, acaba tomando como verdade
absoluta tudo que é veiculado, justamente por não possuírem meios e ou
condições de discordar daquilo que é dito.
O
problema maior de tudo isso, não obstante a influência já dita, esta no fato
que muitas notícias veiculadas principalmente as relacionadas com o universo
jurídico, estão, quase sempre, dissonantes daquilo que realmente é, ou seja, da
verdade. Muitos fatos transmitidos, principalmente na TV, não possuem qualquer
relação com o que de fato são, e isso ocorre simplesmente porque a verdade em
muitos momentos “não é um bom negócio”, isto é, não vende notícia e não dá
ibope, por essa razão ela acaba sendo passada, digamos, de uma forma mais
interessante.
Se
no processo judicial estamos acostumados com o contraditório e a ampla defesa,
o mesmo não pode ser dito das notícias veiculadas na mídia, posto que na grande
maioria das vezes aquilo que é posto em forma de notícia não se direciona
simplesmente para informar ou mesmo possibilitar que as pessoas tenham
condições de formar suas próprias convicções, muito pelo contrário, da forma
que tem sido feito, todo aquele que lê, assiste ou ouve determinada notícia
esta muito mais propício a seguir a opinião apresentada e defendida do que
propriamente formar sua própria.
A
influência gerada pela mídia tem atingido patamares tão altos, que na mesma
proporção tem tornado a questão ainda mais séria e preocupante, posto que temos
notado que nem mesmo algumas entidades públicas que deveriam de fato zelar pela
boa aplicação do direito, nem mesmos essas instituições têm conseguido permanecer
imune a toda essa influência, na prática elas têm sucumbido a esse grito
desesperado de “justiça” feito pela sociedade, mas que por de trás tem a mídia
como autora mediata.
Apenas
como exemplo do que esta sendo dito, podemos citar tranquilamente a questão do
dolo eventual, que no início referia-se apenas aos crimes de trânsito. A
discussão de fato só passou a existir quando casos específicos começaram a
ganhar a capa dos jornais e minutos nos telejornais. Desde então o que se viu
foi justamente aquilo que em outros momentos já chamamos “de banalização do
dolo eventual”, isto é, se passou a aplicar uma ficção jurídica específica
de forma abstrata, tão somente para impedir a aplicação de uma lei, diga-se a
correta, e invocar uma medida mais gravosa.
Deixando
a questão mais clara sobre esse ponto, organizando cronologicamente, vale
ressaltar primeiro que muitos acidentes graves, envolvendo bebida e direção,
foram postos nas muitas mídias disponíveis como forma de incitar na sociedade
um sentimento de inconformismo e revolta, sempre ressaltando questões cruciais
como, por exemplo, o estado da vítima e sua família, quantidade de pena,
medidas substitutivas aplicáveis, enfim, sempre situações que provocassem na
sociedade um sentimento comum de “impunidade”.
Feito
isso, com o passar de pouco tempo, tamanha a repercussão que essas notícias
geravam que não demorou muito para que todos passassem a fazer aquilo que
comumente é feito no Brasil, criticar a legislação do país, clamando por leis
penais mais duras e rígidas. Um discurso já visto quando falamos em populismo
penal, tema este que a propósito é muito bem sustentado pelo professor Luiz
Flávio Gomes.
A
bem da verdade, um dos muitos defeitos dos brasileiros é de fato criticar as
leis sem ao menos conhecê-las. A população tem por hábito dizer que o país
precisa de leis mais duras, porém, desconhece completamente aquilo que já
existe.
Isso
por sua vez deságua em outro movimento preocupante que é o excesso de leis
penais que são formuladas no país, seja para dar conta de uma situação
específica ou mesmo para responder um fato específico, apenas como um “cala
boca” social. Assim foi há certo tempo com a famigerada lei dos crimes
hediondos, que representa claro exemplo de direito penal de emergência, como
recentemente também o foi com já conhecida “lei Carolina
Dieckmann”.
E
por ai seguem muito outros exemplos de que a mídia não só contribui para
formação de opiniões equivocadas, como também tem favorecido para um movimento
legiferante penal extremamente excessivo e desproporcional. Isso nos
remetendo mais vez para a idéia do professor Luiz Flávio Gomes sobre Populismo
penal.
Mas,
retomando o exemplo dos acidentes de trânsitos envolvendo consumo de bebidas.
Com a sociedade já “contaminada” pela repercussão que se passou a dar sobre os
acidentes envolvendo motoristas embriagados, e principalmente pelo fato do
Código de trânsito Brasileiro (CTB) fazer apenas previsão de culpa, que
sabidamente possui pena menor, como forma de tornar mais severa a situação e a
punição do agente infrator, se passou então a aplicar a ficção do dolo eventual
a todos os casos dessa natureza, justificando essa mudança de aplicação com a
hoje muito conhecida frase: “o agente assumiu o risco do resultado”.
Até
pouco tempo, não se ouvia falar, salvo nos ambientes jurídicos, sobre a
expressão e o significado do dolo eventual. Hoje, por conta de tudo isso, dolo
eventual passou a fazer parte do dia a dia dos brasileiros, qualquer fato que
para o leigo possa representar um risco assumido pelo agente, ele dirá logo que
trata-se de um caso de dolo eventual.
É
impressionante e não se pode negar, a mídia conseguiu fazer com que todos
passassem a invocar um instituto de direito penal, sem ao mesmo entender do que
se trata, posto que essa ficção (dolo eventual) não deve ser resumida a um
simples risco de agir. Entretanto, foi justamente essa a ideia que a mídia quis
e conseguiu colocar na mente das pessoas.
Como
dito acima, no início a questão do dolo eventual resumia-se tão somente aos
casos de embriagues ao volante, mas ocorre que toda essa banalização acabou
ganhando contornos ainda maiores, tanto que hoje, como fruto dessa semente
plantada pela mídia, muitos outros crimes e situações também passaram a ser
vistas pelo prisma do dolo eventual. Podemos pegar como exemplo o caso que
ainda na esta na mídia que foi o incêndio na boate KISS, onde depois da
investigação feita pela polícia civil, várias pessoas foram indiciadas pela
polícia por conta do dolo eventual.
Vejam,
que tamanho foi o absurdo visto na imputação feita nesse caso, que dentre os
indiciados esta o cantor do grupo que se apresentava e que de fato deram início
ao incêndio. Até ele foi indiciado por homicídio doloso em razão do dolo
eventual, porque segundo dito a priori pela polícia, teria ele assumido
o risco do resultado. Mas o que questionamos nesse ponto é: dolo eventual de
que? Suicídio? Então é correto dizer que ele verificou a possibilidade de
morrer queimado no incêndio e aceitou esse resultado!?
O
porquê disso tudo, tanto do exagero visto na imputação, bem como da invocação
do dolo eventual, resumi-se apenas ao fato de que não obstante a gravidade do
incêndio e do numero de vítimas, a mídia não deu descanso para nenhuma das
autoridades que cuidavam do caso.
Noutro
quadro, outro exemplo que também reforça o que estamos dizendo, foi o caso
visto recentemente em São
Paulo, onde um rapaz atropelou um ciclista e depois do
acidente empreendeu fuga do local sem prestar socorro e ainda dispensou o braço
decepado da vítima em um rio. Por clara influência da repercussão dada ao caso,
desde o início já se passou a falar que o agente assumiu o risco do resultado
morte, posto que supostamente teria ele feito uso de bebidas alcoólicas na
noite anterior. Todavia, muito diferente do que comumente se vê, nesse caso em
especial, o juiz que recebeu o flagrante proferiu decisão que emana conhecimento
jurídico penal, pois explica com uma clareza solar a completa incompatibilidade
entre dolo eventual e a tentativa de homicídio. Mas isso, infelizmente, tem
sido a exceção no meio jurídico.
O
que há de preocupante nesses exemplos, remontando e ratificando aquilo que
dissemos anteriormente, é que não só a sociedade é atingida e influenciada pela
pressão da mídia, como na maioria das vezes as instituições públicas ligadas à
aplicação do direito penal, também o são e isso resta claro por meio de muitas
decisões inusitadas.
Doravante,
claro que a questão do dolo é apenas um dos muitos exemplos da influência que é
exercida pela mídia. Outrossim, de forma até mais preocupante esta a questão
dos casos levados a julgamento perante o Tribunal Popular do Júri, em especial
àqueles onde a primeira fase do procedimento tenha ocorrido sob o enfoque de
uma câmera de TV.
Muitos
são os exemplos que servem ao caso, valendo citar: o caso Von Richthofen,
Lindemberg, os Nardonis, o ex-goleiro Bruno, sem esquecer é claro do caso do
Misael Bispo que foi o primeiro julgamento transmitido pela ao vivo pela TV.
O
que importa ressaltar é que dada a notoriedade que eles tiveram corroborados
principalmente pela forma com que a mídia lançava as informações, que nada mais
eram do que acusações mascaradas, todos aqueles que se sentaram e compuseram o
conselho de sentença, todos, indiretamente por terem acompanhado tudo que era
lançado na mídia, quando do julgamento cada um já tinha certo, porém, velado o
seu decreto condenatório, e isso não é culpa dos jurados, mas sim da mídia.
Ressalta-se que em todos esses exemplos, aquilo que soou como uníssono foi justamente
a condenação dos réus.
Por
esse prisma, e levando em conta esses casos específicos, como não questionar a
validade e até segurança jurídica de um júri feito em tais condições. Como
efetivamente garantir a um réu que ele tenha plenitude de defesa, quando as
pessoas que vão para julgá-lo já chegam em plenário prontas para condená-lo,
justamente por conta de tudo que viram e ouviram durante todo o tempo que o
processo esteve na mídia.
Fala-se
em paridade de armas na relação entre acusação e defesa. Todavia, que paridade
é essa onde a defesa já inicia um julgamento derrotada, e tem, num curto espaço
de tempo que desconstruir anos de acusações lançadas na mídia e principalmente
na mente daqueles que irão julgar. Que paridade é essa?
De
outra feita, além de influir na mente dos jurados, igualmente é o resultado se
olharmos para a duração do processo. A fim de tornar mais clara toda essa
questão basta traçar um comparativo do tempo despendido para julgar um caso que
esta na mídia de outro que não teve a mesma atenção.
A
influência na duração razoável do processo é gritante, tanto que é
desnecessário lançar mão de exemplos, posto que cada pessoa conhece ou sabe do
cometimento de crimes graves, semelhante aos citados, mas que por não
terem recebido a mesma atenção dos holofotes da mídia, não tiveram ou não têm a
mesma pressão. Tanto que em relação a estes, ninguém sabe ao certo quando serão
levados a julgamento. Muitos na verdade, cometidos há tantos anos atrás, hoje,
caminham muito mais para a extinção pela prescrição do que para outra coisa.
Bem,
depois de tudo que foi dito, fácil é a conclusão e a verificação de que o
problema principal esta na mídia. Desta forma, quem sabe a solução para toda
essa questão não seja a reformulação na forma de se fazer a notícia, que
seja ela verdadeiramente imparcial, que antes mesmo de se tentar a todo custo
saciar a fome por notícias sensacionalistas, tenham seus respectivos
responsáveis respeito à Constituição da Republica Federativa do Brasil, no
sentindo de tratarem todos como presumidamente não culpados, e não o contrário
como temos visto.
Invocar
a Constituição apenas quando há interesse em fazê-lo não é o caminho, ainda que
esteja ali previsto que todos possuem o direito à: informação (art. 5º,
inciso XIV da CF/88), manifestação de pensamento (art. 5º, inciso IV da
CF/88) (que faço agora), e mais, ao sigilo das fontes (art. 5º, inciso
XIV da CF/88). Todas essas garantias constitucionais não devem ser
desvirtuadas e tampouco devem servir de escudo para justificar o
injustificável. Pelos anos, quantas pessoas já não sangraram pela mídia, apenas
para que ela tivesse o que escrever?
Vale
citar como exemplo, o famigerado caso da Escola Base de São Paulo. Esse
caso em especial marcou não só a década de 90, mas como todo o século passado
como maior erro jornalístico que se teve notícia. Denominado pela mídia de
“Caça as Bruxas”, o caso cuidava de uma acusação de abuso sexual praticado
contra crianças, que teoricamente teriam sido abusadas na escola, onde as
violências teriam sido praticadas pelos donos bem como por alguns funcionários.
O fato na época ganhou espaço em todos os telejornais que preocupados
simplesmente com IBOPE, veiculavam paulatinamente notícias absurdas, expondo as
crianças (“vítimas”) na frente das câmeras para elas dizerem o que teria
acontecido.
Enfim,
pode-se dizer que foi uma inquisição moderna, posto que todos os apontados como
autores, passaram a ser odiados pela sociedade de tal forma, que mesmo depois
de provada a inocência deles, ainda há quem duvide disso. Tudo, simplesmente
pela forma com que a mídia cuidou da questão.
Importa
dizer que tamanha a gravidade de uma notícia feita sem responsabilidade, que
mesmo tendo sido provado de que as “bruxas” na verdade nada haviam feito, que
até hoje eles sofrem pelo ocorrido. O que foi para o telejornalismo apenas mais
uma notícia, foi o suficiente para acabar com a vida de todos os envolvidos, em
especial os donos da escola, que até hoje trazem consigo a marca da “Escola
Base”.
Visando
evitar que fatos assim tornem a ocorrer, visualiza-se como solução para toda
essa questão a necessidade de se estabelecer parâmetros éticos mais rígidos
para a atividade jornalística de uma forma geral. A ética desta profissão,
assim como a de todas as demais, deve estar pautada não no interesse individual
do profissional no sentido de autopromoção ou de promoção da empresa, mas sim
no interesse da sociedade de receber apenas a verdade. Não é a ética de um
grupo que deve se sobressair, mas sim, a ética do todo.
Certa
vez, a presidenta da república disse que prefere os gritos de uma impressa
livre do que o silêncio de uma ditadura. Essa afirmação não esta de toda
errada, pois foi feita por alguém que viveu de perto todos os horrores da
ditadura e como consequência toda a censura que havia na época. O problema é
como ensinar aos novos brasileiros, que quando muito só conhecem esse período
da história por livros ou então por documentários feitos pela própria TV, como
ensinar para essas pessoas que toda essa liberdade defendida para impressa deve
possuir limites, como explicar que ela não pode ser feita da forma
indiscriminada e irresponsável como tem sido feito.
Vivemos
em uma democracia que ainda esta em formação, e por serem ainda fortes as
marcas deixadas pela ditadura, há de fato um grande cuidado e receio em se
tratar a impressa, justamente para que nenhum ato seja interpretado como
censura ou mesmo como desejo de se voltar àquela época.
Não
será com atitudes extremadas que formaremos uma democracia plena, pois qualquer
que seja o ato extremado, seja para reprimir ou para liberar, ele não favorece
a obtenção desse resultado. Temos sim, que efetivamente aprender a conviver com
essa liberdade proporcionada pela democracia, que diga-se, não é uma liberdade
irrestrita, muito pelo contrário, deve-se sempre ter como parâmetro o fato de que
não há um direito absoluto, por isso não é possível sacrificar tudo em prol de
uma reportagem. Se nem a vida ocupa lugar absoluto em nosso ordenamento
jurídico, quem dirá a informação, esta que principalmente, conforme já vimos,
nem sempre é sinônimo de verdade.
Por
fim, a forma de se fazer notícia deve ser revista, ela não deve ter o fim de
formar convencimento, mas apenas de transmitir informações no ponto em que às
pessoas que a recebem, ao invés de simplesmente seguirem um pensamento posto,
possam efetivamente formar suas próprias impressões, convicções, opiniões e
conclusões sobre determinado fato. Isto é de fato liberdade, não só de passar
informação, como ainda liberdade de pensar e pensar para se buscar o melhor.
Enquanto
não se mudar a forma de se fazer e transmitir as notícias no Brasil, devemos
primordialmente mudar a nossa percepção ao receber uma informação, não devemos
considerá-la como verdade absoluta. Devemos sim, de outro modo, analisá-las,
antes de qualquer coisa como uma mentira, mas uma mentira que possui potencial
de ser tornar verdade.
E a pergunta continua: quais seriam as outras Mazelas???
Como fazemos sempre antes da 2ª fase da prova da OAB,
estou listando um retrospecto das peças de penal que a FGV tem cobrado desde
que assumiu o certame.
O histórico é o seguinte:
Exame 2010.2 -
RESPOSTA ESCRITA À ACUSAÇÃO com fundamento nos artigos 396 e 396-A do CPP.
III Exame de Ordem Unificado – Recurso em Sentido Estrito,
na forma do art. 581, inciso IV do Código de Processo Penal – recurso próprio
para atacar decisão de primeira fase do procedimento do Júri;
IV Exame de Ordem Unificado – Apelação, na forma do artigo 593, I, do
Código de Processo Penal;
V Exame de Ordem Unificado – Apelação, na forma do artigo 593, I, do
Código de Processo Penal. Nota-se que houve exatamente repetição da peça
cobrada.
VI Exame de Ordem Unificado – Relaxamento de Prisão. OBS: em se
tratando de peças dessa natureza deve-se redobrar a atenção para as mudanças
introduzidas pela lei 12.403/11, que inovou o quadro da prisão processual;
VII Exame de Ordem Unificado – Apelação, na forma do artigo 593, I,
do Código de Processo Penal;
VIII Exame de Ordem Unificado – Resposta Escrita à Acusação, na forma
dos artigos 396 e 396-A do Código de Processo Penal;
X – Exame de Ordem
Unificado – Revisão Criminal – na forma do artigo 621, incisos I e II do Código
de Processo Penal (http://direitopenalemdia.blogspot.com.br/p/blog-page_27.html)
Mesmo
não tendo a mesma bagagem adquirida pela vasta experiência que meus mestres
possuem de vivência na advocacia criminal, na verdade, muito longe disso, mas,
embora singela, a que possuo já me permite visualizar a tecer certas
considerações sobre a advocacia criminal e as mazelas que afligem o processo
penal.
Todo
aquele que já passou pela infeliz experiência de responder a uma ação penal,
seja ela pública ou privada, entenderá exatamente aquilo que irei apresentar.
Na verdade, a situação é tão delicada que mesmo aquele que desconhece o peso de
um processo penal, não só entenderá como também concordará com o que será dito.
Até porque, devemos ter em mente que ninguém esta livre de passar por essa
mazela.
Pois
bem, primeiramente, explicando o termo Mazelas Do Processo Penal,
vale dizer que trata-se de uma singela homenagem e referência que é feita à
obra do saudoso jurista Francesco Carnelutti que retratou
brilhantemente todas as questões de sua época envolvendo a justiça criminal, o
fazendo em forma de livro que intitulou de “As Misérias do Processo Penal”.
Outrossim, a essência de qualquer dos títulos serve para englobar todos os
fatos e situações que surgem no curso de um procedimento penal, compreendendo
desde o início da persecução e perdurando até o fim do cumprimento da sanção
penal. Trazendo como marca ou característica forte a violação ou o desrespeito
à preceitos constitucionais.
# 1ª PARTE
Presunção De “Inocência” – Não Culpabilidade
A
começar tal análise, vale destacar o princípio constitucional da presunção de
não culpabilidade. Nesse ponto, vale fazer um parêntese para explicar uma
situação vista na prática, posto que tal princípio equivocadamente passou a ser
tratado como sinônimo de presunção de inocência.
O
princípio constitucional da não culpabilidade, previsto no artigo 5º, inciso
LVII da CF, estabelece a norma basilar de que no Brasil ninguém poderá ser
considerado culpado sem que antes haja uma sentença penal condenatória
transitada em julgado.
LVII – ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Ocorre
que o referido princípio, embora na prática a expressão “não culpabilidade”
seja tratada como sinônima de “presunção de inocência”, ainda assim, importante
esclarecer que elas se diferenciam na própria essência.
Conforme
dito, o princípio da não culpabilidade estabelece apenas que ninguém será
considerado culpado. Logo, ainda que alguém seja considerado não culpado, esse
status por si só não impede, por exemplo, que seja essa pessoa alvo de qualquer
das medidas cautelares previstas em lei, inclusive a decretação de prisão
provisória. De forma contrária, e já destacando a diferença entre tais
princípios, caso se adotasse no Brasil o princípio da presunção de inocência,
como equivocadamente se acostumou a dizer, nenhuma dessas figuras cautelares
poderiam ser decretadas.
Entendam,
uma pessoa vista como presumidamente inocente, deve ser assim considerada e
tratada, isto é, o status de inocente não tolera ou mesmo permite qualquer tipo
de perturbação. Por sua vez, a reserva legal deste princípio é vista na
Convenção Americana de Direitos humanos, mais especificamente no seu artigo 8º,
§2º.
Artigo 8º – Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito
a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.
Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes
garantias mínimas:
Feita
essa distinção, e retomando o raciocínio sobre as Mazelas Do Processo Penal,
considerando então o princípio constitucional da presunção de não culpabilidade,
devemos ressaltar que toda essa ideologia é muito bonita em se tratando de
teoria, posto que na prática, por uma gama de fatores, pouco importa a
distinção que acabamos de fazer, haja vista que com muita tranquilidade podemos
afirmar a completa inexistência desses princípios. E o pior, e até mais grave,
é que muitas vezes isso ocorre com autorização da própria lei.
Atualmente
um dos maiores e mais fortes motivos que têm enfraquecido a visualização dessa
não culpabilidade é com certeza a intromissão indiscriminada que a mídia tem
feito sobre muitos casos, e isso se dá principalmente pela forma com que as
notícias chegam para a maior parte da população.
Não
sabemos ao certo se ela é o quarto ou o quinto poder, mas o que não se discute
é justamente todo o poder que a mídia possui, e isso não apenas no sentido de
possibilitar que as pessoas tenham acesso às informações e assim possam formar
suas próprias opiniões, na verdade o termo “poder” aqui é visto de outra
maneira.
O
que se toma como poder nesse momento é na verdade a grande influência que ela é
capaz de exercer sobre as pessoas, induzindo grande parte da população a
simplesmente seguir o que é dito. E esse é o problema, pois nem tudo que é dito
e visto nos canais de comunicação, nem sempre correspondem com a verdade.
Daí,
corroborado pela força midiática exercida sobre o processo penal, podemos
ressaltar outro problema, que na verdade já falamos em outros momentos que é a
busca insana pela mítica verdade real. Muitos absurdos já foram praticados e nome
dessa verdade, mas fato é que não há no processo penal nenhuma verdade que pode
ser chamada de real ou mesmo de concreta, o que há de fato, até por força do
princípio da busca da verdade é tão somente a verdade
processual, que por sua vez é aquela obtida pelo magistrado depois de
se analisar todos os elementos de prova, isto é, reflexo daquilo que existe no
processo.
Desta
feita, o simples fato de se transmitir uma notícia, considerando principalmente
a forma com que ela é passada, não se pode negar que isso por si só já é o
suficiente para garantir a condenação de uma pessoa, que até onde sabemos
deveria ser tratada como presumidamente não culpada.
Talvez
os melhores exemplos a serem trazidos nesse momento sejam aqueles casos que
foram levados ao tribunal popular do júri, dentre eles podemos alguns que se
tornaram emblemáticos como, por exemplo, o caso Nardone, assim como o do
ex-goleiro Bruno, ou então, o único caso que foi transmitido integralmente pela
TV, o caso do Misael Bisbo julgado no mês de março de 2013, e por ai muito
outros casos semelhantes.
Mas
o que se ressalta dentre esse exemplos é que em todos eles a mídia foi tão
feroz e extremamente parcial ao transmitir as notícias, influenciando a
população, que desde o início já se tinha como certa a condenação em todos os
casos. Exatamente como hoje é feita sobre o caso Yoki, ou será que alguém tem
dúvida de uma condenação?
Vejam,
não estamos aqui discutindo o mérito de nenhum desses casos e tampouco
afirmando se as decisões foram justas ou não, até porque não temos condições
para fazer esse tipo de análise. A crítica que se faz, serve tão somente de
alerta, alerta de que o conteúdo de uma manchete pode condenar um inocente como
possui a mesma força para absolver um culpado, e é essa a força ou o poder da
mídia que diariamente vem interferindo na boa e esperada aplicação do direito
penal.
Os
exemplos lançados acima, refletem perfeitamente o que estamos dizendo, posto
que neles a condenação já era certa desde a primeira notícia que se viu, assim
como também será no último exemplo, salvo se a própria mídia mudar sua opinião.
Claro
que toda essa influência ocorre de maneira indiscriminada em todo e qualquer
crime de repercussão. Ocorre que no caso do tribunal popular do júri essa
situação é mais grave, uma vez que ali os réus são julgados por pessoas do povo
e por isso a influência da mídia chega a ser até mais visível e prejudicial.
Não devemos ignorar o fato que uma coisa é um juiz legalmente investido na
função, assistir uma notícia e depois julgar, outra coisa, é um leigo que em
determinado momento é escolhido a vestir a toga de julgador e assim decidir o
destino de outra pessoa.
Isso
porque, como bem sabemos, são justamente essas pessoas que compõem o conselho
de sentença, pessoas das mais variadas ocupações e classes sociais, que
diariamente estão sendo “metralhadas” com notícias fantasiosas. Como exigir
delas, depois dessa verdadeira “lavagem cerebral” promovida pela mídia, que
tenham eles condições de julgarem de maneira imparcial.
Outra
grande violação que temos visto sobre o princípio da não culpabilidade, que,
diga-se, também é fruto da mídia, é o tratamento dispensado aos crimes de
trânsito com influência de álcool. O que se tem visto na prática é o surgimento
de uma verdadeira responsabilidade penal objetiva, motivada principalmente pela
força da mídia que têm banalizado o dolo eventual. Depois de um acidente dessa
natureza é quase que automático escolherem alguém para ser o responsável e em
seguida taxá-lo como criminoso, ‘monstro”, etc. Isso tudo em um país onde se
preza a não culpabilidade!
Noutro
quadro, dissemos também, que em certos momentos, a própria lei autoriza a
violação do princípio constitucional da não culpabilidade. Talvez a maior prova
desse absurdo seja o artigo 156 do CPP, que expressamente autoriza o juiz ser,
além de um julgador, um verdadeiro produtor de provas no processo penal.
Ora,
se verdadeiramente vige no Brasil o princípio da não culpabilidade e como
desdobramento o in dubio pro reu, se o juiz não tiver embasamento
probatório suficiente para condenar, não deve produzir provas para justificar a
condenação, deve de outro modo, havendo dúvida, simplesmente absolver o
acusado.
Outro
obstáculo ao princípio da não culpabilidade é com certeza a sentença de
pronúncia vista no fim da primeira fase do Júri. Costuma-se dizer que nessa
fase vige o princípio do in dubio pro societates, isto é, havendo dúvida
sobre a acusação deve o acusado ser pronunciado e levado a plenário (artigo 413
do CPP). Entretanto, ocorre que indo de encontro a tal regramento diz o artigo
414 do CPP, que caso não haja prova suficiente e: “Não se convencendo da
materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de
participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado”
E
ai, como fica essa questão? Na prática, a norma do artigo 414 do CPP é
claramente violada sob o argumento de que vigora nessa fase o in dubio pro
societates.
Ademais,
atualmente em decorrência das inovações vistas no campo dos crimes contra a
dignidade sexual, e claro pela atuação da mídia, não há como não dizer da
situação de todo aquele que é simplesmente acusado de um crime sexual. O que
temos visto é que uma simples acusação feita no plantão policial já é
suficiente por quase terminar com a vida daquele que sofre esse tipo de
acusação.
É
impressionante como que a sociedade torna-se irracional diante de um crime
dessa natureza. Claro que se trata de um crime atroz, bárbaro e que merece
repúdio dada sua gravidade, isso não se questiona. Mas para isso deve-se ao
menos ter certeza de quem o tenha praticado. Pegar o primeiro que aparece como
suspeito e de pronto já querer puni-lo com penas capitais, não resolve o
problema e muito menos se fará justiça.
Apenas
para se dimensionar toda a força que uma acusação dessa natureza possui, aliada
a influência e o estrago que a mídia pode provocar, vale citar como exemplo, o
caso da escola Base de São Paulo, que na década 1990 tomou conta dos
noticiários com acusação de que crianças estariam sendo abusadas sexualmente.
Essa notícia recebeu o título de maior erro jornalístico da década, mas no
início das acusações o que se via era uma completa presunção de culpabilidade,
e apenas para se dimensionar o estrago que uma notícia como essa pode causar,
vale dizer que mesmo tendo sido os acusados absolvidos pelo Estado, ainda há na
sociedade um sentimento de dúvida se de fato eles são inocentes.
A
falta de presunção de não culpabilidade nesses casos é tamanha que basta dizer
que ocorreu um crime sexual e que Fulano é o autor, pronto, isso por si só já é
suficiente para “condenar” esse suspeito, principalmente porque em seguida já
se começa a veicular notícias como se a autoria do crime já estivesse certa. Em
certos programas de TV, alguns apresentadores preocupados apenas com o ibope,
passam a dirigir tratamento a esse suspeito como “bandido” “monstro” etc. Isso
tudo em um momento em que teoricamente se deveria vigorar o princípio da não
culpabilidade, mas o que há de fato é o princípio de que todos são culpados até
que se prove o contrário.
Tudo
aquilo que é motivado por sentimentos extremos acaba trazendo como consequência
resultados de igual monta. Muitas vezes quando a acusação de um crime sexual
ocorre antes mesmo do Estado por suas “mãos” sobre o suspeito, a própria
sociedade, ignorando a não culpabilidade, acaba exercendo um falso “direito” de
justiça, punido o suspeito com as próprias mãos. Muitos são os exemplos que
poderíamos lançar, mas apenas para clarear o que esta sendo dito vale relembrar
o que ocorreu em Recife no ano de 2012.
Populares
da região de Peixinhos, indignados e assustados com constantes casos de
estupros que vinham ocorrendo, e, acreditando tratar-se do responsável pelos
crimes, de forma completamente impensada, acabaram agredindo Pedro Alves de
Miranda, 47 anos de idade, levando-o a morte. Depois de tal evento, tomou-se
conhecimento que a vítima das agressões nada tinha haver com o verdadeiro
responsável pelos crimes.
Ainda
sobre os crimes dessa natureza, vale ressaltar um ponto que só ocorre em
relação a eles. Apenas para ilustrar a agressividade, bem como a gravidade de
uma acusação por crimes sexuais, ainda mais quando envolve menor, pode-se dizer
que o suspeito, em um único processo recebe até “três condenações”: i)
Uma quando simplesmente é apontado pela polícia como investigado de ter
praticado o crime. Nesse momento, na melhor das hipóteses ele sofre a chamada
sanção moral por parte da sociedade, como no exemplo visto no caso da Escola
Base; ii) Num segundo momento, quem o “condena” é o Ministério
Público, não através de uma sentença, mas simplesmente por denunciá-lo pelo
crime, o que, em tese, acaba tornando legítima a reação da sociedade vista no
primeiro momento; iii) E num terceiro momento, ai sim pode-se
dizer que seria a única condenação legítima, que é aquela vista por parte
do juiz que o faz meio de uma sentença, no fim do processo.
O
terceiro momento é único que tem legitimidade para afirmar ou ao a acusação,
todavia, é de fato a que menos importa na ótica da não culpabilidade, posto que
ainda que seja o acusado absolvido nessa fase, os dois primeiros momentos, que
deveria guardar relação direta com a não culpabilidade, são justamente os
momentos que condenará e marcará pelo resta da vida.
Infelizmente,
não há outra conclusão senão a que no Brasil deve-se amadurecer a idéia da não
culpabilidade, pelo menos para aproximá-la do que se tem em teoria. Veja,
equivocamente se diz que vigora o princípio da presunção de inocência, que
conforme vimos é mais amplo e absoluto, sendo que na verdade nem mesmo o
princípio da não culpabilidade é respeitado como deveria.
Embora
não sejam todas as situações, mas as poucas aqui apresentadas já demonstram de
forma suficiente que diariamente, por várias questões e motivos, o princípio constitucional
da não culpabilidade é violado e ignorado.